Encontrado anel "impossível" ao redor do planeta anão Quaoar
Por Danielle Cassita • Editado por Patricia Gnipper |
Cientistas encontraram um anel ao redor de Quaoar, planeta anão localizado além da órbita de Netuno. A descoberta contou com os brasileiros Bruno Morgado, Rafael Sfair e Felipe Ribas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Estadual Paulista (Unesp) e Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), respectivamente. Os autores do estudo sugerem a revisão de uma teoria do século XIX, que descreve a formação de anéis planetários no Sistema Solar.
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Localizado no Cinturão de Kuiper, a mais de 40 unidades astronômicas da Terra (sendo que uma UA é a distância média entre a Terra e o Sol), Quaoar tem aproximadamente 1.100 km de diâmetro, parece ser rochoso e coberto por uma camada de gelo, e tem uma lua ao seu redor chamada Weywot, orbitando-o a cerca de 14.500 km.
Encontrando o anel em Quaoar
Para identificar o anel, os autores realizaram observações entre 2018 e 2021 com observatórios em solo e com o telescópio Cheops, da Agência Espacial Europeia (ESA). Eles trabalharam com a técnica da ocultação estelar, na qual o objeto passa à frente de diferentes estrelas, projetando sua sombra.
"Nós medimos essa sombra para determinar parâmetros físicos de interesse desse objeto, como seu tamanho, seu formato, entre outras", disse Morgado, o autor principal do trabalho, em entrevista ao Canaltech. "A gente percebeu que, quando o Quaoar passou na frente da estrela, ele não estava sozinho, passou na frente algo além", explicou. "Quando colocamos todas essas observações em conjunto, percebemos que se trata de um anel em torno do Quaoar", acrescentou.
O anel em questão é circular e tem uma característica interessante: ele está a 4.100 km do corpo principal. Esta distância o coloca além do chamado Limite de Roche, elaborado pelo astrônomo francês Édouard Roche, no século XIX. De forma resumida, o limite determina a distância entre dois objetos e sua estrutura enquanto um orbita o outro, ou seja, se o objeto será fragmentado pelas interações das marés gravitacionais, ou se poderá manter sua estrutura. Portanto, o Limite descreve se o objeto será um satélite natural “inteiro”, como nossa Lua, ou um anel de partículas ao redor do corpo principal, como vemos em Saturno.
Segundo a teoria, os objetos dentro do Limite acabariam fragmentados em função das marés gravitacionais, e se tornariam anéis. Os cientistas já sabem que Cáriclo e Haumea, outros planetas anões, também têm anéis próprios, mas o que torna o de Quaoar ainda mais intrigante é a distância. "Pela primeira vez, estamos vendo um anel denso fora do Limite de Roche — e esse é o grande resultado deste trabalho", explicou o cientista.
Como é o anel de Quaoar?
As observações mostraram que o anel de Quaoar extrapola os 1.780 km do Limite de Roche para este objeto. "Como resultado das nossas observações, a noção clássica de que anéis densos sobrevivem somente dentro do Limite de Roche de um corpo planetário, precisam ser extensamente revisadas", observou Giovanni Bruno, coautor do estudo. O esperado era que, como este objeto está fora do limite, ele tivesse estrutura íntegra.
"A descoberta de mais um anel em torno de um pequeno corpo nos diz que é improvável que este seja um número final, muito provavelmente temos outros anéis que ainda não foram descobertos", destacou Bruno, durante a entrevista. "Além disso, a descoberta no anel de Quaoar nos abre as questões: como esse anel existia? Por que ele está tão distante do corpo principal? Quais são os fenômenos que permitem que esse anel fique estável?", indagou.
No artigo, os pesquisadores destacam que os dados “provavelmente” indicam a necessidade de uma revisão dos conceitos da equação. “Agora teremos que aumentar nossa área de buscas e observações e propor modelos mais elaborados para explicar como um anel se mantém tão distante do corpo principal”, afirmou Ribas.
Os resultados preliminares sugerem a possibilidade de que as temperaturas frias de Quaoar impeçam, de alguma forma, que as partículas se mantenham unidas e formem um satélite natural íntegro, mas mais estudos são necessários para investigar este cenário. "Uma vez que percebemos que existem fenômenos físicos envolvidos que ainda desconhecemos, entender melhor esses fenômenos vai nos ajudar a entender melhor outros sistemas", finalizou.
Além disso, a compreensão do anel pode ajudar também no entendimento da nossa própria "vizinhança" no espaço. "Anéis em pequenos corpos podem ser mais comuns do que pensávamos e podem nos ajudar a responder questões do Sistema Solar, como a formação de luas em torno de planetas, por exemplo”, observou o professor Ribas.
O artigo com os resultados do estudo foi publicado na revista Nature.
Fonte: Nature; Agência Bori, ESA, UTFPR