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A Via Láctea está "engolindo" um aglomerado globular de estrelas

Por| 21 de Outubro de 2020 às 08h00

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Gilles Chapdelaine
Gilles Chapdelaine

Aglomerados globulares são um grupo de estrelas atraídas entre si que acabam formando uma esfera brilhante. O M92 é um ótimo exemplo disso: uma bola quase esférica visível no céu noturno a olho nu, em condições climáticas e de iluminação adequadas. É um dos vários objetos que orbitam a Via Láctea, mas seu destino parece ter sido decretado: ser devorado pela nossa galáxia.

Acontece que um grupo de astrônomos descobriu que algumas estrelas do M92 estão se separando do aglomerado. Os objetos que ficam à frente e atrás do globo está se “soltando” do poder gravitacional de sua “família”. O motivo? Estão sofrendo influência da gravidade da Via Láctea, que atrai essas estrelas para si, como se as estivesse "engolindo".

Em outras palavras, enquanto o aglomerado orbita a Via Láctea — a maior das proximidades e, portanto, com grande poder gravitacional — algumas estrelas do grupo são atraídas pelo puxão da gravidade dela. A nossa galáxia é capaz de engolir outras galáxias menores, mas no caso do M92, isso é um tanto inesperado. É que o aglomerado tem cerca de 11 bilhões de anos, mas sofreu este efeito há pouco tempo. É possível que algo aconteceu recentemente (nos últimos milhões de anos) para mudar as coisas por lá.

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Dizendo em termos mais precisos, os cientistas encontraram fluxos de estrelas na frente e atrás do M92. Basicamente, à medida que o aglomerado se aproxima de um objeto maior, as estrelas em suas bordas externas sentem mais gravidade deste objeto do que as estrelas mais internas. Então, as mais afetadas são arrancadas — em um processo bastante longo e difícil de notar em seus momentos iniciais. O resultado é uma massa fina de estrelas espalhada pelo céu perto do aglomerado.

Por ser um processo difícil de detectar, os fluxos passaram desapercebidos pelos astrônomos em todos esses séculos. Mas atualmente, as pesquisas e observações de bilhões de estrelas com instrumentos de alta resolução facilitaram a tarefa. No caso, foi utilizado os telescópios Canada-France-Hawaii e Pan-STARRS, que foram capazes de investigar uma área do céu ao redor do aglomerado M92.

Os pesquisadores procuraram estrelas com cores que combinassem com as cores do aglomerado, o que ajudou a determinar quais tinham a mesma idade do M92. Eles também procuraram por estrelas mais ou menos à mesma distância do aglomerado, já que o fluxo teria aproximadamente essa distância, se afastando da “família” globular. De acordo com os resultados, o número total de estrelas encontradas diz que o fluxo (ou seja, as estrelas que “escaparam”) tem cerca de 30.000 vezes a massa do Sol, que é cerca de 10% de todas as estrelas do aglomerado neste momento.

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Com uma lista das estrelas “fugitivas” em mãos, os cientistas recorreram ao Gaia, um telescópio espacial que faz um trabalho incrível ao mapear a Via Láctea, medindo as posições, cor, distância, movimento de mais de um bilhão de estrelas. Com os dados do Gaia, a equipe foi capaz de rastrear a órbita do aglomerado em retrospectiva, voltando no tempo, e assim eles descobriram que o M92 passa pela protuberância galáctica — uma esfera de estrelas que fica ao redor do centro da Via Láctea. Ele também passa direto pela barra da nossa galáxia, que é uma estrutura alongada que atravessa o centro da galáxia. Por fim, foi possível também ver o próprio movimento do fluxo que acompanhava á órbita do aglomerado, mesmo se afastando dele.

Assim, eles calcularam a distância e a velocidade das estrelas fugitivas e concluíram que algumas delas foram arrancadas do aglomerado há cerca de 500 milhões de anos, e a maioria há menos tempo ainda, nos últimos 300 milhões de anos. Embora seja um tempo inimaginável para nós, humanos, é um piscar de olhos para o aglomerado de 11 bilhões de anos. É muito provável que o M92 mudou de órbita recentemente, pois se ele passasse sempre pelo centro galáctico da Via Láctea, como está fazendo agora, o globo de estrelas já teria se desfeito por completo.

Os cientistas cogitam que essa última passagem pelo centro da nossa galáxia tenha alterado a órbita do M92. Isso é muito provável, já que o centro de uma galáxia é complexo, cheio de estrelas e objetos massivos, capazes de influenciar a trajetória de qualquer coisa menor que passe por ali. Os astrônomos querem procurar mais estrelas que façam parte do aglomerado e, talvez, encontrar outras que se distanciaram ainda mais das que já foram detectadas.

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Esse trabalho será de grande importância para entendermos melhor como nossa galáxia funciona. Acompanhar a trajetória desses globulares poderá dar muitas pistas sobre o passado e o futuro da Via Láctea e como ela interage com os objetos menores que a orbitam.

Fonte: Bad Astronomy