Publicidade
Economize: canal oficial do CT Ofertas no WhatsApp Entrar

Como Albert Einstein destruiu Vulcano, o planeta que não existia

Por| Editado por Patricia Gnipper | 06 de Abril de 2022 às 08h49

Link copiado!

Wikimedia Commons
Wikimedia Commons

Houve uma época em que um planeta chamado Vulcano era muito mais que parte do universo fictício de uma série de televisão — sim, estamos falando de Star Trek. Durante o século XIX, muitos cientistas procuraram um mundo entre o Sol e Mercúrio, e lhe atribuíram este nome. Somente no século seguinte surgiria uma nova teoria capaz de descartar Vulcano por completo.

O nascimento de Vulcano

Quando a lei da Gravitação Universal de Isaac Newton foi estabelecida na ciência, os astrônomos passaram a utilizá-la nas observações dos planetas. Por algum tempo, isso trouxe grandes resultados, como a descoberta de Urano e Netuno, mas também causou um problema com a órbita de Mercúrio.

Continua após a publicidade

Naquela época, conhecíamos apenas os planetas observáveis a olho nu — Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno. Com o telescópio adaptado de Galileu Galilei, foram descobertas as luas galileanas de Júpiter e alguns asteroides, mas o trabalho de Newton começou uma revolução nos estudos do Sistema Solar.

De acordo com a Gravitação Universal, as relações entre os corpos celestes poderiam ser descritas com interações matemáticas, o que “abriu as portas” para os astrônomos realizarem previsões sobre as órbitas dos planetas, cometas e outros objetos, usando fórmulas bem definidas.

Foi devido a essas observações e cálculos que os cientistas descobriram que alguma coisa estava faltando — ou alguma coisa estava errada com as leis de Newton. Assim, ao inferir que algum objeto estava influenciando gravitacionalmente os cinco planetas observáveis, eles acabaram descobrindo Urano e Netuno.

Essas descobertas foram cruciais para dar ainda mais crédito às fórmulas da Gravitação Universal. Também tornaram outros nomes famosos, entre eles o do astrônomo francês Urbain Le Verrier, que recebeu o crédito por descobrir a posição de Netuno. Johann Galle, do Observatório de Berlim, também ganhou destaque por confirmar visualmente a descoberta visual usando um telescópio.

Continua após a publicidade

Neste contexto, entra o planeta Vulcano. Com a mesma técnica matemática utilizada na descoberta da posição de Netuno, Le Verrier tentou explicar outro fenômeno que incomodava os astrônomos: a perturbação na órbita de Mercúrio. Com as fórmulas de Newton, apenas um pequeno planeta entre o Sol e Mercúrio poderia explicar esse comportamento até então considerado bizarro.

A busca pelo planeta Vulcano

Vulcano se tornou uma hipótese popular e muitos astrônomos até relataram ter encontrado o objeto inexistente. Em parte, isso é compreensível, já que a ideia desse pequeno objeto dentro da órbita de Mercúrio não só fazia sentido, mas era necessária, considerando a Gravitação Universal.

A primeira dessas observações veio de um astrônomo amador francês chamado Edmond Modeste Lescarbault em 1859. Ele tinha um observatório improvisado em um celeiro em seu quintal, onde viu o que parecia ser um pequeno planeta redondo transitando pelo Sol.

Continua após a publicidade

Registrando a notável descoberta, Lescarbault enviou seus dados para Le Verrier, então diretor do Observatório de Paris e conhecido como uma das maiores — senão maior — autoridades sobre o Sistema Solar — depois de ler um artigo de Le Verrier sobre o problema da órbita de Mercúrio.

Foi em uma festa de Ano Novo que Le Verrier recebeu a carta e viajou até a casa de Lescarbault. Lá, ficou convencido de que Lescarbault realmente viu o que ele afirma ter visto e que a interpretação correta é que se tratava do trânsito de um planeta. Não está claro quem o nomeou primeiro, mas rapidamente ficou conhecido como Vulcano.

A combinação da reputação de Le Verrier e vários relatos populares de "avistamentos" do planeta inexistente convenceu quase todos que não apenas Vulcano era um planeta real, mas que também havia sido confirmado por observação. O The New York Times, inclusive, o mencionou como uma das grandes descobertas do século.

Continua após a publicidade

Essa notícia foi tão empolgante que se tornou uma verdadeira “Vulcanomania”. Hoje, a história mal é lembrada pela história da ciência. Einstein forneceu corretamente a tabela de Mercúrio, descrevendo com precisão como ele se move ao redor do Sol, e ficou tão animado que não pôde trabalhar por três dias.

