Reabertura dos cinemas: será que está na hora? O Canaltech conferiu de perto
Por Beatriz Vaccari |
Em colaboração com Fidel Forato
No início de 2020, o mundo se viu diante de uma pandemia que obrigou diversos setores do mercado a recorrerem a alternativas para cumprir as recomendações da OMS de segurança e higiene contra a proliferação do novo coronavírus. O período, que exigiu medidas de distanciamento social, impactou drasticamente a indústria de entretenimento, fazendo os estúdios paralisarem as filmagens de séries e filmes e adiarem estreias de filmes muito aguardados. Com todo mundo em casa, as bilheterias dos Estados Unidos registraram os números mais baixos dos últimos 20 anos, enquanto no Brasil mais de 500 salas fecharam as portas e as redes de cinema não receberam nenhuma estreia pela primeira vez na história do país.
Mas a grande questão é: quando e como os cinemas vão voltar? No Brasil, um levantamento realizado pela Agência Nacinal do Cinema (Ancine) registrou uma queda de 70% na bilheteria nacional se comparado ao mesmo período de 2019. Mesmo que não seja possível recuperar esse dado, as redes já estão se preparando para reabrir as salas e tentar reverter esse quadro tão negativo seguindo todas as recomendações de segurança e higiene da OMS. O Canaltech foi convidado a fazer uma visita guiada para conferir tudo o que vai mudar neste primeiro momento para que o público volte a frequentar as salas e conferir os tão aguardados filmes nas telonas. Além disso, conversamos com exclusividade com o Presidente do Sindicato das Empresas Exibidoras Cinematográficas de São Paulo (SEECESP), Paulo Lui, para detalhar como tudo isso vai funcionar e responder à pergunta: está mesmo na hora de voltar aos cinemas?
Protocolo de reabertura
Por enquanto, as redes de cinema estão autorizadas a trabalharem com apenas 40% da ocupação. É o que determinam os protocolos oficiais das autoridades públicas. Ou seja, numa sala com 100 lugares, apenas 40 estarão disponíveis para serem ocupados. De acordo com Paulo Lui, tanto as redes quanto o sindicato estão aguardando a data de liberação para que todos estejam prontos e possam atender ao público de acordo com essas medidas definidas por especialistas sanitários e de saúde.
E como funciona essa burocracia de liberação e medidas de segurança e higiene para o público? Lui comenta que, a princípio, foi levada às autoridades a jornada do espectador dentro do cinema. "Levamos [em consideração] algumas experiências internacionais (França, Espanha, Coreia do Sul, México e alguns lugares dos Estados Unidos), onde alguns associados atuam, e como eles construíram esses protocolos". Esses documentos então foram levados às prefeituras, que têm a competência legal para fazer seus próprios protocolos ou ratificar o do Estado. "Foram 4 ou 5 meses de muito trabalho ajudando as autoridades na construção desse protocolo", comenta o presidente do SEETCESP à reportagem do Canaltech.
No estado de São Paulo, a abertura dos estabelecimentos está dividido em fases, cada uma representada por uma cor: vermelha, laranja, amarela, verde e azul. Sendo a fase vermelha a liberação apenas das atividades consideradas essenciais e a azul a retomada da economia dentro do chamado “novo normal”. Os cinemas estão classificados no fim da fase amarela, que exige o funcionamento dos comércios com capacidade limitada a 40%, horário reduzido para seis horas seguidas e adoção dos protocolos padrão e setoriais específicos. "Outros estados seguiram mais ou menos isso; foram as autoridades que definiram essas cores. Então, a partir desses protocolos, a gente começa a funcionar dependendo da fase que estamos", explicou Lui.
Compra de Ingressos
Os clientes de cada rede de cinema terão mais de um canal de compra de ingressos, porém a alternativa de adquirir as entradas online, seja pelo celular ou pelo computador, será a mais estimulada para que os clientes não precisem pegar filas ou entrar em contato com notas de dinheiro, máquinas de cartão de crédito ou teclados de totens digitais. "Sempre tem aquela pessoa que está passeando no shopping e decide ir ao cinema naquele momento", lembra Lui, referindo-se às máquinas de autoatendimento e bilheterias. "Haverá distanciamentos maiores entre eles e álcool em gel para higienizar as mãos antes de utilizar o totem. Os funcionários também estarão por ali para fazer a higienização, do mesmo jeito que está acontecendo nos comércios que já reabriram", conta.
Na unidade do Cinépolis do JK Iguatemi, em São Paulo, o Canaltech observou que há adesivos no chão sugerindo o distanciamento de pessoas nas filas e a disponibilização de álcool em gel perto do local.
