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Crítica | Viena and the Fantomes é um ótimo indie com intenções confusas

Por| 27 de Julho de 2020 às 08h20

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Lola Pictures
Lola Pictures

Sempre há quem diga o que o cinema deve ser e espero que sempre haja quem ouse discordar das regras. As raízes dos filmes indies estão na recusa das regras promovida pela nouvelle vague, nas temáticas capazes de representar os anseios da juventude, como fez o nova Hollywood dos anos 1960, geralmente embebidos em uma profunda recusa do conformismo. Muitos diretores jovens, apaixonados, mas inexperientes, ajudaram a criar uma estética do que chamamos hoje de indie. O baixo orçamento não tem a ver com a ausência de produtoras envolvidas, mas com a aceitação de trabalhar com recursos reduzidos em troca de liberdade criativa: filme indie não é necessariamente filme barato, vide o exemplo de Cisne Negro, que custou US$ 13 milhões.

Indie é, enfim, um gênero, mais precisamente um gênero de contracultura, ainda que muitas vezes encontre o mainstream, o popular, e se confunda com ele. Viena and the Fantomes é indie pelo uso acentuado de uma paleta de cores secas, pela temática de contracultura e, sobretudo, pelo tratamento do tempo, no qual os acontecimentos não são apressados e as ações não demandam consequências imediatas. A importância de compreender isso é evitar o erro de comparar um filme indie a grandes produções de estúdio, muito mais interessadas em oferecer entretenimento, tecnologia, imersão e sentimentos em grande intensidade.

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Para quem não está acostumado com esse tipo de linguagem, Viena and the Fantomes pode soar lento, monótono e talvez até sem um conteúdo significativo. Por outro lado, o filme oferece já na ficha técnica indícios de que tem suas qualidades: este é o primeiro filme do mexicano Gerardo Naranjo nos EUA, o que demonstra que o cineasta ganhou certo reconhecimento. Além disso, o elenco conta com Dakota Fanning, Zoë Kravitz, Caleb Landry Jones e Jon Bernthal.

Atenção! A partir daqui, a crítica pode conter spoilers!

Sexo, drogas e rock’n’roll

Viena and the Fantomes é uma perfeita mistura do pós-punk com o indie blasé (ou flazéda, para os fãs de Rupaul’s Drag Race), algo como uma mistura de cocaína (que instiga) e Xanax (que dá sono), para uma metáfora que faz jus ao filme. Isso se reflete não só no estilo, mas também no roteiro e na própria direção.

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Em termos de história, há uma construção significa de um discurso de denúncia, do machismo que ainda reina estruturalmente no mundo do rock contemporâneo, inclusive daqueles que se supunha serem mais esclarecidos politicamente, os indies. Esse é o efeito cocaína. O desfecho, porém, não poderia ser mais insosso: a espera por uma situação de violência é construída pelo próprio roteiro que não fica melhor ao quebrar essa expectativa salvando a protagonista com uma quase overdose ex-machina, que veio sem justificativa alguma. Esse é o efeito Xanax.

No mesmo ritmo com que o roteiro nos engana, também o faz a direção. A ambientação fica cada vez mais dark, as cores mais escuras, os objetos mais ameaçadores, como a caminhonete preta com as alarmantes luzes vermelhas que usam para ir à loja comprar bebidas. Esse é o efeito cocaína. O acordar da protagonista quase suicidada é digno de um conto de fadas e o par romântico fugindo em uma moto na estrada é digno de um romance adolescente do mais comercial possível. Esse é o efeito Xanax.

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Sentimentos conflitantes

A pergunta feita a Viena (Dakota Fanning), fica sem resposta até o fim do filme e jamais saberemos com certeza quais eram os anseios e desejos que levaram a personagem àquela condição subalterna diante de uma banda praticamente desconhecida. A construção dos vínculos emocionais parece propositalmente mal desenvolvida e ficamos nos questionando assim como a repórter: por que alguém escolheria viver na estrada, sem dinheiro, trabalhando para uma banda que raras vezes reconhece o seu esforço? A introdução de outro indie, Trainspotting, pode guardar a resposta:

Escolha viver. Escolha um emprego. Escolha uma carreira. Escolha uma família. Escolha uma televisão enorme. Escolha lavadoras de roupa, carros, CD players e abridores de latas elétricos. Escolha boa saúde, colesterol baixo e plano dentário. Escolha uma hipoteca a juros fixos. Escolha sua primeira casa. Escolha seus amigos. Escolha roupas esporte e malas combinando. Escolha um terno numa variedade de tecidos. Escolha fazer consertos em casa e pensar na vida domingo de manhã. Escolha sentar-se no sofá e ficar vendo game shows chatos na TV enfiando porcaria na sua boca. Escolha apodrecer no final, beber num lar que envergonha os filhos egoístas que pôs no mundo para substituí-lo. Escolha o seu futuro. Escolha viver.
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Viena parece viver a contracultura da recusa de uma vida normal, sendo preferível essa vida, que é pouco atrativa para a maioria. Por outro lado, Viena and the Fantomes parece ser a retirada do glamour da vida "sexo, drogas e rock’n’roll", glorificada pelos anos de ouro do rock.

Segundo uma lógica clássica, Viena and the Fantomes é um filme bom que acaba em lugar nenhum. Segundo a lógica indie, o filme trai a si mesmo com um final de conto de fadas underground, mas isso parece, ao mesmo tempo, bom e ruim. Um primeiro olhar pode achar o filme decepcionante (e o espectador que se sentir assim não está errado, afinal, o próprio filme permite essa leitura).

Por outro lado, assim como os cineastas da sua raiz indie, Viena and the Fantomes mostra que cinema é cinema, é arte, não realidade. Podendo ser esse um dos efeitos do desfecho do filme, que usa, para isso, recursos linguísticos do cinema que alega ser o que mais transmite uma sensação de realidade, o cinema popular, mainstream. É justamente o final romântico que nos tira da imersão da história e é capaz de nos colocar contra o próprio filme. Se era essa a intenção, não sabemos, mas qualquer leitura é possível.

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Se a história quisesse ser mais real, Viena provavelmente não sairia ilesa.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Canaltech