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Crítica | First Cow é um road movie estático e dolorido

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Um road movie é caracterizado, normalmente, por personagens que saem em viagem e, durante esse deslocamento, modificam a perspectiva dos seus cotidianos. As novidades do mundo agem sobre eles enquanto vão sendo descobertas. First Cow, nesse sentido, não é um filme de estrada (trazendo para o português), mas parece carregar, em sua essência, essa identidade.

De algum modo, não é uma escolha velada. Desde a primeira cena, com um enorme navio passando ao seu ritmo, existe a repetição de idas e vindas. Este movimento é potencializado pela ideia estética da direção, que diminui a distância entre as bordas laterais ao utilizar a proporção de tela 4:3, como também pensou Robert Eggers para o recente O Farol (de 2019 e igualmente produzido pela A24). Encurtando a distância a ser percorrida de um lado ao outro, a diretora Kelly Reichardt (de Certas Mulheres – filme de 2016) cria um simbolismo que sintetiza o filme de forma absoluta.

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Regra ou exceção?

Em meio a tudo, Reichardt não deixa de inserir elementos de referência – e uma de suas incursões mais significativas é a adaptação de planos do clássico Cidadão Kane (de Orson Welles, 1941). Em um destes, por exemplo, Cookie trabalha em primeiro plano enquanto King-Lu é mostrado em último plano através da janela de sua casa. Felizmente, a homenagem ao filme de Welles vai muito além do visual, visto que King-Lu é uma espécie de empresário de Cookie, o que o liga a Charles Foster Kane ao mesmo tempo que os separa duramente no que diz respeito, novamente, a oportunidades.

No final das contas, First Cow é um road movie que não sai do lugar. Mas isso é, para além das questões técnicas, a realidade mais dolorosa de quem busca uma ascensão social contra um mundo que prioriza o respeito à riqueza material e à futilidade em detrimento das relações mais sinceras – sendo a amizade a mais expressiva. Essa dualidade, ainda, está presente até mesmo na trilha sonora de William Tyler (seu primeiro trabalho para o cinema), que brinca com uma sonoridade inocente e delicada, mesclando elementos ocidentais com instrumentos orientais, e que pode parecer, às vezes, nem fazer parte do universo do filme.

O que é, novamente, doloroso, visto que, construindo a sensação de que a inocência e a delicadeza estão presentes, Tyler cria a noção de que tudo ficará bem – exatamente o que faz os amigos descansarem e, assim, descortinarem o início de tudo. Se, a esse ponto, o princípio de First Cow surge como um flashfoward, Reichardt, dirigindo e montando, é de um pessimismo que precisa ser encarado: ela revela o quanto a luta da maioria é em vão dentro de um sistema econômico doente que vê os vencedores que vêm de baixo como regra e não como exceção.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Canaltech