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Crítica Ron Bugado | Sobre amizades sem certificado de garantia

Por| Editado por Jones Oliveira | 18 de Fevereiro de 2022 às 16h25

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20th Century Studios
20th Century Studios
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É engraçado ver como filmes aparentemente infantis conseguem transmitir lições universais de maneira tão didática. Quando Ron Bugado foi anunciado pela 20th Century Studios (e distribuído no Brasil pelo Walt Disney Studios), a comparação com Operação Big Hero foi quase inevitável: uma história cuja trama gira em torno da dinâmica de um garoto adolescente e seu mais novo robô tecnológico, tal como Hiro Hamada e Baymax.

No entanto, assim como é equivocado resumir Operação Big Hero a essa simples frase, também é injusto não ultrapassar a superfície do que de fato é Ron Bugado. O título brasileiro faz uma brincadeira com uma das gírias mais populares da atualidade, mas também traz o mesmo sentido que o original quer passar (Ron's Gone Wrong, no original) e, felizmente, engana o público que espera uma história sobre um adorável robô com defeitos.

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Atenção! Esse texto pode conter spoilers.

Por serem frequentemente indicados a um público mais novo, filmes de animação tendem a entregar mensagens em formato de "moral da história", tão mastigadas como uma fábula infantil. Ron Bugado tem todas as ferramentas para cair nisso, entretendo o público durante 90 minutos com personagens cativantes e tiradas humorísticas de timing certeiro e finalizar o filme com uma frase pronta, que caberia perfeitamente dentro de um bilhete num biscoito da sorte.

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Contudo, a dupla Sarah Smith (de Operação Presente) e Jean-Philippe Vine (que comandou alguns episódios de Shaun, O Carneiro) não subestima a sensibilidade infantil (e a dos pais que acompanharão as crianças nos cinemas) para colocar o dedo na ferida em diversas problemáticas aqui. E é justamente utilizando figuras subestimadas que os diretores fecham uma história fascinante, com tudo girando em torno de um pré-adolescente com asma e seu robô defeituoso — mesmo que na mesma escola exista uma blogueira famosa e um influencer com milhões de seguidores.

Ron Bugado une pessoas comuns que poderiam ser encontradas em qualquer ponto de ônibus, fila de supermercado ou lojas de shoppings por aí. E o filme parte exatamente deste pressuposto: numa geração mergulhada e movida a algoritmos digitais, há itens e serviços que traçam a linha do status social da sociedade como um todo. Na trama, é um "Amigo Fora da Caixa", o B-Bot, um robô com a mais alta tecnologia capaz de conhecer e saber tudo sobre o seu dono com uma simples leitura da palma da mão.

É muito além do pensamento de Zygmunt Bauman sobre amor e relações líquidas tão efêmeras que escorrem por entre os dedos (como pontuado no longa da Netflix, Amor Garantido). Smith e Vine trazem em Ron Bugado uma reflexão um tanto brutal sobre como algoritmos ditam a compatibilidade entre pessoas, enquanto aplicativos e ferramentas que têm como objetivo nos tornar mais sociáveis estão, na realidade, nos colocam dentro de uma bolha repleta de figurinhas repetidas de nós mesmos.

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A crítica já começa justamente nisto: Bolha, a empresa por trás da tecnologia do B-Bot. Ao quebrar esse ciclo repetitivo, Barney (Jack Dylan Grazer) e Ron (Zach Galifianakis) colidem suas vidas mesmo antes de se conhecerem, quando o pré-adolescente bate no veículo que levava o robô para a loja em que seria vendido, mas, com o impacto, sua frágil tecnologia sofre defeitos incorrigíveis.

Seria possível abrir espaço para como a vida tem conexões e pontos que dificilmente são interrompidos por intervenções externas, mas não é o caso que Smith e Vine procuram explorar aqui. A dupla de cineastas vê em Ron Bugado, sobretudo na precoce amizade dos personagens principais, uma maneira de mostrar que peças iguais de um mesmo quebra-cabeça dificilmente se completam.

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Enquanto a Pixar viu em Luca uma forma de valorizar a importância e marcas que as amizades de infância deixam no desenvolvimento do ser humano, a 20th Century Studios enxerga em Ron Bugado não a adaptação, mas a compreensão de seres diferentes já bem-resolvidos convivendo em harmonia — e como muitas vezes essa discrepância é capaz de agregar a ambos indivíduos.

É inocente, mas tão forte quanto um soco no estômago, que o pequeno Ron questiona Barney quando o pré-adolescente afirma que "ensinará o robô a ser seu amigo", dando lições como "você tem que gostar das mesmas coisas que eu gosto" e "estar perto de mim sempre".

É metafórico, mas eficiente, como a amizade de ambos personagens traz um enorme questionamento às voláteis relações duma geração mergulhada no digital, como quando Barney desiste de ensinar Ron a ser seu amigo e explica que "coisas com defeitos são devolvidas" para suas respectivas lojas.

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Ron Bugado é uma mensagem profunda sobre empatia e respeito, e ver o desenvolvimento de ambos personagens (mas sobretudo de Barney diante da inocência artificial do robô) ressoará de forma muito particular em cada um dos espectadores, mas muito perto de casa para toda a audiência.

Em paralelo, o filme ainda deixa claras e fortíssimas críticas à dependência de artefatos eletrônicos e amizades movidas a curtidas e compartilhamentos. "Existe diversão offline?", questiona um dos chefões da Bolha ao não esconder em nenhum momento seu interesse em fazer amontoados de dinheiro com gadgets infantis. Ron Bugado ainda toca na ferida sobre privacidade e proteção de dados, mesmo que de uma maneira mais escancarada e sem tantas cerimônias.

Entregando uma história honesta sobre amizade e cheio de empatia, Ron Bugado pode ser assistido no catálogo do Disney+.