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Duna: Humanos conseguiriam viver em Arrakis?

Por| Editado por Jones Oliveira | 30 de Novembro de 2021 às 22h00

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Warner Bros.
Warner Bros.

A chegada do novo Duna aos cinemas e ao streaming apresentou a uma nova legião de fãs o mundo fantástico criado por Frank Herbert. E um dos pontos que mais chama a atenção na obra é o quão crível é esse fundo fantástico no qual um planeta desértico detém recursos que são fundamentais para a manutenção de toda a sociedade daquela galáxia. E enquanto é fácil traçar paralelos desse contexto com o nosso mundo, o inverso também é verdadeiro? Afinal, os humanos poderiam viver em um local tão inóspito quanto Arrakis?

Tanto no livro quanto no filme, Duna é descrita como um planeta em que é praticamente impossível sobreviver. Embora as areias sejam tomadas pela valiosa especiaria que move esse mundo, as altas temperaturas do deserto fazem com que até mesmo os Fremen, o povo que habita essa região do universo, tenha que se adaptar para resistir ao calor. Isso sem falar da escassez de água, que força as pessoas a reaproveitarem a umidade do próprio corpo.

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Diante disso tudo, é natural que a gente duvide que um ser humano seria capaz de resistir em um local tão inóspito quanto esse. Contudo, o fato de Herbert ainda se apegar muito a questões científicas na hora de construir esse mundo de fantasia faz a gente se questionar sobre isso — ainda mais quando lembramos que, em Duna, ainda estamos falando de humanos, mesmo que a muitos séculos no futuro.

A ciência analisa Duna

Por isso, alguns cientistas decidiram explorar melhor as descrições de Arrakis presentes tanto no livro original quanto nos filmes para imaginar se a humanidade seria capaz de resistir a essas condições. Pesquisadores da Universidade de Bristol e da Universidade de Sheffield confrontaram essas informações com modelos climáticos e meteorológicos usados na Terra para estabelecer alguns parâmetros e imaginar como seria viver no planeta de Duna.

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A ideia, segundo eles, é entender o funcionamento daquele lugar a partir das leis da Física que a gente conhece, supondo que o universo descrito na franquia segue as mesmas regras que o nosso mundo. Assim, a partir dos modelos que a gente usa por aqui, eles foram capazes de entender desde a força da luz solar sobre a areia até a composição da atmosfera — tudo isso para saber se os humanos poderiam viver lá ou não.

E os resultados foram bem curiosos. Ainda que seja necessário uma boa dose de suspensão de descrença, a análise apontou que Arrakis poderia ser habitável, embora o caráter inóspito pudesse matar boa parte da população mais incauta. Ainda assim, isso mostra o quanto uma cultura adaptada como a dos Fremen é algo bastante crível.

Mas o que leva a crer isso? Primeiramente, o que os pesquisadores fizeram foi estabelecer como seria o planeta, entendendo toda a composição geológica e atmosférica de Duna. Levando em conta as descrições do livro, que falaram muito sobre a topografia do planeta e de sua órbita circular para entender como o clima funciona e, a partir disso, identificaram algumas semelhanças com a Terra.

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Exemplo disso é a quantidade reduzida de dióxido de carbono na atmosfera, o que já é um grande indicativo de que o ar pode ser respirável. Por outro lado, a concentração de ozônio em Arrakis é bem maior do que em nosso planeta — o que justifica muito o calor infernal de lá. Enquanto a taxa na Terra fica em torno de 0,000001%, o planeta de Duna tem 0,5%. E isso é importante porque o ozônio é 65 vezes mais eficiente na hora de aquecer a atmosfera que o gás carbônico, o que ajuda a entender porque a superfície é tão quente.

Variações de temperatura

Dessa forma, segundo os modelos apresentados pelos pesquisadores, a lógica climática de Arrakis seguiria os mesmos padrões terráqueos. Isso faria com que as regiões próximas aos trópicos apresentem uma variação de temperatura não tão drástica assim, o que faria ser completamente possível sobreviver nessas áreas. De acordo com os cientistas, os meses nas regiões tropicais de Arrakis teriam termômetros chegando aos 45º C e, nos mais gelados, não muito abaixo dos 15° C. Em outras palavras, é quase como se o planeta dos Fremen fosse vizinho de Cuiabá/MT.

