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Sabemos muito mais sobre Marte hoje graças ao rover Curiosity — e um brasileiro

Por| 08 de Janeiro de 2020 às 08h15

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*Com colaboração de Patrícia Gnipper

A humanidade, hoje, compreende Marte muito melhor do que poucas décadas atrás, mesmo que ainda existam muitos mistérios envolvendo o Planeta Vermelho. Em 2019, a NASA comemorou 7 anos de missão do rover Curiosity, que pousou na superfície marciana em 2012 e, desde então, as descobertas sobre nosso vizinho são sem precedentes e cada vez mais impactantes.

Já se sabe que Marte teve condições de abrigar vida microbiana em seu passado remoto, por exemplo, com dados recentes indicando que o planeta pode já ter tido água o suficiente para dar origem à vida como a conhecemos - se é que ainda não existe algum tipo de vida sobrevivendo por lá. Falar sobre vida extraterrestre ainda é um assunto controverso mesmo nos tempos atuais, mas “pode ser que nossa inteligência seja tão pequena, tão primitiva, que não somos e nem nunca seremos capazes de perceber as outras inteligências superiores da nossa galáxia”, como comenta o físico brasileiro que trabalha na NASA, Ivair Gontijo, em seu livro A caminho de Marte: a incrível jornada de um cientista brasileiro até a NASA, da editora Sextante.

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Mineiro, Gontijo trabalha no Jet Propulsion Laboratory (JPL) da NASA, na Califórnia, dedicando-se a projetos de exploração de Marte, seja no rover Curiosity ou ainda na futura missão Mars 2020. E ele está sempre em busca de respostas para grandes questões - até filosóficas - sobre a vida, a evolução e, claro, o planeta Marte.

Quando veio ao Brasil para o Festival Futuros Possíveis, da Casa Firjan, o Canaltech bateu um papo com o cientista e, nesta matéria, você conhece um pouco mais sobre seu trabalho e sua participação nas missões que desvendam os mistérios marcianos.

O fascínio pelo Planeta Vermelho

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Os atuais conhecimentos sobre Marte orgulhariam (e muito!) as gerações de astrônomos que passaram suas vidas estudando o planeta séculos atrás. Desde o final do século XIX já se observava Marte com telescópios menos poderosos, como fez o astrônomo italiano Giovanni Schiaparelli, que buscava analisar detalhes da superfície do planeta.

Já em 1895, o americano Percival Lowell publicou um livro, conhecido como Mars, em que dizia que Marte não só possuía vida inteligente, como também os marcianos haviam construído canais para levar água dos polos, e tinham construído uma rede de irrigação para suas plantações - o que se provou falso depois, mas a obra ainda é uma curiosidade e um documento e tanto sobre o imaginário acerca do nosso vizinho espacial.

Com a humanidade obcecada pela vida marciana, na década de 1970 foi enviada a primeira missão a tentar comprovar a existência de vida em Marte, chamada de Viking. O programa da NASA levou duas sondas não tripuladas até o Planeta Vermelho, mas, infelizmente, obtiveram resultados inconclusivos.

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Mas nem por isso o fascínio por uma suposta vida marciana acabou, ainda que os estudos posteriores à Viking tenham continuado a jogar um balde de água fria nessa questão. Hoje, depois de confirmarmos que Marte já teve rios, lagos e até mesmo um oceano, a busca pode não estar mais focada em encontrar homenzinhos verdes andando na superfície marciana, mas sim em detectar bioassinaturas indicando que, sim, em um passado distante Marte já abrigou tipos de vida, ainda que microbiana. Outra frente de estudos são aqueles que buscam formas de terraformar o Planeta Vermelho para que ele se torne habitável em um futuro um tanto quanto distante.

Ivair Gontijo: brasileiro "a caminho de Marte"

Quem conta uma boa parte dessa história de fascínio pelo Planeta Vermelho e detalha a missão na qual esteve envolvido é o cientista brasileiro Ivair Gontijo, de 59 anos, que há dez anos ajudou a construir os transmissores e receptores do radar utilizado para o pouso do rover Curiosity em Marte.

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Antes de chegar à meca da exploração espacial, o físico estudou em escolas públicas no interior de Minas Gerais e se formou na Universidade Federal de Minas Gerais, além de ter cursado um técnico em agropecuária. Um caminho e tanto até chegar ao laboratório da agência espacial dos EUA.

No livro A caminho de Marte, que ganhou o prêmio Jabuti de 2019 - tradicional premiação literária do Brasil, criada em 1959 - na categoria Ciências, Gontijo conta desde curiosidades sobre o Planeta Vermelho até detalhes sobre sua vida, revelando que passou também pela Universidade de Glasgow, na Escócia, pela Universidade Heriot-Watt, em Edimburgo, e pela Universidade da Califórnia, em Los Angeles.

Entrevista com o físico brasileiro da NASA

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Canaltech: Para começar, seus últimos anos de carreira são dedicados ao Planeta Vermelho, mas exatamente por que escolheu estudar Marte?

