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Crítica | O Destino de uma Nação é problemático e muito eficiente

Por| 25 de Agosto de 2020 às 08h19

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Focus Features
Focus Features

Filmes biográficos geralmente são reféns da fidelidade à realidade ou do que tentam trazer dela. Acontece, porém, que nem mesmo documentários são obrigados a expor uma visão jornalística. Então, por mais que O Destino de uma Nação (disponível na Netflix) traga personagens reais em situações baseadas em fatos, há o toque ficcional, a liberdade artística, e tudo o que faz o Winston Churchill do filme (interpretado por Gary Oldman) não ser uma cópia exata do estadista britânico.

Isso acontece porque, por mais que seja evitado, o cinema – especialmente o que é pensado como produto comercial – está ligado à romantização da realidade. Para construir ligações, existe uma necessidade inerente de humanização, de construir laços com o espectador. A partir do roteiro de Anthony McCarten (de Dois Papas), o Churchill pela direção de Joe Wright (de filmes elegantes como Orgulho e Preconceito e Desejo e Reparação – de 2005 e 2007 respectivamente) é complexo, é falho também. Ele é, sobretudo, humano.

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Tornando-se humano

Essa humanidade, por sinal, é exposta pelo embate duro que domina e dá substância ao protagonista: a decisão pelo acordo de paz com Hitler ou o confronto contra o ditador austríaco da Alemanha. Nesse sentido O Destino de uma Nação não é uma biografia clássica sobre alguém, é um recorte da vida de um homem em meio a uma guerra externa (com outros países) e interna (dentro do seu país e dentro de si).

Toda essa dualidade é trabalhada pela fotografia de Bruno Delbonnel (de O Lar das Crianças Peculiares) com um impacto muito direto: luzes duras e sombras fortes quase replicam as sensações daquele Churchill, como se a diferença entre o bem e o mal estivesse muito visível. Ao mesmo tempo, pode ficar a impressão da ameaça que essa claridade, esse saber luminescente, seria para um homem justificadamente fechado.

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O compromisso histórico, aliás, por mais que não seja o forte do filme, acaba delineando situações empáticas para com o estadista que provocam, de repente, reflexões sobre seus pensamentos. Se, por um lado, pode até parecer que Wright promove uma defesa da personagem de Oldman, por outro surge a necessidade do pensar – e do pensar humanamente, sem posicionamento político dentro daquela realidade.

Nesse sentido, é como se o diretor estivesse utilizando personagens reais e fatos para provocar, abrir feridas e construir pontes. Tudo o que culmina na batalha de Dunquerque (confronto tema do filme Dunkirk – de Christopher Nolan, 2017), por exemplo, passa a ter um viés mais humano do que político – por mais que a política seja o centro.

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Para alcançar esse efeito, o trabalho de Oldman na atuação é de uma competência fora do comum. Sua expressividade, mesmo soterrada na pesada maquiagem, grita e, no fundo dos olhos do ator, toda a romantização de Churchill parece construir um homem comum que, pressionado e mesmo caído praticamente de paraquedas na função de primeiro-ministro do Reino Unido, tem uma força heroica dúbia (e quase contraditória): é como se, ao provar-se herói, o homem, enfim, se tornasse mais humano.

É interessante, por essa perspectiva, como a personagem de Oldman – apresentada como alguém que exagera no café da manhã, no álcool e no fumo –, aos poucos vai se tornando um pouco mais introspectiva. É como se o poder impusesse regras e, uma delas, seria a compostura. Esta, por sua vez, envolve, ainda, o seu temperamento grosseiro. O homem impaciente (para dizer o mínimo) com Elizabeth (Lily James) tem, então, um obstáculo à frente: ele mesmo.

Laços

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Como Wright foi diretor dos citados Orgulho e Preconceito e Desejo e Reparação, é normal que ele traga toda a elegância desses seus trabalhos para mais um filme de época. Esse refinamento e até uma certa pompa dos trabalhos anteriores funcionam como uma fórmula aqui. Aliás, a formalidade imposta pelo diretor é capaz de ser, ao mesmo tempo, descaradamente bem pensada e esteticamente irrepreensível. Tudo isso, sem perder a alma, graças a Delbonnel (que também fotografou O Fabuloso Destino de Amélie Poulain) e ao desenho de produção de Sarah Greenwood (parceira recorrente de Wright), que pensa na estética da obra com uma beleza dura, mas emoldurável.

De todo modo, por mais que O Destino de uma Nação seja um filme eficiente, a romantização dos fatos talvez não prejudique o todo devido à Oldman. A escalação do ator, inclusive, é certeira e dá espaço para seus estouros e gaguejadas, mas dentro de um contexto próprio, dentro de uma unidade onde sua interpretação mais intensa é necessária.

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No fim, mesmo quando o filme ainda busca a empatia de maneira mais banal, parece que está tudo bem em abraçar Churchill. É possível, aqui, que falte uma afronta, uma demonstração mais intensa da complexidade do personagem. Porque, de repente, uma fagulha menos humana poderia render um desfecho mais fiel e menos fácil. Não que exista a obrigatoriedade de se ter uma visão jornalística, mas alguns laços sempre precisam ser cortados.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Canaltech