Crítica | Filosofia de Nietzsche define a terceira temporada de The Sinner
Por Natalie Rosa |
O detetive Harry Ambrose, interpretado por Bill Pullman, está de volta em mais uma temporada na série de drama criminal recheada de mistério The Sinner. A trama estreou em 2017, contando com a participação de Jessica Biel como produtora executiva e protagonista, abordando a história de um assassinato difícil de decifrar.
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No ano seguinte, outro crime foi colocado em pauta, revelando ao público que o real foco da trama é mostrar como o detetive Ambrose se envolve em suas investigações, prejudicando sua família e saúde mental, mas trazendo bons resultados à polícia, mesmo que o caminho para isso seja complicado. Além disso, a série aborda questões psicológicas e comportamentais que podem ter levado ao crime, considerando a vivência do investigado, quem está ao seu redor e como ele se sente perante a tudo isso.
Atenção: esta crítica contém spoilers!
Na primeira temporada, uma mulher; na segunda, uma criança. Agora, a terceira temporada traz um homem privilegiado e bem resolvido, ao menos aparentemente. Os novos episódios de The Sinner trazem crimes que envolvem não só a questão psicológica do acusado e investigado, mas também como e quando isso se formou. Desta vez, vemos uma questão filosófica relacionada ao ser homem.
Os dois personagens envolvidos nessa delicada questão são Nick Haas (Chris Messina) e Jamie (Matthew Bomer), que quando aparecem juntos pela primeira vez já causam a impressão de que escondem um segredo, a princípio de uma relação amorosa, o que prejudicaria o casamento de Jamie com Leela (Parisa Fitz-Hanley). No entanto, a paixão de ambos se deve aos ensinamentos de Friedrich Nietzsche, filósofo alemão que viveu no fim dos anos 1800. Nick, porém, sempre foi mais envolvido com o estilo de vida perigoso e de caráter destrutivo.
Übermensch, ou Além-Homem, em português, é a filosofia vivida por Nick e Jamie, que se conheceram ainda na faculdade e acabaram se distanciando por 18 anos. Jamie voltou a procurar Nick por se sentir vazio e a necessidade de buscar motivos para continuar vivendo e existindo. É quando a filosofia começa a mostrar as caras no passo a passo seguido pelo amigo, que mais uma vez assusta inicialmente, principalmente por envolver bastante a questão da sorte ou azar, mas que acaba deixando Jamie transtornado.
É por meio desses pensamentos, que só poderiam ser explicados com clareza em uma matéria especial, que os acontecimentos começam a ganhar forma e ficar fora de controle. Em relação ao crime, uma vez que se trata de uma série criminal e de investigação, se não fosse pelo trabalho sempre bem feito de Ambrose, Jamie sairia impune. Por outro lado, talvez, nada de mais grave teria acontecido.
Antes mesmo de conhecermos o estilo de vida de Nick, descobrimos que ele morre em um acidente de carro, do qual Jamie sai vivo. Descontente com a hipótese de ser apenas uma fatalidade, o detetive passa a acreditar que Jamie deixou o amigo morrer ao dificultar o pedido de socorro. É assustador e bastante visível fisicamente o quanto Jamie muda no decorrer da trama, enquanto perde o controle de suas atitudes. Mérito não só da construção do personagem por quem está por trás da produção, como também do ator Matt Bomer.
Quanto mais ele mergulha na filosofia de Nietzsche, mais vai mostrando uma personalidade que esteve presente em toda a sua vida e que nunca deu as caras. De forma rápida, Jamie começa a definhar fisicamente, deixando de aparentar um homem saudável para uma pessoa que busca, a todo custo, o sentido da vida e que está atordoado. Durante a investigação, Ambrose acaba cedendo às filosofias seguidas por Jamie para conseguir uma confissão não só do crime contra Nick, quanto de outro que acontece em meio à perda da razão e descontrole emocional.
Fica nítido, no entanto, que por mais que o detetive tenha sido responsável e conseguido o que queria através desse envolvimento, ele viu as mesmas coisas que Jamie, mas com controle da razão. Em uma das cenas mais desesperadoras, Ambrose é enterrado vivo e passa oito horas seguidas embaixo da terra, o que o faz alucinar e questionar passado, presente e futuro.
Outro momento que mostra a empatia do detetive por Jamie é no final, com o criminoso em seus últimos momentos de vida, em que aparentava extremamente assustado e indefeso, com medo de morrer, mesmo que a sua vida já tenha sido perdida. O envolvimento de Ambrose com uma investigação nunca havia sido tão intenso, colocando em risco sua filha e neto, mas também nunca foi tão revelador na questão pessoal.
O aprofundamento dos motivos que levaram o investigado a cometer os crimes e a vulnerabilidade do detetive fizeram a terceira temporada de The Sinner ser mais interessante que a segunda, que perdeu um pouco da essência da primeira.
A terceira temporada de The Sinner conta com oito episódios e está disponível na Netflix.