Hall do cinema
De acordo com um estudo realizado pelo Instituto Nacional de Saúde da Universidade de Princeton, na Califórnia, os vestígios do novo coronavírus permanecem até 24 horas em papelão. Com base nessa informação, uma das medidas é não colocar cartazes de filmes feitos em papelão no hall dos cinemas. Por isso, a visão do espectador, pelo menos neste primeiro momento, será de um local mais "clean", um movimento que Lui julga necessário para garantir a segurança do público. "É mais um local de contato que a pessoa pode colocar a mão. Então quanto mais locais de contato evitarmos, melhor", contou referindo-se aos banners frequentemente utilizados pelas pessoas para tirarem fotos ao lado de seus personagens e filmes favoritos.
Além disso, quem comprar seu ingresso não poderá esperar aqueles famosos "dez minutinhos" antes da sessão começar nos sofás e cadeiras que ficam do lado de fora das salas. "Como vamos trabalhar com uma ocupação limitada, não teremos um movimento muito grande. As salas não estarão cheias. Os cinemas que tiverem um hall maior, as pessoas obedecerão às marcações no chão, e quando o hall for menor, elas esperarão no corredor ou do lado de fora do cinema", explicou o presidente do SEECESP. Na unidade do Cinépolis do JK Iguatemi, há uma sinalização que proíbe os clientes de se sentarem nos sofás e poltronas do espaço. Dessa forma, não haverá quase nenhum contato entre os espectadores da sessão.
Bomboniere
As filas para a compra de pipoca, refrigerante e doces seguirá a mesma linha da fila para compra de ingressos. No chão, os adesivos sinalizarão a distância que as pessoas devem respeitar entre elas. "Cada empresa em particular decide qual a proteção que vai adotar. Há empresas que optaram por colocar a barra física de acrílico entre o atendente e o cliente (foto), há empresas que vão disponibilizar os face shields para os funcionários para garantior essa proteção", explica Lui referindo-se ao atendimento e pagamento dos itens comprados na bomboniere de cada cinema.
Banheiros
No Cinépolis do JK Iguatemi, os banheiros estão com um lavatório de distância entre o outro na área das pias, além de cartazes com recomendações para a higienização das mãos e bloqueios nos sofás e poltronas. A higienização também está mais rigorosa.
Dentro da sala
Assim como do lado de fora, as fileiras de assentos terão sinalizações para as pessoas ficarem distantes umas das outras. Além disso, ao comprar seu ingresso, o sistema automaticamente bloqueia os assentos da esquerda, direita, a frente e atrás para que não haja aglomeração dentro das salas de cinema. "No caso de famílias, será possível que ela sente junta e ainda tenha uma distância de duas poltronas de cada lado", explica o presidente do sindicato. "O próprio sistema faz esse bloqueio, então é garantido que você vai sentar no seu lugar e não haverá pessoas ao seu redor além dos seus familiares."
O uso de máscaras dentro das salas continuará sendo obrigatório, a não ser nos momentos em que o espectador esteja consumindo alguma bebida ou alimento. Sobre isso, o Presidente do SEECESP garante a segurança do público, mesmo já tendo comprovado que gotículas de saliva de pessoas infectadas podem ficar no ar por 14 minutos. "O lugar mais seguro para se comer é no cinema, quando a pessoa come no cinema, ela não conversa com outras pessoas, além de ficar olhando apenas para uma direção", explica. "[As pessoas] costumam consumir rápido seus alimentos e bebidas no cinema, isso a gente já notou, a pipoca acaba nos trailers".
Sobre a higienização das salas, Lui conta que o intervalo entre uma sessão e outra será maior e a faxina, que já acontecia nesse tempo antes do período de pandemia mundial, será mais intensa e rigorosa. "Entraremos com o material sanitizante. Cada empresa vai optar como fará isso, quais produtos usar e como isso vai funcionar", completa.
Além disso, uma das principais preocupações do público para esse retorno é permanecer nas salas, que são locais fechados. Sobre isso, o representante das Empresas Exibidoras Cinematográficas explica que todo cinema, por lei e por normas sanitárias determinadas pela Anvisa e pelo Ministério da Saúde, têm de ter sistemas de ar condicionado com renovação total do ar.
"É um insuflador e um aspirador, um joga o ar frio da atmosfera filtrado e o outro suga o ar quente. Nesse sistema, você sempre estará respirando ar limpo", explica, garantindo que essas normas já existiam antes do surto de COVID-19 e valem para outros tipos de estabelecimentos, como hospitais, escritórios, restaurantes, entre outros. A manutenção dos aparelhos também é feita seguindo o Plano de Manutenção, Operação e Controle (PMOC), com a limpeza e troca do filtro, serpentina e demais ferramentas sendo realizadas nas datas corretas.
