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Crítica Duna | Grandioso, épico e incompleto

Por| Editado por Jones Oliveira | 20 de Outubro de 2021 às 19h30

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Reprodução/Warner Bros.
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O novo Duna chega aos cinemas com uma tarefa um tanto quanto ingrata. Ele carrega a responsabilidade de adaptar um dos maiores clássicos da literatura de ficção-científica ao mesmo tempo que tenta dar início a uma franquia em um momento em que os cinemas ainda estão no início de sua retomada. É um projeto tão enorme quanto ambicioso — e, por isso mesmo, muito arriscado.

O grande desafio está justamente em equilibrar a reverência ao clássico com a necessidade do novo e fazer com que tudo isso seja atrativo para o público. Não há como fugir da importância dessa saga para as histórias de fantasia como um todo, mas como repetir o impacto quando as produções que foram influenciadas por Duna chegaram antes e já exploraram as mesmas estruturas e temas à exaustão? 

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Desde que foram publicados, em 1965, os livros de Frank Herbert inspiraram a criação de mundos como os de Star Wars e Game of Thrones, o que faz com que esse retorno à história original não seja nada novo, mas algo extremamente familiar. Assim, sem o fator novidade, o diretor Denis Villeneuve aposta na grandiosidade desse universo como diferencial e apresenta um épico como há muito tempo não víamos no cinema. 

Tudo em Duna é grande, imponente e impactante. Para se diferenciar do que a gente já conhece do cinema de fantasia, ele abraça essa grandiosidade e entrega uma verdadeira epopeia como nenhum de seus derivados jamais foi. Ainda que todo o jogo de poder entre as casas, as relações entre política e religião e até mesmo a jornada de Paul Atreides como o Predestinado nos seja muito familiar, o tom dado pelo diretor mostra que esse é um filme diferente. Ele é ambicioso do começo ao fim e faz questão de destacar isso.

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Só que há um preço enorme a ser pago por esse cuidado exagerado com detalhes e que vai muito além do orçamento estratosférico. Duna sacrifica parte de sua história para poder desenvolver melhor seu universo e situar o espectador nesse mundo. Assim, ele não se preocupa em adaptar todo o primeiro livro de Herber, mas apenas uma parte muito pequena dele. E por mais que essa seja uma solução compreensível, isso não o isenta de ser problemática. Porque, embora seja grandioso, Duna ainda é um filme incompleto.

Um universo em conflito

Mais uma vez, não há como negar a grandiosidade de Duna. Sabendo que não tinha como inovar em termos de história e de temática, Villeneuve apostou todas as fichas no impacto visual — e conseguiu. Visitar cada um dos planetas é uma experiência realmente impactante e tudo é feito para deslumbrar o espectador, da construção de cada cenário ao design das naves, que tiram o fôlego quando preenchem toda a tela. Há um cuidado enorme nesse trabalho de produção, fazendo com que cada casa tenha uma identidade própria, dando a sensação de que o universo é mesmo vasto e que cada povo é único.

Só que toda essa atenção aos detalhes exige tempo. Das 2h40 de filme, uma hora e meia são dedicadas apenas a mostrar como as coisas funcionam, o que são as casas, a dinâmica do Império, a importância da especiaria e o papel do planeta Akarris na geopolítica imperial. Ele se preocupa inteiramente em estabelecer seu universo para, apenas depois disso, começar a contar sua história. O problema é que, quando isso acontece, o longa caminha para o seu fim.

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É claro que é muito legal conhecer tudo isso em profundidade, só que uma história precisa de muito mais que isso para funcionar. No fim das contas, Duna é um filme de construção de mundo e nada mais. Sabe quando você ia jogar RPG com seus amigos e a primeira sessão era totalmente dedicada a construir personagens e ninguém jogava nada no fim do dia? É essa a sensação que todo esse apreço aos detalhes oferece. Tudo é muito rico e envolvente, mas você fica com a impressão de que está faltando — e, de fato, está.

A trama geral é bastante simples, apesar dos nomes complicados que são inseridos: em um futuro distante, a humanidade passa a depender de um recurso especial que permite a exploração do espaço. Chamada de especiaria, ela é encontrada nas areias do planeta desértico de Arrakis e uma das famílias nobres do Império é responsável por extrair e comercializar esse material, o que abre espaço para disputas de poder e traição.

É uma alegoria bastante óbvia ao petróleo e à exploração de países do Oriente Médio pelas potências internacionais. E é em meio a essa grande crítica social que segue válida por mais de 50 anos que somos apresentados a Paul Atreides, filho de uma dessas famílias nobres que se vê envolto em meio a uma grande conspiração e que precisa não apenas sobreviver, mas também aceitar seu papel como o Predestinado.

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Mais uma vez, tudo isso é muito interessante. Duna se dedica a apresentar todos esses elementos com calma para que o público entenda quais são as peças nesse tabuleiro e perceba o movimento de xeque que o Império faz contra a Casa Atreides. Só que a verdadeira jornada que o filme antecipa para o público é a de Paul e isso ele não entrega.

A todo momento, há alguém falando que o herói é o messias de Arrakis que vai levar o planeta ao paraíso. A todo momento o protagonista tem visões do futuro que mostram ele vivendo nesse planeta desértico e sendo esse salvador prometido. Contudo, quando a gente finalmente vê as coisas caminhando para isso, os créditos sobem. No fim, o longa prepara o público para algo que não acontece.

E isso é muito curioso. Duna está longe de ser ruim. Toda a ambientação de seu universo é muito bem construída e apresentada de modo que você quer saber mais sobre aquilo e sobre o que vai acontecer com Paul e sua prometida revolução — só que nada disso é agora. Esta história em específico não se realiza e isso é muito frustrante. É como se o filme todo fosse um enorme prólogo, mas como o público vai se interessar por acompanhar uma história que nem sequer começou?

