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O que é matéria escura?

Por  • Editado por  Patricia Gnipper  |  • 

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Tom Abel & Ralf Kaehler (KIPAC, SLAC), AMNH
Tom Abel & Ralf Kaehler (KIPAC, SLAC), AMNH

Talvez você já tenha lido algo sobre uma tal “matéria escura” do universo e se frustrou por não saber do que se trata. Não se preocupe, os astrônomos também não sabem. A ciência pode inferir que o material existe, sendo possível até mesmo dizer quanto dele existe, mas as certezas não vão muito além. Poderíamos resumir a ópera dizendo apenas “não sabemos ao certo”, mas há muitas entrelinhas interessantes sobre o assunto.

O que é matéria escura?

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Quando o Telescópio Espacial Hubble, no final da década de 1990, trouxe uma infinidade de novas observações incríveis de objetos distantes — e, portanto, antigos —, os astrônomos descobriram algo surpreendente: o universo em épocas remotas se expandia mais lentamente do a expansão que é observada hoje. Isso foi muito difícil de explicar, porque até então os cientistas estavam em parte certos de que a taxa de expansão do universo diminuiria por causa da gravidade das grandes estruturas como as galáxias.

Então, os teóricos chegaram a três tipos de explicação, e uma delas trouxe de volta à mesa uma versão há muito descartada da teoria da gravidade de Einstein, que fala a respeito de algo chamado "constante cosmológica". Albert Einstein foi a primeira pessoa a perceber que o espaço vazio não é um grande “nada”, com alguns objetos aqui e ali. O espaço tem propriedades, e a primeira dela a ser descoberta por Einstein é a possibilidade de que mais espaço passe a existir. Enfim, na segunda versão da teoria da gravidade, o físico alemão prevê que o “espaço vazio” pode possuir sua própria energia.

Como essa energia é uma propriedade do próprio espaço, ela não é diluída com a expansão do universo. E se a expansão segue cada vez mais rápida, talvez Einstein estivesse certo sobre todas essas ideias, o que leva a algumas conclusões ainda mais interessantes. Por exemplo, a de que mais dessa “energia” estranha surge à medida que o espaço se expande e aumenta. Como resultado, essa forma de energia faria com que o universo se expandisse cada vez mais rápido. Essa energia é conhecida hoje como “energia escura”, e ela é importante para entender um pouco a matéria escura.

Acontece que com novas observações e muitos cálculos, os cientistas finalmente chegaram ao número correspondente à energia escura existente no universo, baseado no que se sabe sobre a expansão do universo. A conclusão é de que cerca de 68% do universo é feito de energia escura, enquanto a matéria que conhecemos corresponde a apenas 5% do universo. Tudo o que vemos, de galáxias a planetas — incluindo eu e você — é apenas 5% de todo o cosmos. O resto são as coisas que não podemos ver, então chamamos de “escuro”.

Você percebeu que a conta não fecha (68% de energia escura + 5% de matéria normal)? Pois bem, o restante que falta para completar 100% do universo só pode ser explicado pelo que chamamos de “matéria escura”. Assim, essa matéria invisível representa cerca de 27% do universo. Mas do que é feita essa matéria? Difícil dizer, pois se não podemos ver, significa que ela é feita de algum tipo de partícula que ainda não conhecemos. Mas há algumas hipóteses para explicar que partícula seria essa.

Candidatos a matéria escura

Embora seja difícil descobrir o que é a matéria escura, podemos descartar muitas coisas. Por exemplo, toda a matéria bariônica — ou seja, ela não é nada que possa ser formado por prótons, nêutrons e elétrons. Se a matéria escura fosse bariônica, os cientistas poderiam detectá-la, já que eles são capazes de encontrar nuvens bariônicas distantes e escondidas, medindo quanta radiação foi absolvida quando alguma luz passa por elas.

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Também podemos descartar a antimatéria, pois não foram detectados os raios gama que são produzidos quando a antimatéria e a matéria se aniquilam em um encontro fatal. Por último, a maioria dos cientistas também descarta grandes buracos negros primordiais do tamanho galáxias. É que se a matéria escura fosse algo assim, os astrônomos veriam uma distorção da luz nas regiões onde estaria localizada. Essa distorção da luz pela gravidade é chamada de lente gravitacional, e foi prevista por Einstein, e mais tarde comprovada várias vezes pelos astrônomos.

Axions

Os áxions são um tipo de partícula hipotética que, se existirem, raramente poderiam interagir com a matéria normal. Ela a foi proposta pela primeira vez há mais de 40 anos, mas ainda não foi encontrado sinais de que realmente existe no universo. Ainda assim, é considerada a melhor explicação para a matéria escura. De acordo com a tese, se os áxions tiverem uma massa baixa dentro de uma faixa específica, eles podem ser um possível componente da matéria escura.

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Essas partículas seriam mais ou menos como neutrinos. Ou seja, teriam pouquíssima interação com a matéria conhecida do universo. Assim como neutrinos, áxions seriam capazes de viajar pelo cosmos atravessando todo tipo de objetos — inclusive nossos corpos —, em linha reta, quase sem deixar rastros de suas passagens. Outra semelhança entre essas duas partículas é que ambas se formam no interior do núcleo das estrelas. A principal diferença é que apenas os neutrinos têm a existência comprovada.