Ivair Gontijo: Temos estudado Marte provavelmente há 25 séculos - ou até mais -, isso desde os primórdios da ciência, da astronomia. Há muito tempo as pessoas olham para o céu e veem aquela estrela avermelhada, que tem sido objeto de fascínio por séculos. Somos criaturas curiosas, queremos aprender. Os astrônomos antigos, por exemplo, queriam saber por que esse astro se movia no céu de uma forma estranha [sua órbita ao redor do Sol é mais alongada do que a maioria dos planetas do Sistema Solar].

Hoje em dia, estudamos o planeta porque ele já foi muito parecido com a Terra. No início do Sistema Solar, os dois vieram da mesma nuvem de gás e poeira, ambos os planetas também tinham atmosferas e superfícies parecidas há bilhões de anos. No entanto, Marte se diferenciou muito da Terra. Enquanto a Terra continua coberta por oceanos e tem seu próprio ciclo hidrológico, Marte teve essas características, mas no passado distante. A questão é entender como é que esses planetas se diferenciaram tanto; o que aconteceu? São perguntas muito importantes, para as quais procuramos respostas.

CT: O Curiosity foi o último rover enviado pela NASA a Marte. Quais são os diferenciais dele?

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I.V.: É um veículo tão diferente dos outros que pode ser muito pouco comparado com os que tinham sido enviados até então. Os veículos anteriores mais sofisticados - que já andaram na superfície de Marte - foram o Spirit e o Opportunity, que chegaram lá em 2004. Cada um deles pesava 175kg na Terra e usava painéis solares para obter energia. Eram praticamente do tamanho de uma mesa. Para comparar, o Curiosity pesa 900kg e leva uma quantidade enorme de instrumentos. Por ser tão sofisticado e demandar tanta energia, ele não pode funcionar unicamente por painéis solares. Ele funciona com um gerador térmico de radioisótopos, com energia nuclear. Usamos plutônio para produzir eletricidade e toda sua produção de energia elétrica vem da energia atômica.

Seu software também é mais sofisticado e se comunica diariamente com a Terra. Com isso, fomos capazes de fazer pesquisas até então impossíveis. Assim, a equipe de operação olha e compara as imagens obtidas, cruzando os resultados com imagens de satélites e discutindo com um grupo de cientistas - espalhados pelo mundo inteiro. Dessa forma, traçam os próximos alvos a serem estudados no dia seguinte, inclusive com quais instrumentos, para encontrar as amostras mais importantes. Sempre procurando descobrir se Marte já teve condições de habitabilidade, como sinais de água, alguns compostos químicos e compostos orgânicos.

CT: No livro, você cita: “não sabíamos antes do Curiosity, mas agora temos a confirmação sólida de que o Planeta Vermelho já foi mesmo um local onde a vida poderia ter se formado”. Quais descobertas o levaram a esta afirmação? Podemos supor que tais formas de vidas teriam sido extintas?

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I.V.: Por exemplo, lá na cratera em que ele desceu, a Gale, houve um lago que durou milhões de anos. Isso é muito importante porque, para ter um lago durando por todo esse tempo, é preciso de rios para abastecê-lo, é também preciso de chuva, de nuvens, provavelmente de neve, e de todo um ciclo hidrológico. Com água ali há milhões de anos, são nesses lugares em que a vida poderia ter se formado um dia. Ter encontrado esse lago foi uma descoberta espetacular. Também descobrimos compostos orgânicos complexos, moléculas orgânicas com átomos de carbono e átomos de enxofre, que foram preservadas abaixo da superfície de Marte.

Mas sobre formas de vidas extintas, nós não sabemos. Não se sabe se a vida se formou lá ou não. Na expedição, nós não descobrimos nada referente a isso. E não temos essa resposta, mas se continuarmos insistindo, um dia ela será respondida de uma forma ou de outra.

CT: Em outra parte do livro, você escreve: “hoje, com os resultados obtidos pelo Curiosity, confirmamos uma hipótese bem mais radical: a antiga atmosfera marciana era realmente bem mais espessa, permitindo que o planeta armazenasse calor e mantivesse uma temperatura global acima do ponto de fusão do gelo”. A mudança ocorrida em Marte poderia acontecer com a Tera? Quais seriam as chances?

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I.V.: Possivelmente, em um futuro distante, sim, mas não em pouco tempo. Nós não entendemos muito bem como foi que se deu esse processo em Marte. Provavelmente, teve algo relacionado ao campo magnético do planeta, que aparentemente existia em uma etapa da sua formação, mas depois desapareceu. Com isso, a radiação que vem do Sol e das outras estrelas, entrando na atmosfera, quebrou todas as moléculas de água, e a maioria dos líquidos da atmosfera evaporou, escapando do planeta.

