Simulação em deserto chileno mostra como rover pode encontrar vida em Marte
Por Patricia Gnipper |

Uma pesquisa publicada na revista Frontiers in Microbiology mostra como é possível que um rover equipado com uma broca encontre algum tipo de vida em um local desolado como Marte. O equipamento foi levado ao Deserto do Atacama, no Chile, como uma maneira de simular o terreno marciano, e o teste resultou na descoberta de um microorganismo resiliente, indicando que esse tipo de vida, se existir algo similar em Marte, pode se esconder nas profundezas da superfície marciana.
A missão experimental foi conduzida com a NASA. Experimentos do tipo são necessários para que se entenda melhor os desafios que tal busca oferece, bem como descobrir limitações de nossa tecnologia para que inovações sejam criadas a fim de burlá-las.
É sabido que, há bilhões de anos, Marte tinha um clima temperado e abrigava água líquida em sua superfície, com as marcas dos antigos leitos de rios sendo encontradas até hoje. Então, acredita-se que, naquela época, Marte tinha um ambiente favorável à vida. Hoje em dia, é altamente improvável que algum tipo de vida, ainda que microbiana, tenha sobrevivido e ainda esteja na superfície — afinal, Marte hoje tem níveis letais de radiação e a água somente foi encontrada abaixo das calotas polares, 1,5 km abaixo da superfície, além de o planeta apresentar variações extremas de temperatura entre dia e noite.
Já ao se avaliar as condições abaixo da superfície, a história pode ser bastante diferente. De acordo com Stephen Pointing, principal autor do estudo, há rochas e sedimentos que ainda podem fornecer um habitat potencial à vida. E por que usar o Deserto do Atacama como palco de testes nessa busca? É que essa região da Terra, por suas condições quase que inóspitas, oferece um análogo consideravelmente compatível com as condições marcianas.
"Alguns dos solos mais parecidos com os de Marte na Terra estão no Deserto do Atacama. Há muito pouca entrada de água no deserto e os solos se tornaram muito pobres em nutrientes e extremamente salgados com o tempo, e quimicamente se assemelham aos solos de Marte de várias maneiras. Em preparação para futuras missões a Marte, usamos lugares como este para testar teorias sobre a distribuição de vida e novas tecnologias para procurá-la", explica o pesquisador.
Pointing e sua equipe levaram um robô autônomo de quatro rodas equipado com uma broca ao Atacama, coletando amostras de sedimentos subterrâneos a uma profundidade de 80 centímetros abaixo da superfície. Então, o time usou sequenciamento de DNA para descobrir vida bacteriana nos sedimentos recuperados. As bactérias, contudo, não estavam distribuídas uniformemente pelo deserto, concentrando-se em manchas aparentemente aleatórias do solo, o que é explicado pela disponibilidade limitada de água, além de nutrientes escassos e também pela condição geoquímica do local. Então, ao procurar por vida em Marte, é preciso ter em mente que essa busca pode ser comparada a encontrar uma agulha no palheiro.
De qualquer maneira, o estudo é o primeiro a comprovar que microrganismos estão distribuídos em zonas habitáveis específicas logo abaixo da superfície do Deserto de Atacama, o que também pode estar acontecendo em Marte. "Vimos que, com o aumento da profundidade, a comunidade bacteriana tornou-se dominada por bactérias que podem prosperar nos solos extremamente salgados e alcalinos. Elas, por sua vez, foram substituídas em profundidades de até 80 cm por um grupo único de bactérias que sobrevivem metabolizando o metano como fonte de alimento", explica Pointing.
Marte contém grandes quantidades de metano na superfície, então, seguindo a lógica da vida que existe no Atacama, é possível que existam microrganismos marcianos devoradores de metano sob essa camada. Agora, a equipe de pesquisadores tem como nova missão descobrir como os micróbios subterrâneos do deserto chileno conseguem sobreviver e, para isso, pretendem retornar ao deserto com um rover capaz de perfurar 2 metros abaixo do solo.
Contudo, vale ressaltar que, por mais semelhanças que o Deserto do Atacama tenha com o terreno marciano, ainda assim estamos falando de um local na Terra, onde a vida floresce há bilhões de anos. Em Marte, a história é bem diferente. Ainda assim, estudos como esse são importantes para o desenvolvimento de tecnologias capazes de buscar vida em Marte com ainda mais afinco, ainda que o fato de existir vida no aparentemente inóspito deserto chileno não signifique que a vida ainda exista em Marte da mesma maneira — caso um dia já tenha existido.
Entre essas novas tecnologias, está a capacidade de um rover sequenciar o DNA das amostras coletadas lá mesmo. No estudo de Pointing, esse teste foi feito em laboratório, e não usando equipamentos do próprio rover, e ainda não há uma maneira segura e confiável de rovers em Marte fazerem essa análise. Então, é preciso de inovações para que rovers consigam analisar amostras dessa maneira, com precisão, lá mesmo em Marte, ou então trazer as amostras para a Terra — o que encareceria ainda mais as missões do tipo, que já são extremamente custosas e as agências espaciais, como NASA e ESA, que têm missões de busca de vida em Marte, dependem do financiamento limitado de seus respectivos governos.
Vale lembrar que a NASA enviará ao Planeta Vermelho, no ano que vem, o rover Mars 2020, cuja principal missão é encontrar bioassinaturas de vida — ou seja, evidências de que a vida um dia existiu naquele local onde o pouso acontecerá. Ainda, a ESA tem sua missão ExoMars, pela qual enviará a Marte também em 2020 um rover com o mesmo objetivo, chegando ao Planeta Vermelho no ano seguinte. E pesquisas como a de Pointing ajudam essas missões a serem ainda melhor desenvolvidas, tudo como parte da incessante busca humana pelo surgimento de vida em outros planetas além da Terra.
Fonte: Gizmodo