O que é a Escala de Kardashev e onde nos encaixamos nela?
Por Danielle Cassita • Editado por Patricia Gnipper |
A Escala de Kardashev foi criada para funcionar como um sistema de avaliação de civilizações alienígenas hipotéticas, que as divide em diferentes categorias com base na energia que eles podem produzir, controlar e utilizar. A versão original apresentava apenas três tipos de categorias, mas hoje já conta com mais algumas delas descritas.
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Também conhecida como “teoria de Kardashev”, a escala foi criada em 1964 pelo astrônomo soviético Nikolai Kardashev. Ele propôs que o status de uma cultura depende, principalmente, da energia e tecnologia. Para ele, o avanço técnico de uma civilização é paralelo à energia que consegue produzir e manipular. Portanto, quanto mais energia produzir, mais tecnologicamente avançada a sociedade seria.
Inicialmente, este conceito era relacionado principalmente à energia disponível para a comunicação, mas já se expandiu desde aquela época. Assim, em um sentido mais amplo, a escala propõe que a relação entre a tecnologia e a energia são responsáveis pelo desenvolvimento de uma cultura: com a tecnologia, a energia é produzida e expressa através de sistemas sociais.
A escala original tinha três níveis, mas foi ampliada por cientistas para considerar onde civilizações hipotéticas — e, claro, a nossa — se encaixam.
O que diz a Escala de Kardashev
A escala foi publicada originalmente em 1964 em russo, mas logo foi traduzida para o inglês. Kardashev a formulou considerando tanto a relação entre a energia e a tecnologia para uma civilização quanto as consequências disso: quanto mais energia esta civilização puder acessar, melhor será sua tecnologia. Para ele, qualquer sociedade poderia avançar até onde sua tecnologia e uso de energia permitissem.
Os níveis da Escala de Kardashev são:
- Tipo I: civilização capaz de aproveitar toda a energia de seu planeta
- Tipo II: civilização capaz de aproveitar toda a energia de sua estrela
- Tipo III: civilização capaz de aproveitar toda a energia de sua galáxia
O Tipo I da escala original descreve uma civilização capaz de aproveitar todos os recursos disponíveis em seu planeta, que, portanto, seria um pouco mais avançada que a nossa.
Já uma do Tipo II estaria ainda mais à frente, com uma sociedade capaz de aproveitar toda a energia de sua estrela — uma forma de fazer isso seria com a construção da Esfera de Dyson, conceito proposto em 1960 pelo físico e matemático Freeman Dyson. Basicamente, ele sugeria que civilizações avançadas construíssem uma estrutura ao redor de uma estrela para coletar energia dela. Até o momento, isso é impossível de fazer com os recursos dos quais dispomos.
Por fim, o Tipo III é o último proposto por Kardashev, no qual teríamos uma civilização capaz de obter energia de sua galáxia (algo cerca de 10 bilhões de vezes acima do que uma civilização do Tipo II conseguiria produzir). Esta sociedade hipotética já teria colonizado sua galáxia, extraído energia de centenas de bilhões de estrelas, já poderia viajar pelo espaço interestelar e teria até ocupado centenas de planetas.
Perceba que, quanto mais se avança na escala, mais complexos ficam os requisitos tecnológicos — uma do Tipo II, por exemplo, usaria Esferas de Dyson regularmente e poderia até conseguir extrair energia de buracos negros.
O sistema foi recebido com elogios e críticas dos cientistas. Uma das vantagens da escala é que é focada nas formas de a humanidade detectar possíveis civilizações, não necessariamente no avanço tecnológico (que não poderia ser observado por nós) delas. Por outro lado, ela já foi considerada simplista demais por levar em conta apenas um aspecto em categorias que, além de serem poucas, são também bastante amplas.
Indo além da Escala de Kardashev
Desde a década de 1960, a escala ganhou alguns tipos além daqueles propostos originalmente por Kardashev. Um deles é o Tipo 0, que descreve uma civilização que ainda não conseguiu utilizar toda a energia disponível em seu planeta e, além disso, também não conseguiu deixá-lo — e, se você pensou que este é o tipo em que a humanidade se encaixaria, acertou.
Na verdade, para sermos mais precisos, podemos dizer que a humanidade estaria no nível 0,7, porque ainda não sabemos usar totalmente todos os recursos energéticos proporcionados por nosso planeta. Mas, calma, não precisa se sentir mal: a boa notícia é que, segundo o físico teórico Michio Kaku, faltam “apenas” de um a dois séculos para chegarmos ao Tipo I.
Os outros níveis propostos para a escala incluem também aqueles pensados para sociedades ainda mais avançadas que aquelas que descrevemos acima — uma do Tipo IV, por exemplo, seria uma cultura intergaláctica capaz de viajar espaço afora, que poderia controlar a energia de um bilhão de estrelas e até usar a energia de todo universo.
Agora, imagine uma civilização que conseguiria usar a energia de universos múltiplos! Este seria o caso de uma sociedade do Tipo V, que seria tão avançada que já teria ido além do universo da qual se originou. Esta sociedade já seria capaz de migrar entre multiversos com formas variadas de matéria, física e espaço-tempo. Portanto, ela seria o lar de seres de habilidades inimagináveis, com recursos tão avançados que seriam incompreensíveis para nós.
O legado de Nikolai Kardashev
Nikolai S. Kardashev nasceu em 1932 e foi um astrofísico. Ele se graduou no Departamento de astronomia na Faculdade de Mecânica e Matemática na Universidade Estatal de Moscou em 1955, e produziu sua tese de PhD no Sternberg Astronomical Institute (SAI) sob orientação do astrônomo e astrofísico Josif Shklovsky na era do pós-guerra, famoso autor do primeiro tratado geral sobre como procurar seres tecnologicamente capazes no universo.
O conhecimento que Kardashev teve das premissas fundamentais na busca por inteligência extraterrestre (ou apenas “SETI”, na sigla em inglês) o levou a se dedicar intensamente nesta área. Um exemplo disso foi a proposição da interferometria de longa linha de base, uma técnica de radioastronomia que permite determinar com precisão a posição de origens de emissões no céu. Não demorou muito e essa maior precisão levou à descoberta das radiogaláxias e dos quasares.
Ao longo de sua vida, ele foi um dos principais praticantes da busca por formas de vida extraterrestre em um período em que esta área era muito mais um exercício de pensamento do que algo que exigia dispositivos tecnológicos. Assim, quando o assunto é SETI, uma das maiores contribuições dele foi esta escala.
Mesmo produzida há mais de 50 anos, a teoria de Kardashev ainda tem enorme relevância para a busca por vida extraterrestre. “Muitas vezes, se esquece que o que ele fez foi estimar a viabilidade técnica da comunicação interestelar”, observa Valentin Ivanov, astrônomo do European Southern Observatory (ESO), que se baseou no trabalho de Kardashev. “A classificação que ele criou foi praticamente uma consequência daquele artigo”, disse.
Além disso, há autores que consideram que a escala foi uma espécie de “guia” sobre o que esperar ao longo das buscas por seres extraterrestres, não um ensaio teórico e profundo sobre a natureza de possíveis formas de vida que, talvez, encontremos algum dia. E, enquanto os cientistas seguem discutindo as ideias de Kardashev, é certo que a escala continua funcionando no trabalho SETI. “O nome dele vai ficar”, concluiu Ivanov.
Nikolai Kardashev faleceu no dia 3 de agosto de 2019, aos 87 anos.
Fonte: Space.com, IAU, Interesting Engineering, Inverse, Futurism