A gente tem que lembrar também que Marte é muito menor do que o planeta Terra. A gravidade de Marte é cerca de 38% a da Terra. Isso quer dizer que uma pessoa que pesa 100kg aqui, pesaria 38kg no Planeta Vermelho. Com isso, é muito mais fácil que átomos e gases escapem dessa atmosfera. Um pequeno aumento de velocidade ou uma variação de temperatura poderia dar a esses átomos energia suficiente para escaparem da atração gravitacional do planeta. Já a Terra, que é muito maior, consegue segurar uma atmosfera de maneira melhor.

Isso vale também para um planeta muito maior, como Júpiter. Por conta de sua gravidade, Júpiter é praticamente uma bola de gás, praticamente só atmosfera, de tão grande que é.

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CT: Além dessas descobertas, quais são os próximos passos da exploração de Marte?

I.V.: Para 2020, a próxima missão para Marte é a Mars 2020, em que estou trabalhando com um instrumento que utiliza um laser de alta-potência para vaporizar as rochas, ou então para chacoalhar as moléculas dos minerais em Marte. Com isso, identificamos quais são esses minerais presentes nas estruturas rochosas, por exemplo.

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O Curiosity fez uma coisa muito bacana, que é identificar os elementos químicos, mas utilizava uma técnica destrutiva. Ele destruía, de tão potente, quando o pulso de laser acertava a rocha. A gente não sabia quais mineiras faziam parte dela. Só que alguns minerais são melhores do que outros para guardar compostos orgânicos dentro deles, por isso estudar mineralogia é muito importante. Com essa nova missão, vamos estudar, propriamente, a mineralogia do Planeta Vermelho.

CT: Focando um pouco na sua trajetória, como foi que se tornou um cientista da NASA, envolvido em uma missão tão importante? Fato esse que não é comum para brasileiros...

I.V.: Olha, é uma história tão longa, ao mesmo tempo que é muito rica, que começa em Moema [cidade no interior de Minas Gerais], passa pelo meu primeiro trabalho na Fazenda Água Branca, e depois para Belo Horizonte, onde me graduei em física na UFMG. Fiz também mestrado em óptica, e fiz doutorado em engenharia elétrica, na Escócia, onde passei dez anos.

Depois eu me mudei para os Estados Unidos, onde fiz uma porção de coisas. Inclusive, trabalhei na Universidade da Califórnia, e também trabalhei em empresas de fibra óptica, e depois em uma empresa que produzia lentes para serem implantadas. Nesse meio tempo, bati na porta da NASA diversas vezes e não foi nem na terceira vez que consegui. Para chegar até aqui eu insisti, persisti e, com certeza, não aceitei o primeiro "não".

Sucessor do Curiosity buscará sinais de vida antiga em Marte

Ainda mais poderoso e capaz do que o Curiosity será o rover da missão Mars 2020, ainda sem nome — seu nome oficial será escolhido a partir de sugestões dadas por estudantes com a campanha Name the Rover, e o título vencedor será revelado em fevereiro deste ano. A missão pousará na cratera Jezero, que é uma cratera de impacto com 500 metros de profundidade e 45 quilômetros de diâmetro e que possivelmente surgiu após uma colisão espacial ocorrida há algo entre 3,5 bilhões e 3,9 bilhões de anos.

O local foi escolhido para esta nova missão porque observações recentes, feitas por meio de sondas orbitais, indicam que a região teria abrigado um delta de um rio há muito tempo e, portanto, a área tem grande potencial de preservar bioassinaturas mesmo nos dias atuais, revelando se um dia houve vida em Marte. Afinal, os deltas de rios aqui na Terra preservam muito bem bioassinaturas de vida antiga.

Enquanto o Curiosity tinha 17 câmeras, com apenas quatro delas captando imagens coloridas, o rover da Mars 2020 terá um total de 23 câmeras, a maioria fazendo registros em cores. Uma das novas câmeras se chama Mastcam-Z, versão aprimorada da Mast Camera a bordo do Curiosity, e terá capacidade de dar zoom, gravar em alta definição e até mesmo fazer imagens panorâmicas. Ainda, o novo rover terá dois microfones, o que vai nos permitir, pela primeira vez, ouvir os sons dos ventos marcianos.

Outra melhoria está na "esperteza" do veículo. O Curiosity depende do envio de comandos da equipe em Terra a cada início de dia em Marte; senão, ele não sabe o que fazer. Atualmente, o processo de analisar dados recebidos e testar próximos comandos, enviando-os ao rover, que, por sua vez, os recebe e executa, leva cerca de sete horas. Isso não se repetirá com o novo rover: o Mars 2020 será mais independente, pois contará com inteligência artificial para isso. Ele poderá tomar algumas decisões por conta própria, e também será capaz de calcular sua trajetória cinco vezes mais rapidamente do que seu irmão mais velho.

A equipe por trás da missão crê que cada processo diário envolvendo comandos e análises poderá ser feito em apenas cinco horas, o que vai permitir a cobertura de uma área ainda maior do que a explorada pelo Curiosity. A missão Mars 2020 será lançada em julho deste ano e deve chegar ao Planeta Vermelho em fevereiro de 2021.