A saída das sessões será organizada e acompanhada por um funcionário do cinema, que orientará os espectadores a manterem a distância mínima uns dos outros e deixarem a sala aos poucos.
Horário de funcionamento, previsão de reabertura e programação
De acordo com o presidente do SEECESP, as redes de cinema estão aguardando a liberação oficial das autoridades de cada prefeitura: "Manaus já está autorizada a reabertura, parece que no Rio de Janeiro a partir do dia 3 de setembro. Em São Paulo, estamos discutindo uma finalização do protocolo para a liberação do funcionamento, que deve acontecer em setembro". A expectativa é de que até o final de setembro ou início de outubro todas as regiões do Brasil estejam com 100% dos cinemas abertos.
Quanto aos horários de funcionamento, também é algo que depende dos protocolos de cada cidade: "Num primeiro momento o protocolo falava de seis horas, porém os shoppings já estão autorizados a abrirem oito horas por dia, então pode ser que os cinemas fiquem autorizados a funcionar por esse período também". Mas ainda há uma dúvida sob discussão com as autoridades locais: "Estamos vendo se última sessão da programação pode ser iniciada no horário em que os shoppings fecham, vamos supor, se o shopping funciona das 15h às 21h se a última sessão pode começar às 21h".
E quando tudo estiver definido e os cinemas prestes a reabrirem, o que esperar da programação? Grandes estreias? Não é bem assim. O Canaltech conversou com Adriana Cacace, diretora-geral da FLIX Media e uma das líderes do movimento #JuntospeloCinema, que falou sobre o Festival de Volta para o Cinema. A iniciativa foi pensada justamente para atrair o público que procuraria naturalmente o cinema num cenário em que o mundo já estivesse de volta ao normal. Com algumas cidades ainda sem dar um retorno sobre a reabertura, ela conta que "o festival acontecerá sempre a partir da primeira semana do cinema aberto, conforme as salas forem autorizadas a funcionar".
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De acordo com o site oficial do festival, a programação estará disponível a partir do dia 3 de setembro em cinemas já liberados pelas autoridades locais com ingressos a preços populares, entre R$ 5 e R$ 20. A iniciativa exibirá clássicos da cultura pop nas telonas, como E.T. - O Extraterreste (1982), Matrix (1999), Os Caça-Fantasmas (1984), Tubarão (1975) entre outros.
O que dizem os profissionais da saúde
Mesmo que a expectativa para a reabertura dos cinemas seja grande, ainda mais para os aficionados pela sétima arte, a epidemia da COVID-19 por aqui ainda não acabou e os casos de coronavírus crescem no Brasil. “Para a reabertura, são duas questões principais: a primeira é quando poderia reabrir, a partir de níveis baixos de transmissão, o que ainda não temos. A segunda, quando reabrir, quais serão os protocolos [autorizados pelas prefeituras]”, levanta Ana Freitas Ribeiro, médica sanitarista do Instituto de Infectologia Emílio Ribas e professora da Faculdade de Medicina da USCS, em entrevista ao Canaltech.
A preocupação com a reabertura de locais fechados e, naturalmente, com baixa circulação de ar, é o comportamento do novo coronavírus para infectar humanos. “Não é possível evitar transmissão dentro no cinema, onde o risco é alto, por causa da pouca ventilação e a dinâmica da transmissão da doença”, aponta Ribeiro. Nesse cenário, outro fator de risco é a liberação do consumo de bebidas e alimentos durante a sessão, quando os espectadores poderão retirar a máscara, segundo o protocolo informado pelo sindicato, mas ainda não oficializado.
“O coronavírus pode ser transmitido por gotículas e, eventualmente, por aerossol, mesmo em casos assintomáticos, pré-sintomáticos e sintomáticos, a partir de tosse, espirro ou fala, além da transmissão pelo contato com superfícies contaminadas”, lembra a epidemiologista sobre os riscos de contágio que só aumentam quando não se utilizam máscaras.
“Para reabertura dos cinemas, é preciso que haja evidência de baixa transmissão comunitária, o que não ocorre, neste momento, na cidade de São Paulo”, esclarece a professora. Para cada localidade será preciso avaliar a respectiva taxa de transmissão, afinal o Brasil é um país heterogêneo e a COVID-19 afeta as regiões de formas bastante diferentes. Além disso, os estabelecimentos deverão contar com pessoas para fiscalizar o respeito a essas normas, como o uso de álcool em gel e de máscaras, por exemplo. Afinal, são medidas importantes para a saúde, mesmo nos momentos de descontração.
Com informações de: Ancine, Governo do Estado de São Paulo, Festival de Volta para o Cinema