Curiosamente, o áxion foi proposto pela primeira vez por Roberto Peccei e Helen Quinn não para explicar a matéria escura, mas como uma solução para algo chamado “violação CP” (um problema da cromodinâmica quântica). Essa proposta ficou conhecida como teoria de Peccei-Quinn.

Neutralinos, neutrinos estéreis, gravitinos

Já o neutralino, também hipotético e considerado um candidato a ingrediente da matéria escura, é previsto por uma teoria da física de partículas. Haveriam quatro neutralinos, todos eletricamente neutros. Cogita-se que o mais leve dos quatro seja estável e que todos eles interagem com a força fraca.

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Há outros candidatos menos conhecidos para matéria escura, tais como os neutrinos estéreis. São partículas semelhantes aos neutrinos normais, só que muito mais massivos e incapazes de interagir com a força fraca. A existência dessa partícula também nunca pode ser comprovada — na verdade, os estudos atuais apontam que, caso neutrinos estéreis existam, as experiências mais avançadas seriam contraditórias.

Matéria escura quente, fria e morna

Também há algumas ideias diferentes para a forma da matéria escura. Na matéria escura fria, as partículas se moveriam lentamente em relação à velocidade da luz e interagem muito fracamente com matéria normal. Além disso, possuiria radiação eletromagnética. Essa é a ideia mais aceita pelos teóricos, sendo que os áxions, os neutrinos estéreis e os neutralinos, seriam as partículas que formam esse tipo de matéria escura, já que elas são consideradas como fracas na interação com a matéria bariônica.

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Por outro lado, a matéria escura quente é uma forma oposta — suas partículas viajam em velocidades ultrarelativísticas, ou seja, muito próximas à velocidade da luz. Essa ideia não é tão popular porque não pode explicar como as galáxias individuais se formaram a partir do Big Bang, coisa que a matéria escura fria é mais capaz de fazer. A radiação cósmica de fundo em micro-ondas (um tipo de “fóssil” do universo, que leva os astrônomos aos primeiros milhões de anos após o Big Bang) é muito suave e as partículas em movimento rápido não podem formar aglomerados tão pequenos quanto as galáxias em um estado inicial, que era o universo primitivo.

Por fim, a matéria escura morna teria propriedades intermediárias entre a matéria escura quente (já descartada pelos cientistas) e a matéria escura fria. As partículas desse estado de matéria mais comuns são os mesmos que vimos na matéria escura quente: neutrinos e gravitinos estéreis.

Será que matéria escura existe mesmo?

Pode ser um pouco difícil ter certeza sobre alguma coisa que ainda não é possível ver, mas os astrônomos estão certos de que a matéria escura existe por um motivo — a gravidade. É que, além dos motivos apresentados no início da matéria, as grandes estruturas cósmicas como as galáxias só podem ser explicadas se considerarmos a matéria escura. Um bom exemplo é a galáxia abaixo. A NGC 5585 parece como qualquer outra galáxia espiral, mas há algo estranho nela.

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As nuvens de poeira e gás da NGC 5585, reveladas nesta imagem do Hubble, contribuem com apenas uma pequena fração da massa total da galáxia. Na verdade, isso não é tão estranho assim, pois muitas outras galáxias apresentam essa discrepância na distribuição de massa em relação à matéria visível. Isso só pode ser explicado com a matéria escura. Ah, sim, é possível calcular a massa de uma galáxia, mesmo sabendo que o resultado será muito maior do que a soma de toda a massa visível. Para isso, os astrônomos usam um método baseado na velocidade de rotação da galáxia.

Bem, dito isso, estranho mesmo é encontrar uma galáxia sem matéria escura. Isso aconteceu mais de uma vez, embora já exista uma resposta para alguns dos casos. Em 2018, por exemplo, astrônomos perceberam que a galáxia NGC 1052-DF4 parecia não ter matéria escura. Agora, esta galáxia está desmoronando — aliás, isso prova que a matéria escura não apenas é real, como é fundamental para manter as coisas no lugar.

Pois é, a NGC 1052-DF4 não formou novas estrelas em cerca de 7 bilhões de anos e, de acordo com um estudo recente, está prestes a ser destruída. Mas para onde foi a matéria escura dessa galáxia? A resposta é simples: ela é bem antiga, com pelo menos alguns bilhões de anos, conseguiu se formar com sucesso, mas em algum momento ela interagiu gravitacionalmente com sua galáxia “irmã”, bem maior e mais massiva, chamada NGC 1052. Então, essa galáxia maior “roubou” a matéria da NGC 1052-DF4. Afinal, o objeto de maior massa sempre atrairá para si a matéria do objeto de menor massa, e isso também vale para a matéria escura.

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Cada vez mais os astrônomos estão convencidos de que o universo não pode ser explicado sem a matéria escura. Por isso, descobrir do que ela é feita, é fundamental para, de fato, explicar o cosmos, sua origem, seu futuro e nosso lugar nele.

Fonte: NASA, Chandra, ESA/Hubble