A partir dos dados de Lescarbault, Le Verrier calculou uma órbita aproximadamente circular para o planeta e estimou uma distância entre Vulcano e o Sol de 13 milhões de milhas. Isso colocaria Vulcano pouco menos da metade da distância do Sol como a maior aproximação de Mercúrio. O período orbital seria de 19 dias e 18 horas.

Destruindo Vulcano

Continua após a publicidade

Albert Einstein estava preparando o terceiro dos quatro trabalhos que entregaria à academia prussiana. Ali, ele fez um cálculo para saber o que sua teoria da Relatividade Geral prevê para a órbita de Mercúrio.

Destruir Vulcano era não apenas uma consequência da Relatividade Geral, mas também uma necessidade. É que, ao contrário da Gravitação Universal de Newton, a teoria de Einstein não apresentava nenhuma necessidade de existir um planeta como Vulcano para explicar a órbita de Mercúrio.

Se suas ideias estivessem corretas, Einstein simplesmente poderia encerrar as buscas por Vulcano e concluir que a Relatividade Geral transcendia a Gravitação Universal. Então, era importante colocar um ponto final naquela história, de uma vez por todas.

Dessa forma, ele conseguiu mostrar que a estranha órbita de Mercúrio era explicada calculando a curvatura do espaço-tempo ao redor da massa do Sol. Essa é a principal diferença entre as teorias de Einstein e Newton: a gravidade deixa de ser uma força e passa a ser uma curva do espaço-tempo.

Continua após a publicidade

Quando Eddington e Cottingham estiveram em Sobral, Brasil, fotografaram as estrelas ao redor do Sol durante o eclipse total. Eles registraram algumas das estrelas do aglomerado aberto Hyades, na constelação de Touro, e mostraram que elas estavam na posição prevista pela Teoria da Relatividade Geral. A consequência é a refutação da existência de outro planeta.

Viés científico

Essa é uma das diversas histórias que servem para lembrar os cientistas de que nenhum deles está isento do viés de confirmação — uma auto-ilusão que ocorre quando pesquisadores querem encontrar um resultado específico, só porque acreditam naquilo.

Continua após a publicidade

Le Verrier queria tanto encontrar Vulcano que aceitou as narrativas de quem afirmou te-lo observado (até porque não havia muitos motivos para recusá-las). Ao longo de sua vida, Le Verrier fez várias tentativas de prever um trânsito de Vulcano antes de sua morte em 1877, mas nenhuma se concretizou.

Era difícil aceitar que as leis de Newton estavam incompletas, até porque, para afirmar isso, seria necessário propor novas teorias que funcionassem com todas as observações já feitas. Einstein se encarregou dessa missão e a cumpriu com louvou.

A auto-ilusão de um cientista acontece pelo fenômeno de viés confirmatório ou de tendência de confirmação — a ação de se lembrar, interpretar ou pesquisar por informações de maneira a confirmar crenças ou hipóteses iniciais. É uma tendência do nosso cérebro buscar informações que confirmem o que já acreditamos.

Continua após a publicidade

Assim, já temos uma conclusão preconcebida e, então, buscamos informações que sirvam de respaldo para essa crença. Isso não é feito de forma consciente, é do comportamento humano, segundo Eduarda Espindola, mestra em informação e ciência de dados pela UC Berkeley School of Information.

Hoje, os astrônomos debatem sobre a existência de outro suposto planeta no Sistema Solar. De acordo com cálculos das órbitas de objetos transnetunianos (após a órbita de Netuno), deveria haver um planeta desconhecido — apelidado de Planeta 9 — exercendo influência gravitacional naquela região.

Nenhum Planeta 9 foi encontrado até hoje, sequer temos evidências reais sobre a existência dele. Ainda assim, nada, nem mesmo a relatividade geral, parece explicar corretamente as órbitas observadas. Será que encontraremos algum objeto nos próximos anos? Ou o Planeta 9 um dia fará companhia a Vulcano nas páginas de rodapé da história da astronomia?

Ainda é cedo para dizer, mas os maiores esforços em busca do Planeta 9 não obtiveram resultados positivos. Os estudos devem continuar, mas, dessa vez, não há tantos fatores a favor deste planeta quanto Vulcano teve a seu favor no século XIX. Só nos resta esperar até uma resposta final, que pode vir por meio dos instrumentos astronômicos de próxima geração.

Continua após a publicidade

Fonte: Starts With a BangInteresting Engineering, National Geographic