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Em compensação, o clima se torna bem mais inóspito à medida que se caminha para os pólos. Nessas áreas — que, seguindo a lógica da Terra, estaria na altura dos Estados Unidos e da Europa —, Duna realmente traria temperaturas extremas, com o verão chegando aos 70º C e com invernos que variam de -40º C a -75º C.

E antes que você se pergunte porque a região equatorial é a mais fresca se, em tese, ela é a mais exposta ao sol, os pesquisadores apontam que o modelo adotado para estudar Arrakis aponta que essa variação acontece porque as regiões polares do planeta são mais úmidas e com mais nuvens, o que cria o efeito estufa que intensifica as temperaturas extremas.

Diferenças com o livro

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O curioso é que algumas dessas descobertas contrariam aquilo que o próprio Herbert descreveu em seus livros. Exemplo disso é essa própria disposição climática em que, segundo ele, as cidades mais próximas dos pólos de Arrakis são muito mais amenas e habitáveis.

Outro ponto é a famosa seca do planeta. Tanto na obra original quanto no filme, a falta de água é um ponto crucial na lógica de Duna e toda a cultura dos Fremen gira em torno dessa aridez — não por acaso, cuspir é uma forma de demonstrar respeito, uma vez que você está oferecendo a sua umidade a alguém. Contudo, o que as pesquisas científicas apontam é que as coisas não são tão desérticas quanto nos foi vendido.

Isso porque Arrakis teria condições de formar chuva, ainda que em pouca quantidade e em regiões e épocas bem específicas. De acordo com o modelo climatológico aplicado, Duna teria precipitações acontecendo nas regiões temperadas — ou seja, nas maiores latitudes — nos períodos equivalentes ao verão e outono e somente em regiões de maior altitude, como montanhas e planaltos. Nos pólos, não seriam raras as formações de nuvem.

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E enquanto o livro chega a citar a existência de calotas polares formadas por gelo em Arrakis, a análise científica aponta que isso seria muito pouco provável justamente pela grande variação térmica em todo o planeta. Com temperaturas indo de 45º C nas áreas mais amenas e 70º C nas mais extremas, não há gelo capaz de resistir.

Como sobreviver a isso?

Levando tudo isso em conta, é possível imaginar que os humanos podem mesmo sobreviver em um planeta tão inóspito quanto Arrakis. Considerando que eles são tão humanos quanto nós, haveria condições para que a humanidade habitasse o planeta, principalmente nas áreas tropicais em que as temperaturas são mais amenas e, de certo modo, parecidas com as da Terra.

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Embora pareça brincadeira, as condições dessa região de Duna não são tão diferentes daquelas que a região Centro-Oeste do Brasil apresenta em termos de temperaturas elevadas e baixa umidade do ar — apenas para apresentar um exemplo bastante próximo. Assim, se alguém sobrevive em Cuiabá ou Brasília, Arrakis seria só um pequeno passo além.

Já nas áreas de maior latitude do planeta, as coisas seriam um pouco mais complicadas, já que se trata de um clima mais extremo e brutal. Com termômetros ficando entre 50º e 60º C, as condições de vida seriam muito mais complicadas, já que essas temperaturas podem ser fatais.

É claro que aí podem entrar várias explicações do campo da fantasia, como uma evolução genética dos Fremen que permitiria resistir a esse calor todo ou mesmo o traje especial que dá conta da situação. Contudo, levando em conta apenas a nossa biologia e as noções de Física que temos, podemos imaginar que o principal planeta de Duna seria habitado somente em seu cinturão central.

E isso tudo mostra uma coisa: o quanto a obra de Herbert é consistente. Mesmo sem se apoiar em modelos científicos que, em 1965, ainda estavam começando a ser estabelecidos, o autor criou um mundo que é bastante crível e com muita coisa que encontra respaldo na realidade. Diante disso, é fácil entender por que essa obra é tão importante até hoje.

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Fonte: The Conversation