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Crítica | Monster Hunter faz qualquer coisa, menos adaptar o game para as telas

Por| Editado por Jones Oliveira | 02 de Março de 2021 às 21h00

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Divulgação/Sony
Divulgação/Sony

Adaptações de games para filmes são uma realidade esporádica da indústria há algumas décadas. Nos anos 1990, os jogos não eram tão populares e quase nunca traziam histórias intrincadas e com as reviravoltas necessárias para serem transformadas em um bom entretenimento passivo, o que levava produtores e roteiristas a tomarem algumas (ou muitas) liberdades com o material original, também, em uma tentativa de o tornar mais palatável até mesmo para quem nunca havia encostado em um controle.

30 anos depois, claro, tudo mudou na indústria dos games e, também, na do cinema. Mas esse tempo não parece ter passado para o diretor Paul Anderson que, com Monster Hunter, parece insistir em continuar fazendo filmes como há décadas, assumindo a identidade de franquias consagradas para contar qualquer outra história que não a do mundo que deveria estar adaptando para as telas.

Atenção: a análise pode conter leves spoilers do filme.

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Fora do título e da boa recriação de alguns dos monstros da franquia da Capcom em CGI, há muito pouco dos jogos no longa, que estreou no Brasil em 25 de fevereiro. Jovovich é Artemis, a líder de um grupo de soldados que, em pleno combate em um território desértico, se vê transportado para uma outra realidade enquanto buscavam um grupo de companheiros que, logo percebem, tiveram o mesmo destino.

As semelhanças com clássicos do cinema de games como Super Mario Bros. também vale quando olhamos a obra que alçou a dupla Anderson-Jovovich ao sucesso. Durante as pouco menos de duas horas de Monster Hunter, a sensação que fica é de que ambos não superaram o fim da hexalogia de Resident Evil, enquanto transformam a série da Capcom, baseada em exploração, coleta de loots e, como o título indica, caçada, em um combate ferrenho entre humanos e criaturas violentas.

Nos games, temos uma variedade de biomas e animais que vivem em um ecossistema próprio e fantasioso. No filme, três quartos da película são tomadas pelo combate entre Artemis e um personagem chamado apenas de Hunter — interpretado por um Tony Jaa subaproveitado — contra Diablos, uma criatura que se esconde nas areias fofas do território onde a comandante acaba caindo com toda sua equipe e no qual o próprio nativo, também, está preso após se perder de seu grupo.

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Durante todo esse longo trecho, os monstros exibem um ímpeto assassino que transforma o time de Artemis em mera bucha de canhão, caindo um a um sem que o espectador nem mesmo os conheça. A equipe, que conta inclusive com o rapper T.I. como o sniper Lincoln, serve de comida para uma criatura que, nos games, é herbívora, ou para compor um clima de terror com os ataques de Nerscylla, um inseto que vive nas profundezas e ataca em grupo.

Vale aqui, aliás, citar a obsessão de Anderson, que também assina como roteirista de Monster Hunter, por mortes horríveis que, em alguns momentos, dão ares de terror à aventura. Temos empalamentos, desmembramentos e até um momento um bocado perturbador no qual o corpo de um dos soldados é tomado por pústulas e insetos que o consomem de dentro para fora. Novamente, elementos que cairiam muito bem em um longa de horror ou até uma adaptação de Resident Evil, tudo o que não deveríamos estar vendo aqui nem está presente nos games originais.

Claro, fidelidade à obra original não é pré-requisito para a qualidade de um longa desse tipo, e fora disso, Monster Hunter também está cheio de problemas. Este é mais um daqueles filmes em que os elementos apresentados não têm profundidade nem desenvolvimento, no qual os eventos simplesmente acontecem e o espectador deve seguir adiante, junto com os personagens.

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Estamos em um mundo fantástico, cheio de criaturas que, em muitos casos, soam míticas e que, na trama do próprio longa, possui um segredo oculto e antigo. Nada disso, entretanto, é explicado e comentado, enquanto o roteiro prefere repetir uma piada incessante sobre a obsessão de Hunter com chocolate e o fato dele e Artemis sempre recorrerem ao conflito para resolverem as coisas, estejam diante de um animal assassino ou apenas de uma debandada de animais fugindo de uma ameaça maior.

Elementos comuns ao mundo dos games, e não apenas a Monster Hunter em si, também aparecem fora de lugar, como o uso de armas baseadas em fogo para combater uma criatura que, também, usa o mesmo elemento e, novamente, o subaproveitamento de personagens fantásticos que poderiam dar mais carisma ao longa. É quase como se Anderson e a equipe quisessem contar uma história sobre os humanos terrenos, baseada em militarismo e combate, simplesmente ignorando outros componentes desse universo que aparecem, apenas, para constar, assim como a própria presença dos caçadores e monstros fora do trio de “ameaças” principais.

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Pisque e você perderá a participação da atriz brasileira Nanda Costa, no papel de Lea; depois da metade da projeção, quando o grupo de personagens liderados pelo Admiral (Ron Perlman) retorna, você provavelmente nem se lembrará deles, já que a história seguiu qualquer outro caminho além daquele delineado na cena inicial (e incrivelmente escura) que abre os trabalhos de Monster Hunter. Nem mesmo os Amigatos salvam o longa, perdendo o carisma visto nos games para se tornarem mais uma de tentas engrenagens bizarras e mal acabadas do roteiro.

É quase como se, em determinado momento, Anderson tivesse se lembrado de que esta deveria ser uma adaptação de Monster Hunter, inserindo diversos elementos dos games de uma só vez para, logo na sequência, retornar à sua história de comunicação entre realidades. Diga-se de passagem, ela não existe no mundo dos games, com a exceção de alguns crossovers com franquias como Resident Evil e Devil May Cry, participações especiais que, claro, não devem ser levadas a sério como parte cronológica.

Da mesma forma, não dá para encarar com seriedade um filme que não parece considerar nem a si mesmo de tal maneira, chegando a abandonar a própria história no trecho derradeiro. Não vamos dar mais spoilers além dos que foram citados nesta crítica, mas é quase como se o tempo de produção tivesse acabado antes da finalização do filme, com os créditos finais de Monster Hunter surgindo com um chamado nada satisfatório para uma continuação que ainda não está confirmada publicamente, mas aparentemente certa nos bastidores.

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Monster Hunter é uma franquia que apenas recentemente ganhou espaço no Ocidente, após anos sendo uma das grandes marcas da Capcom no Japão. O filme vem, justamente, para capitalizar esse sucesso, mas não de uma forma positiva, constituindo uma péssima adaptação. Porém, não dá para dizer que há um desrespeito ao material original aqui, já que, para desrespeitar os jogos, Anderson deveria, primeiro, se importar com eles, o que claramente não acontece.

Além disso, Monster Hunter também falha como filme, com um roteiro insosso e história que deixa de lado todos os seus aspectos potencialmente interessantes para focar em conceitos batidos e mal explorados. No final, não resta uma boa aventura ou um bom horror, personagens memoráveis ou histórias interessantes — para ser sincero, quase nada resta ou adere ao espectador, a não ser, uma sensação de vazio e o velho meme do cachorro perguntando “qual a necessidade disso?”

Monster Hunter está em cartaz nos cinemas brasileiros desde 25 de fevereiro. A direção e roteiro são de Paul Anderson (Resident Evil) e no elenco estão Milla Jovovich, Tony Jaa, Ron Perlman, Nanda Costa, T.I. e Meagan Good.