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Análise | Layers of Fear 2 é um jogo de terror difícil de ser compreendido

Por| 07 de Junho de 2019 às 13h54

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Análise | Layers of Fear 2 é um jogo de terror difícil de ser compreendido
Análise | Layers of Fear 2 é um jogo de terror difícil de ser compreendido

No mundo da arte, existe uma parábola sobre uma das obras de Jackson Pollock, famoso pintor expressionista abstrato da segunda metade do século XX. Essa história conta que, durante uma exposição do pintor, um crítico de arte ficou encantado por um quadro de Pollock que consistia de um enorme quadro pintado de tinta preta e, no meio dele, dois pontos pequenos e solitários de tinta vermelha. O crítico explicava a todos ao seu redor que aquele quadro era uma expressão da psique do artista em relação ao mundo, onde todas as partes pretas significavam a sociedade e os pontos vermelhos eram os olhos do artista nela, algo que se destacava do resto, mas, ao mesmo tempo, estava solitário e isolado do mundo.

Enquanto apreciava essa obra que tão corretamente mostrava o que era ser um artista em um mundo cada vez mais cético e materialista, Pollock passa ao lado do crítico, que aproveita a deixa para pará-lo e confirmar o que queriam dizer aqueles dois pequenos pontos vermelhos que se destacavam no quadro. Pollock pareceu não entender a pergunta, olhou com atenção para o quadro e então soltou a seguinte frase “Ah, eles devem ter espirrado na hora que eu estava pintando aquele outro quadro ali”.

Como toda parábola, não há como ter certeza se essa história é real ou se foi inventada por alguém para exemplificar um ponto, mas em ambos os casos ela é válida. Isso porque, inventada ou não, ela ilustra muito bem uma realidade: como muitas vezes o real valor de uma obra de arte é subjetivo, e como é possível haver muitas interpretações sobre um mesmo tema. Isso não quer dizer que algum dos lados está errado, mas sim que, por conta de sua bagagem e estudo da arte como um todo — o capital cultural —, muitas vezes um crítico acaba encontrando mais significado em uma obra do que o próprio artista havia pretendido ao criá-la. E, olhando-se para o todo e sem conhecer como foi o processo de criação, é bem possível acreditar que dois pontos de tinta que simplesmente espirraram em uma tela possuem um significado muito mais profundo.

Conto essa história aqui por causa disso: Layers of Fear 2 é a parábola de Jackson Pollock em forma de videogame.

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Camadas e camadas (mas não muitas)

Layers of Fear 2 é o segundo título da franquia de jogos de terror psicológico da Bloober Team, que também desenvolveu Observer. O segundo jogo segue a mesma fórmula do primeiro: o seu personagem é um ator que vai, aos poucos, ficando louco. E é aqui que estão as camadas (“layers”) do título: quanto mais o jogador vai avançando no jogo, mais ele se se aprofunda em “camadas” de loucura até não conseguir mais separar a realidade de suas alucinações.

Assim como no primeiro jogo, Layers of Fear 2 também se passa em um único lugar fechado, mas a continuação troca o cenário de um estúdio de pintura por um navio de cruzeiro. As mecânicas de jogo também continuam as mesmas: você deve andar pelos corredores, entrar em quartos, procurar por itens e resolver alguns desafios que, aos poucos, vão explicando a história do jogo, montando essa narrativa peça por peça, como se fosse um quebra-cabeça.

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Esses desafios normalmente consistem em memorizar alguma sequência de números para abrir um cadeado, ou mexer certas peças até que elas estejam na posição correta para liberar a passagem e permitir continuar avançando no jogo. O jogador tem basicamente apenas três ações no jogo todo: andar (ou correr), agachar e segurar (ação usada para pegar itens, abrir portas e mexer em alavancas). Essas três ações possuem tudo que o jogador utiliza para completar o jogo, que não é dos mais longos ou mais complicados.

Apesar de ser um jogo de terror, praticamente não há inimigos em Layers of Fear 2. O jogador irá encontrar pelo caminho diversos manequins, que, apesar de bizarros e muitas vezes assustadores, não são uma ameaça direta para o jogador. A única ameaça que ele irá encontrar é um monstro de sombras que te mata em um único golpe, obrigando o jogador a fugir até encontrar um local seguro. A aparição desse monstro é bem rara no começo, mas vai se tornando mais frequente conforme o personagem vai se aprofundando em sua loucura.

Terror com T de Tédio

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Ainda que tenha todos os pontos necessários para uma boa história de terror psicológico (narrativa fragmentada, uma distinção cada vez menor entre fantasia e realidade, uma ameaça invencível que te mata com um só golpe em um universo que se torna cada vez mais sombrio e bizarro conforme se avança no jogo), a conexão entre eles deixa a desejar, e o que poderia ser um grande jogo de terror muitas vezes acaba se tornando simplesmente um tédio.

Esse tédio é sentido principalmente no começo do jogo: mesmo sem se preocupar em ficar explorando muito, é possível demorar quase uma hora para dar de cara com a criatura de sombras pela primeira vez — ou seja, você irá ficar uma hora andando por corredores do navio e abrindo portas; e por conta disso encontrar uma porta trancada será a maior “emoção” da sua jogatina, pois nesse meio tempo não haverá nenhum inimigo ou ameaça real para te fazer sentir aquela tensão e ansiedade que é uma marca dos jogos do gênero.

