Você sabia que ver a Terra do espaço muda sua concepção sobre o planeta?
Por Felipe Junqueira | •
Você sabia que astronautas que olham para a Terra lá do alto possuem uma percepção do nosso planeta muito diferente da nossa, reles humanos que jamais saímos da atmosfera terrestre? Nem todos eles ficam com essa visão diferente, claro, mas é um estado reconhecido e perceptível por terceiros que conviveram com essas pessoas antes e depois de suas viagens.
Esse estado de clareza mental é chamado de overview effect (“efeito de visão geral”, em tradução livre). O termo foi criado por Frank White e apareceu um livro que tem o mesmo nome do conceito, escrito em 1987.
White chegou a declarar que, enquanto viajava de avião nos anos 1970, olhou pela janela e pensou o seguinte: “Qualquer pessoa vivendo no espaço sempre vai ter uma visão geral. Vai ver coisas que nós sabemos, mas que não experimentamos, que é a Terra como um sistema. Somos todos parte desse sistema e há uma certa unidade e coerência em tudo isso”.
O overview effect seria essa mudança cognitiva dos astronautas que veem nossa “brilhante joia no céu de veludo negro” (como descreveu Buzz Aldrin, durante a missão Apollo 11) flutuando no espaço. Para os astronautas que adquirem essa nova percepção, a Terra é enxergada como uma bola azul, pequena e frágil, flutuando no vazio e protegida por uma fina atmosfera com a espessura aparente de uma folha papel.
Os primeiros humanos a verem a Terra realmente de longe foram os astronautas da Apollo 8, Frank Bowman, Jim Lovell e Bill Anders. Este último, ao tirar uma foto da Lua pela janela da nave, exclamou: “Oh, meu Deus, vejam aquela imagem! É a Terra surgindo. Uau, como é bonito!”.
Em dezembro de 1968, Anders pode ter sido o primeiro a sentir o overview effect. Porém, naquela época, o termo ainda não existia, e na realidade o foco estava todo na Lua e em chegar até lá. Segundo consta em relatos públicos, os astronautas Michael Collins, Ron Garan, Rusty Schweikart, Edgar Mitchell, Tom Jones, Scott Kelly, James Irwin, Mike Massimino, André Kuipers e Chris Hadfield chegaram a vivenciar tal efeito.
Sentimento contraditório
O astronauta da NASA, Ron Garan, descreveu em seu livro The Orbital Perspective (“A perspectiva orbital”, em tradução livre) o sentimento que teve, em 2008, ao notar que havia sido surpreendido por essa nova perspectiva de nosso planeta. “Quando olhei para a Terra — esse oásis deslumbrante e frágil, essa ilha que que nos foi dada, e que tem protegido toda a vida das dificuldades do espaço —, uma tristeza me invadiu, e eu fui atingido no estômago por uma sóbria e inegável contradição”, conforme consta no livro.
De acordo com Garan, ele não conseguiu compreender como tanta gente pode não ter acesso a água, vai para a cama toda noite com fome, enfrenta injustiças sociais, conflitos ou sobrevive em extrema pobreza em um local tão bonito e vasto, que parecia, de seu ponto de vista naquele momento, “um paraíso”. E completa: “Ver a Terra desse ponto de vista me deu uma perspectiva única — algo que vou chamar de perspectiva orbital. Parte disso é a constatação de que viajamos todos juntos no planeta e que, se nós olhássemos para o mundo daquela perspectiva, veríamos que nada é impossível”.
Por enquanto, essa perspectiva geral do planeta Terra como algo único, frágil, e ao mesmo tempo acolhedor, é exclusividade de astronautas que já tiveram a oportunidade de ver nosso planeta do espaço, ainda que por pouco tempo. No futuro, porém, tudo indica que pessoas comuns também terão esta chance: afinal, o turismo espacial vem tomando forma cada vez mais rapidamente, graças às empreas espaciais privadas que estão mirando neste mercado (por exemplo, Virgin Galactic, Blue Origin e SpaceX), e é possível que até mesmo a Estação Espacial Internacional comece a receber turistas a partir da próxima década.
Fonte: NASA (Tumblr), Business Insider, Wikipedia