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Neutrino misterioso detectado em 2019 não veio de onde os cientistas pensavam

Por| Editado por Patricia Gnipper | 13 de Outubro de 2021 às 18h49

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IceCube Neutrino Observatory
IceCube Neutrino Observatory

Em 2019, os cientistas descobriram duas coisas espantosas: um neutrino de alta energia atingiu nosso planeta e um buraco negro espaguetificou e devorou uma estrela. Os dois eventos foram observados por equipes diferentes, em instalações científicas diferentes, mas, no início de 2021, uma equipe publicou um artigo alegando que o neutrino foi produzido nesta “refeição” de buraco negro. Agora, um novo estudo contradiz essa conclusão.

A refeição lenta do buraco negro

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Foi em abril de 2019 que uma equipe de cientistas do Zwicky Transient Facility relatou a detecção de um sinal de rádio vindo do centro da galáxia 2MASX J20570298+1412165 (vamos abreviar para J20570298). Eles classificaram a emissão como um evento de interrupção de maré (ou TDE, da sigla em inglês) — nome que se dá a um fenômeno que ocorre quando um objeto se aproxima suficientemente perto de outro corpo substancialmente mais massivo.

Em um TDE, o lado do primeiro objeto que estiver mais próximo do corpo massivo experimentará maior efeito gravitacional que o lado oposto. No caso de uma estrela que se aproxima demais de um buraco negro supermassivo, o TDE será extremo, de modo que a matéria da “vítima” é dilacerada e esticada. O resultado é um processo conhecido como “espaguetificação”, no qual a matéria gira em torno do buraco negro antes de cair em seu horizonte de eventos.

Seis meses após a descoberta deste evento de TDE (que foi catalogado como AT2019dsg), pesquisadores do detector de neutrinos IceCube, na Antártida, confirmaram que um neutrino de alta energia passou pelos instrumentos das instalações. Como a descoberta do AT2019dsg já era conhecida pela comunidade científica, os cientistas compararam os dados e concluíram que o neutrino encontrado foi produzido pela espaguetificação da estrela na galáxia J20570298.

O neutrino misterioso

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Neutrinos, partículas sem carga elétrica e extremamente leves, fazem jus ao apelido de “partículas fantasmas”. É que mesmo produzidas em alguns dos eventos mais energéticos do cosmos, os neutrinos são centenas de milhares de vezes mais leves que um elétron, e quase não interagem com a matéria. Uma parede de chumbo com um ano-luz de comprimento (ou seja, 9,5 trilhões de km), por exemplo, só impediria cerca de metade dos neutrinos de atravessar até o outro lado.

Eles estão por toda a parte, atravessando nosso planeta, e passam até mesmo através de nossos corpos, o tempo todo, sem que sequer percebamos. Isso os torna extremamente difíceis de se detectar, principalmente quando vêm de algum lugar desconhecido. Felizmente, embora eles atravessem quase qualquer coisa, às vezes eles interagem sutilmente com um detector feito exclusivamente para encontrá-los, e isso pode fornecer informações valiosas sobre os lugares de onde eles vieram.

O universo tem muitas maneiras de produzir um neutrino. Eles podem ser de origem solar (produzidos no Sol), geológica (feitos abaixo da superfície terrestre), em aceleradores de partículas, reatores nucleares, supernovas e “fontes cósmicas”. Esta última categoria é a mais misteriosa, porque os astrônomos não sabem exatamente quais são os objetos e eventos que produzem “neutrinos cósmicos” — mas há bons motivos para cogitar seriamente os buracos negros.

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Esses neutrinos de origem cósmica são altamente energéticos, por isso intrigam tanto os cientistas. Na verdade, eles apresentam energia milhares de vezes superior ao neutrino mais energético produzido na Terra, por isso os cientistas não se surpreenderiam se descobrissem que essa “origem cósmica” é algum evento que ainda nem conhecemos. Desnecessário mencionar o grande valor científico de detecções dessas partículas.

A detecção no IceCube em outubro de 2019 sugeria um evento realmente poderoso, como a refeição de um buraco negro, que resulta às vezes em um jato relativístico de intensa energia. Mas será que aquele neutrino foi produzido pelo evento J20570298? De acordo com um novo estudo, publicado este mês no Astrophysical Journal, a resposta é não. O artigo é de pesquisadores do Harvard–Smithsonian Center for Astrophysics e da Northwestern University.

Voltando à “estaca zero”

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Contrariando o estudo de fevereiro deste ano (que associou o neutrino de 2019 ao evento TDE do mesmo ano), os autores do novo artigo apresentaram um grande conjunto de dados de rádio e dados do AT2019dsg. Eles passaram um bom tempo observando o evento — aliás, ele se tornou o TDE mais bem estudado até hoje — e revelaram que o sinal do rádio emitido no buraco negro atingiu o pico cerca de 200 dias após o início do evento.

Segundo a equipe, a quantidade total de energia na saída desse sinal foi equivalente à energia irradiada pelo Sol ao longo de 30 milhões de anos. Bem, isso é bastante impressionante, mas não para os neutrinos de alta energia de “fonte cósmica”. No caso deste neutrino de 2019, apenas uma fonte 1.000 vezes mais energética poderia explicar sua assinatura detectada pelo IceCube.

Isso leva os estudos da equipe do IceCube de volta ao ponto de partida, embora eles ainda tenham a possibilidade de contra-argumentar, caso possuam dados para justificar uma resposta ao novo estudo. “Em vez de uma poderosa mangueira de incêndio, vemos um vento suave”, comparou Kate Alexander, da Northwestern University, co-autora da pesquisa, ao explicar que o buraco negro não chegou nem perto de conseguir produzir neutrinos de alta energia.

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Além disso, se o buraco negro supermassivo na galáxia J20570298 pode arremessar um neutrino de alta energia até nós, “por que não avistamos neutrinos associados a supernovas a esta distância ou mais de perto?”, questionou Yvette Cendes, do Center for Astrophysics, que liderou o novo artigo. “Eles são muito mais comuns e têm as mesmas velocidades de energia”, argumentou.

Isso não é o final da história, já que ainda será necessário encontrar outras explicações para a detecção de 2019. Para Cendes, se o evento AT2019dsg produziu aquele neutrino, significa que os cientistas ainda não compreendem muito bem os buracos negros e as interrupções de maré. Ainda será possível estudar esse tipo de fenômeno por algum tempo, já que este buraco negro ainda está se alimentando.

Fonte: Phys.org, Neutrinos/UFABC