Coroas de buracos negros supermassivos podem ser fonte de "partículas fantasmas"
Por Daniele Cavalcante |
Nas profundezas do gelo antártico, estão enterrados mais de 5.000 sensores de luz, que fazem parte do Observatório IceCube, um detector de neutrinos. Em 2018, este observatório recebeu a atenção da comunidade científica de todo o mundo ao detectar uma possível origem dessas “partículas fantasmas”. Agora, um novo artigo reforça a hipótese de que elas vieram de buracos negros supermassivos em centros galácticos.
Neutrinos são um tipo de partícula subatômica elementar, ou seja, que não é composta por partes menores. Eles são semelhantes aos elétrons, exceto pelo fato de que neutrinos não têm carga elétrica e são muito menores, tendo cerca de 4 milionésimos da massa do elétron. Além disso, são altamente voláteis e quase nunca interagem com a matéria do universo. Também não são afetados por campos magnéticos.
Tudo isso torna os neutrinos extremamente difíceis de detectar. Se eles não interagem com a matéria, significa que eles simplesmente atravessam qualquer coisa - incluindo o planeta Terra. Por isso, são capazes de percorrer bilhões de anos-luz atravessando corpos celestes, sem nunca mudarem de direção. Não podemos “pegar” um neutrino, podemos apenas ver o rastro deles quando passam por nós. São como fantasmas microscópicos.
Apesar de não podermos detectá-los, eles estão em toda parte. Na verdade, estão passando por você agora mesmo - estima-se que trilhões de neutrinos passem pelo corpo de uma pessoa a cada segundo. Normalmente, eles passam pelos corpos celestes sem deixar rastros de que estiveram por lá, mas os sensores subterrâneos do IceCube, no Polo Norte, conseguiu encontrar algumas pistas da passagem dessas partículas.
Em setembro de 2017, o IceCube conseguiu, pela primeira vez, rastear um neutrino o suficiente para traçar uma possível rota, sugerindo de onde ele veio. A origem dos neutrinos ainda é um mistério, por isso os pesquisadores trabalharam nos dados do IceCube para tentar deduzir onde as partículas poderiam ter surgido. O resultado, publicado no ano seguinte, foi que os neutrinos teriam surgido em uma galáxia hiperativa com um buraco negro supermassivo no centro.
Agora, um artigo publicado na última terça-feira (30) na revista Physical Review Letters, apresentou um novo modelo capaz de ajudar a explicar o fluxo inesperadamente grande de algumas dessas partículas que apareceram nos dados recentes, junto a detecções de raios gama. Os pesquisadores da Universidade Estadual da Pensilvânia descreveram o modelo, que, assim como o estudo anterior, aponta para os buracos negros supermassivos encontrados nos núcleos de galáxias ativas como fontes de neutrinos.
Kohta Murase, professor assistente de astronomia e astrofísica da Penn State, e líder da nova pesquisa, explica que “os neutrinos cósmicos de alta energia são criados por aceleradores energéticos de raios cósmicos no universo, que podem ser objetos astrofísicos extremos, como buracos negros e estrelas de nêutrons”. Por isso, as “partículas fantasmas” acabam sendo acompanhadas por raios gama ou ondas eletromagnéticas em energias mais baixas.
Partículas estranhas e raios gama são algumas das coisas que astrofísicos chamam de “mensageiros cósmicos”. Os estudos desses elementos deram origem a um novo e crescente campo da astrofísica, chamado astrofísica multimensageira, que ajuda os cientistas a descobrirem eventos cósmicos extremos, como explosões estelares massivas e jatos de buracos negros supermassivos. Essa abordagem permite também identificar as origens distantes, e cada elemento mensageiro fornece pistas a mais sobre os detalhes dos fenômenos.
A energia dos neutrinos cósmicos é medida em TeV, ou seja, elétron-volt. Para aqueles acima de 100 TeV, as pesquisas anteriores da equipe de cientistas mostraram que é possível ter concordância com raios gama de alta energia e raios cósmicos de energia ultra alta, tudo de acordo com as regras da astrofísica multimensageira. No entanto, existem evidências crescentes de uma quantidade grande de neutrinos abaixo de 100 TeV, o que os cientistas não podem explicar com facilidade.
Uma das perguntas que os pesquisadores querem responder é: onde estão os raios gama que deveriam acompanhar esses neutrinos? Os melhores lugares para se procurar são ambientes cósmicos densos, onde os raios gama seriam bloqueados por causa da interação com radiação e matéria. Os neutrinos, diferente dos raios gama, podem escapar facilmente desse bloqueio. Assim, o novo modelo proposto pelos pesquisadores mostra que os sistemas de buracos negros supermassivos são locais mais interessantes para essa busca, e poderiam explicar os neutrinos abaixo de 100 TeV.
O novo modelo sugere que a coroa - a aura de plasma que envolve estrelas e outros corpos celestes - existente em torno de buracos negros supermassivos poderia ser uma fonte. Essa coroa dos buracos negros supostamente existe acima do disco de acreção, que se forma com o acúmulo de matéria em torno do buraco negro por causa da intensa atração gravitacional. Com uma temperatura de cerca de um bilhão de Kelvin, a coroa também seria magnetizada e turbulenta. Ali, as partículas podem ser aceleradas, o que leva a colisões que criariam os neutrinos e os raios gama.
Além disso, o modelo também prevê contrapartes eletromagnéticas das fontes de neutrinos em raios gama “suaves” em vez de raios gama de alta energia. “Os raios gama de alta energia seriam bloqueados, mas este não é o fim da história. Eles acabariam caindo para energias mais baixas e liberados como raios gama 'suaves'”, disse Murase. A maioria dos nossos detectores de raios gama não estão ajustados para detectar esse tipo com energias baixas, então acabam não sendo percebidos nas detecções dos neutrinos.
Todos esses obstáculos podem estar prestes a serem superados por projetos em desenvolvimento, como os detectores de neutrinos como o KM3Net, no Mar Mediterrâneo, e o IceCube-Gen2, na Antártica, que serão mais sensíveis. Os alvos de observação incluem a galáxia NGC 1068, uma das mais próximas e luminosas, que possui em seu centro um buraco negro supermassivo.
Fonte: Phys.org