E a falta dessa tensão e ansiedade é algo que ocorre durante todo o jogo. Mesmo ao se avançar na história, é nítida a diferença entre os pontos de tensão e aqueles em que se está seguro — afinal, o monstro que te persegue só aparece quando o mundo se torna preto e branco. Assim, Layers of Fear 2 peca ao não criar aquele sentimento de eterna angústia no jogador, de que ele pode ser atacado a qualquer momento. Como há uma única criatura que pode matá-lo, sempre que o mundo está colorido é possível ter a total certeza de que se está seguro, tirando qualquer tensão que poderia haver nessas partes e tornando elas em apenas um simulador de andar e abrir portas. Isso faz o jogo suscitar no jogador algo que poucos games de terror conseguem fazer: o sentimento de tédio.

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Há um certo problema também em como os labirintos das fases são criados. Como é um terror psicológico em ambiente fechado, boa parte da ação consiste em retornar para o mesmo lugar de onde veio e descobrir que ele está diferente, com novas portas ou corredores que surgiram do nada. O problema é que essa mecânica é usada sem sutileza, e não há o movimento natural de retornar para um lugar e, de repente, se deparar com ele diferente. O que acontece ao longo de todo o game é você estar andando por um corredor, chegar a um beco sem saída, e ser obrigado a voltar e procurar alguma porta ou passagem nova que se abriu. Assim, outro ponto que poderia ser usado para aumentar a sensação de terror acaba ajudando para a sensação de tédio, pois fica muito claro que algo no cenário irá mudar antes mesmo de você ver essa mudança, estragando toda a surpresa que ela poderia proporcionar.

Os próprios elementos de horror usados pelo jogo não são assim tão horrorizantes. Layers of Fear 2 é, visualmente, muito bonito e extremamente bizarro, mas não vai muito além disso. Como a maioria dos horrores são apenas manequins se mexendo de modo não-natural em posições bizarras — mas sem fornecer qualquer tipo de risco ao personagem —, o jogo passa a impressão de que tudo o que ele faz é ficar jogando na cara do jogador “olha como isso é bizarro! viu como eu sou bizarro?”, sem fazer nenhum outro esforço além disso para realmente assustá-lo.

O mesmo pode ser dito da narrativa: ainda que uma história fragmentada contada por partes não-cronológicas seja um ótimo recurso para uma história de terror, o uso dele em Layers of Fear 2 não é dos melhores. Isso porque o jogo nos coloca dentro do cenário sem qualquer explicação, não apenas de quem é o personagem, mas também do que ele está fazendo ali ou até mesmo qual é o seu objetivo — e, como ele demora até mesmo para nos mostrar o seu monstro, o jogador passa um bom tempo simplesmente andando sem rumo pelos corredores, sem saber porque está ali ou até mesmo o que ele precisa fazer.

Isso torna o jogo extremamente chato no começo, e exige que o jogador dedique pelo menos umas três horas de seu tempo para que a história comece a ficar interessante — e, se contarmos que o jogo pode ser terminado em uma média de seis horas, é tempo demais para exigir que um jogador ignore todos os problemas antes que ele desista do game. E mesmo quem consegue chegar a essa parte, provavelmente já está entediado demais para se importar com os desdobramentos.

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Outro problema da narrativa é o próprio texto usado para construi-la. A tentativa da Bloober Team é criar um texto macabro e vago, que pode assustar os jogadores ao mesmo tempo que dá dicas de se tratar de algo muito mais profundo. Num primeiro momento, esse esforço pode até parecer bem-sucedido, mas, ao olhar com atenção, é possível perceber uma narrativa baseada em “frases para usar de status no MSN Messenger”, cheia de coisas como “não é possível construir nada sem destruir” ou “não há aprendizado sem dor”, revelando que qualquer tentativa de profundidade não quis ir além do “Nietzsche para principiantes”.

Dois pontos em uma tela preta

Layers of Fear 2 é o tipo de jogo de exige uma compreensão subjetiva do jogador e, por isso, é difícil recomendá-lo de cara. Assim como a parábola de Pollock, tudo depende de como você enxerga as coisas: se o seu olhar é como o do crítico, que consegue abstrair aquilo que lhe é mostrado e enxergar além da obra em si, Layers of Fear 2 certamente será um jogo que poderá te marcar muito, pois tem todos os elementos para que esse tipo de compreensão além-jogo seja algo brilhante.

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Mas, se você tem um olhar mais como o do artista, e enxerga as coisas por aquilo que elas são sem tentar abstrair qualquer significado maior do que a própria obra, Layers of Fear 2 poderá ser uma experiência extremamente tediosa, cheia de falhas e que talvez não valha a pena dedicar seu tempo.

Layers of Fear 2 está disponível para Xbox One, PlayStation 4 e PC. O jogo foi testado no PlayStation 4 com cópia gentilmente cedida ao Canaltech pela Gun Media.