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Crítica The Chair | Quando a corrida não possui linha de chegada

Por  • Editado por Jones Oliveira | 

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"Você estaria me perguntando isso se eu fosse um homem?", indaga Sandra Oh no início do quinto episódio de The Chair, a mais nova série da Netflix estrelada pela atriz que já fez sucesso em Grey's Anatomy e Killing Eve. Apesar de se tratar de uma cena específica com problemáticas pontuais, esse questionamento da personagem é o que dá o pontapé inicial no roteiro da produção e constrói toda uma trama: se ela fosse um homem, estaria enfrentando tudo o que passou até agora?

The Chair, apesar de ter o feminismo em suas raízes, não é uma série que levanta essa bandeira para sua campanha promocional. Desde os primeiros materiais revelados, esses elementos foram inseridos de forma cautelosa, desde mínimos detalhes da sinopse ao trailer com a faixa Racist, Sexist Boy, da banda punk adolescente The Linda Lindas — justamente para que o choque viesse no desenvolvimento dos episódios.

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Sandra Oh aqui dá vida à profissional Ji-Yoon, uma professora com pouco mais de 40 anos que acaba de ocupar um dos lugares mais importantes do Departamento de Inglês da Universidade de Pembroke: a chefia. A partir dessa premissa, seria muito fácil para The Chair seguir numa trama sem grandes acontecimentos, apenas se apoiando no simples fato de que "oferece diversidade" em seu elenco — no entanto, a série traz eventos muito específicos, mas que acabam ressoando como uma bomba em todas as mulheres do mundo.

Que a inserção e a reprodução social de mulheres não-brancas é diferente, isso é fato — e em The Chair as diretoras Amanda Peet e Annie Wyman buscam trazer o peso que é carregar esse fardo desde que entram no mundo. É muito além de Ji-Yoon ser uma mulher asiática ocupando um cargo de poder numa universidade majoritariamente masculina e branca: Peet e Wyman aqui buscam colocar o dedo na ferida em acontecimentos contundentes, embora sejam passados de forma discreta, mas que quando acumulados são capazes de fazer o público sentir-se tão exausto quanto a protagonista.

Sandra Oh está impecável no papel e muito disso se dá pela identificação com a personagem. Estrela de Grey's Anatomy, a atriz já foi alvo de comentários sobre sua aparência mesmo nos primeiros dias vivendo a Dra. Cristina Yang, mas cujo trabalho até aqui se acumula e explora muito além da vida profissional da protagonista, trazendo também as dificuldades do dupla e terceira jornada de trabalho de uma mulher: o trabalho doméstico e a maternidade.

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Parece arriscado trazer tantas camadas para uma personagem numa trama que contém apenas seis episódios, mas é justamente pela capacidade de Ji-Yoon lidar com tudo aquilo que lhe é imposto desde sua criação que Peet e Wyman conseguem explorar tantas pautas do feminismo de forma clara, objetiva e propondo reflexão. "Sinto que alguém me deu uma bomba-relógio porque queriam uma mulher segurando quando explodisse", desabafa a protagonista no quarto episódio, consolidando sua frustração desde os primeiros minutos da série, como uma cereja no topo.

Centralizando em três mulheres (sobretudo na personagem de Oh), The Chair mostra como o dia a dia feminino pode ser tumultuado e exaustivo. Acostumadas a terem suas capacidades questionadas a todo minuto, Ji-Yoon, Yaz McKay (Nana Mensah) e Joan Hambling (Holland Taylor), as três de diferentes etnias, mostram como a cor de suas peles impacta diretamente em sua reprodução social dentro de um mundo patriarcal, ao mesmo tempo que todas se encontram no mesmo barco quando quem está no topo é um homem branco.

The Chair é sobre o cansaço de mulheres cujas credibilidades se zeram a partir do momento em que deitam a cabeça no travesseiro, e na manhã seguinte a caçada é tão difícil quanto; é sobre a exaustão de lidar com algo que foi imposto desde o início, sem o poder de escolha: salários, atividades domésticas, maternidade compulsória, aparência, sexo e escalas sociais; é sobre ter suas decisões, pensamentos e convicções questionados diariamente e não ter um minuto sequer para desabar porque o mundo lá fora a aguarda para carregá-lo nas costas em menos de 24 horas.

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É um soco no estômago, e dói por ser tão próximo. Apesar do intuito de ser uma alternativa de entretenimento, o gosto de The Chair é amargo e difícil de ser digerido; porque na realidade, as mulheres sabem que a batalha não acaba no último minuto do episódio final.

The Chair está disponível na Netflix.