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Essa jornada sem final é algo que a gente já viu no cinema outras vezes. A diferença é que em histórias como O Senhor dos Anéis, por exemplo, cada longa trazia um arco narrativo próprio que se amarrava à trama principal que cruzava toda a trilogia. Embora muita gente tenha reclamado de A Sociedade do Anel ter terminado sem que Frodo destruísse o Um Anel, a trama da comitiva se desenvolveu por completo e o longa termina dando um desfecho para o grupo. Há um começo, um meio e um fim para aquela história que se conecta com sua sequência — que vai desenvolver um novo arco completo.

E isso acontece porque os livros também foram pensados dessa forma — o que não acontece em Duna. A jornada de Paul Atreides como o messias de Arrakis se desenvolve ao longo de toda a obra original e, quando o estúdio decide cortar a história abruptamente, essa cisão não-natural se torna evidente nas telas. 

É claro que você pode argumentar que filmes como Harry Potter, Jogos Vorazes e até mesmo O Hobbit também dividiram um único livro em duas ou três partes. A diferença é que, nesses casos, os mundos já estavam estabelecidos previamente, então não havia necessidade de gastar tempo apresentando o universo e suas regras, dando fôlego para o roteiro construir um arco narrativo completo.

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Em Duna, isso não ocorre porque tudo é novo. Embora as estruturas sejam familiares, a gente não conhece quem são os Atreides, os Harkonnen ou mesmo o que é a tal especiaria ou por que ela é importante. Tudo isso precisa de tempo de tela para ser apresentado e desenvolvido e o longa faz isso muito bem. O problema é que, por outro lado, a decisão foi comprometer a história de seu protagonista, que mal começa a ser contada.

Para quem já conhece os livros de Herbert, essa solução pode ter sido muito bem acertada por apostar na ambientação e na ótima construção do mundo. E é verdade. Por outro lado, a Warner Bros aposta em Duna como uma franquia e isso depende que o público geral — ou seja, não apenas o apaixonado por ficção científica clássica — vá ao cinema e se empolgue com a história para voltar em uma eventual sequência. Mas como se envolver com uma história que nem sequer começou?

E é isso que faz com que a adaptação se torne tão arriscada. O próprio Villeneuve já falou mais de uma vez que uma continuação depende da bilheteria desta primeira parte e é difícil imaginar que o filme como o sucesso que ele precisa ser sem entregar uma trama propriamente dita. Tudo é grandioso e muito bonito, mas derrapa em entregar o básico em uma história.

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Um filme vende emoção e isso só acontece quando a gente se conecta com a jornada de seu protagonista. E por mais que Duna encha os olhos do público com visuais maravilhosos e construa um mundo riquíssimo, não há tempo o suficiente para a história de Paul criar engajamento algum e, assim, a gente simplesmente não se importa com o que vai acontecer a seguir. 

Tudo isso é sentido sobretudo na ação. Todo o golpe à família Atreides, a morte de personagens importantes e a fuga de Paul não têm peso porque essas cenas não foram construídas para serem o clímax da história, mas o seu início. É a passagem pelo primeiro limiar, quando o protagonista dá início à jornada que vai transformá-lo no herói. É a partir desse ponto que a história se desenvolve, mas isso acabou sendo jogado deixado para depois. 

Futuro incerto

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Diante disso, fica claro que Duna foi concebido como a primeira parte de uma série na qual essa história é apenas o seu prólogo. A preocupação está no todo, na trama completa que vai ser concluída lá na frente. Assim como seu protagonista, diretor e estúdio estão olhando para o futuro e pensando na grandiosidade dessa quando finalizada. Só que, nesse processo, eles esquecem que isso depende de um começo bem fundamentado que pavimente o caminho para suas sequências. 

Por isso mesmo é que Duna é ambicioso. O projeto parece estar acima do filme e isso pode ser crucial para o seu desempenho e, consequentemente, para suas continuações. Todo o cuidado e apreço pelos livros de Frank Herbert é evidente e qualquer fã de ficção científica vai sair encantado com o mundo construído aqui e ainda mais animado com as possibilidades que se desenham no futuro. Só que isso não é o suficiente para encantar o público geral.

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Para a maior parte das pessoas, que ainda estão voltando aos cinemas, o que importa é uma história com a qual elas se conectem. E por mais grandiosa que seja a saga de Paul Atreides na literatura, isso não foi entregue por aqui. Temos vislumbres e promessas, mas, ao contrário do fã, o público não se baseia na fé de que esse é o começo de uma jornada maior que vai se concretizar lá na frente. O que importa é o agora, é recompensar o valor do ingresso que ele acabou de pagar.

As narrativas têm essa estrutura tão consolidada há milhares de anos por uma razão: são por meio delas que nos conectamos com personagens e seus mundos. A história pode ser épica e grandiosa como em Duna ou corriqueira como um domingo parque, mas o que importa é o modo que somos conduzidos por essa trama.

Assim, por mais que Duna traga todo um verniz epopeico, ele desliza ao não entregar o básico: uma história para o público se conectar. O mundo fantástico enche os olhos e tira o fôlego, mas não é com isso que as pessoas se relacionam e não há design de produção que faça as pessoas se envolverem com uma história que nem sequer começou. Por mais que os próximos capítulos sejam tão promissores quanto o futuro de Paul Atreides, é primeiro preciso convencer o público a querer cruzar esse deserto — e esse vai ser o verdadeiro desafio.

Duna está em cartaz nos cinemas de todo o Brasil; garanta seu ingresso na Ingresso.com.