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Crítica | I May Destroy You reflete toda a genialidade de Michaela Coel

Por| 05 de Setembro de 2020 às 10h00

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Divulgação: HBO
Divulgação: HBO

Imagine ter tanto talento a ponto de criar, escrever, dirigir e protagonizar uma série de televisão? É exatamente isso o que assistimos em uma das estreias mais recentes da HBO, I May Destroy You. Michaela Coel criou, roteirizou e protagonizou a série, dividindo ainda a direção com Sam Miller, trazendo, definitivamente, uma das histórias mais intensas do ano para o streaming.

Coel já é conhecida pela série Chewing Gum, na qual ela também criou escreveu e protagonizou, com o talento de conseguir transparecer na prática todas as suas ideias, questões e conceitos de forma única. I May Destroy You conta a história da personagem Arabella, uma escritora iniciante que foi drogada e violentada sexualmente, em uma batalha de descobrir o que aconteceu.

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A série fala sobre processos e etapas que são essenciais para a recuperação de um trauma. Quando conhecemos Arabella, logo descobrimos que ela é uma pessoa que está rodeada de amigos, tendo Terry (Weruche Opia) e Kwame (Paapa Essiedu) como praticamente irmãos. Juntos, eles compartilham da dor do descobrimento do estupro com a amiga, engajados nas instruções fornecidas pela delegacia e psiquiatria.

A temática é forte e perturbadora sem precisar de imagens extremamente grotescas ou explicitamente violentas, uma vez que o crime por si só já é uma das piores experiências que uma pessoa, principalmente se for uma mulher, pode passar. É quando entra a incrível atuação de Michaela, que consegue perfeitamente transparecer a confusão causada pelo abuso, além de comportamentos que podem ser resultado de traumas ou para enganar a si própria de que está tudo bem. Fica, então, o alerta de gatilho para estupro, pois a série pode trazer proximidade para casos reais.

O ato em si é mostrado com flashbacks, uma vez que Arabella foi drogada e não tem total consciência do que aconteceu. A pessoa que é mostrada nessas imagens mentais também não consegue indicar quem foi o responsável por cometer o crime, trazendo à série o elemento de mistério. Enquanto a personagem tenta seguir a vida e superar o que aconteceu, nós também nos distraímos, mas a dúvida de quem pode ter sido está sempre presente, então é impossível não tentar juntar as peças e decifrar logo esse mistério.

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I May Destroy You também conscientiza na hora de mostrar a quem está assistindo o que é considerado um estupro e o que é o consentimento, o que pode mudar de acordo com as leis de cada país, claro. Onde a trama é ambientada, em Londres, a delegacia especializada no caso cita alguns exemplos, fazendo com que Arabella perceba que isso aconteceu mais de uma vez logo depois do crime inicial, o que pode ser um choque para quem não sabia.

Michaela Coel também fala sobre a sua geração, classificada como Millennial, e a sua obsessão por smartphones, internet e por usar causas nobres como engajamento. O primeiro livro da personagem, inclusive, publicado em PDF se chama Chronicles Of A Fed-Up Millennial, algo como "Crônicas de um Millennial Cansado", e isso a transformou em uma microcelebridade no Twitter.

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O crime sofrido por Arabella também traz revelações sobre as pessoas que estão ao seu redor, como Biagio (Marouane Zotti), um namorado (que não quer assumir) que vive na Itália. Por ser traficante de drogas, ele se mostra extremamente incomodado com o fato de ter que ir à polícia para apresentar o seu DNA no caso de investigação, e acaba a culpando por ter sido estuprada. Reação, essa, bastante comum no dia a dia das vítimas.

Os efeitos do trauma são refletidos na carreira, na vida pessoal, no relacionamento com a família e amigos, e passa uma sensação de impotência que é combatida a todo custo. A busca pelo fechamento, então, nos leva ao episódio final, que é bastante impactante. A resolução do caso traz três possíveis encerramentos levados à descoberta de quem foi o estuprador. A percepção dessas três possibilidades, no entanto, fica nítida apenas quando voltamos ao início pela primeira vez.

A primeira probabilidade traz a vingança como resolução, o troco devolvido na mesma moeda, trazendo cenas fortes de espancamento e assassinato, com o corpo da vítima sendo levada para baixo de sua cama, literalmente. A segunda já traz uma outra abordagem, mostrando o acusado como uma pessoa frágil, que está ciente e incomodada da sua obsessão pelo estupro e que provoca o sentimento de empatia em Arabella, fazendo com que ela o leve para a sua própria casa.

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Já na terceira opção, vemos os papéis de gênero impostos desde sempre na sociedade sendo invertidos: ela se aproxima dele no bar, como um homem chega em uma mulher com terceiras intenções, paga uma bebida a ele, terminando a noite o levando para casa e praticando o sexo consensual, uma versão completamente diferente das duas primeiras. O final desta cena dá encerramento às duas anteriores, quando ela diz para ele ir embora e suas duas versões deixam seu quarto: a primeira, espancado e sangrando, e a segunda, nu, após uma interação sem violência e com consentimento.

Assim, finalmente, o "fantasma" de seu estuprador deixa o seu quarto, a sua vida, e essas possibilidades trouxeram inspiração para a continuação do seu livro, que foi um grande desafio do começo até o fim da série. A forma em que o assunto será transformado em julgamentos pode depender da experiência de cada pessoa, visto que são situações criadas de forma real, mas também poética. Tudo é uma questão de interpretação.

A série I May Destroy You fala sobre mulheres, sobre a homossexualidade e os abusos também sofridos por homens gays. Fala sobre o racismo na Europa com propriedade, com a maioria dos personagens sendo negros, assim como a própria Michaela Coel, e fala também sobre os caminhos traçados pelo trauma e da importância da empatia. Tudo isso com o nível de desconforto suficiente para a absorção dos temas, sem exageros ou omissões.

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I May Destroy You está disponível no HBO GO em 12 episódios.