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Crítica | Em Godzilla vs. Kong, parece que a pancadaria está só começando

Por| Editado por Jones Oliveira | 14 de Abril de 2021 às 10h28

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Legendary Pictures
Legendary Pictures

É difícil entender como Godzilla vs. Kong conseguiu fazer um épico dessa magnitude. Para quem ainda duvidava da potência do MonsterVerse, este é o filme divisor de águas: ou você gosta das lutas de kaijus/titãs e robôs gigantes, ou não gosta. Paciência. O MonsterVerse parecia um pouco confuso ao reunir Kong e Godzilla, mas agora tudo ficou muito mais claro e muito badass. É como se o que tivéssemos visto do MonsterVerse até agora fosse uma grande temporada, uma fase, um arco, que termina em Godzilla vs. Kong com um gancho maravilhoso para o futuro.

Godzilla vs. Kong dividiu a internet entre dois times, o que foi divertido e proposital, sobretudo para esconder a surpresa que poderia ter espantado alguns espectadores, mas que sabiamente atiçou os fãs que entenderam as pistas inseridas nos trailers. De modo geral, Godzilla vs. Kong é um blockbuster de ação, mas muitos filmes já nos provaram que esse gênero não é sinônimo de roteiro ruim. Pelo contrário, Godzilla vs. Kong consegue trazer muitas informações para o roteiro sem se perder.

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Como o MonsterVerse não é apenas cinematográfico, algumas pontas que parecem soltas podem ser conectadas aos eventos dos jogos, livros, quadrinhos e outras mídias oficiais que criam um enorme quebra-cabeças. Isso tudo, claro, sem contar o que está fora do Monsterverse, como as produções Toho Co. e todo o cânone de Godzilla e Kong que não ditam o que acontece no Monsterverse, mas não deixam de ser reverenciados.

Round 1

Godzilla é um filme que demora para iniciar as cenas de ação. Há um clima de mistério que paira sobre os titãs, mostrados pela primeira vez no MonterVerse cinematográfico. Estamos conhecendo esse novo universo de titãs junto com os personagens, o que de certa forma se repete em Kong: A Ilha da Caveira, quando acompanhamos um grupo de pesquisadores e exploradores. Em Godzilla II: Rei dos Monstros, compreendemos melhor a dinâmica dos titãs e sua treta milenar em todo o globo.

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Tudo isso parece ter sido um paciente exercício de construção da atmosfera de Godzilla vs. Kong (e não duvido que, se houvesse mais investimento, talvez tivéssemos um MonsterVerse cinematográfico ainda mais completo). Para quem está procurando diversão, Godzilla vs. Kong pode ser assistido tranquilamente, com o único intuito de se entreter com a pancadaria e com a beleza das imagens. Para quem quer explorar o MonsterVerse e especular sobre todas as implicações do que estamos vendo, o filme também é um prato cheio.

Este é daqueles raros filmes que conectam espectadores com gostos muito diferentes, como fez outro grande blockbuster Legendary-Warner Bros., o Círuculo de Fogo dirigido por Guillermo Del Toro, que mostrou um modo de homenagear certas nerdices já consideradas "antigas", mas sem negligenciar o espectador que não tem conhecimento das referências. Logo de cara, conhecemos Kong vivendo seu próprio Show de Truman e, daí pra frente, a lista de referências é tão grande que merecia um artigo especificamente para isso.

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A referência a O Show de Truman ajuda a humanizar o personagem instantaneamente, o que é potencializado ainda mais pela inserção da personagem Jia (Kaylee Hottle), com quem Kong consegue se comunicar. Godzilla já havia demonstrado algumas emoções na sua relação com humanos nos filmes anteriores, mas Kong ainda não tinha tido muitas oportunidades de revelar sua psique para os espectadores. Além disso, um bom tempo se passou desde os eventos de Ilha da Caveira e, agora, vemos um Kong muito mais maduro.

Embora o título do filme evoque a importância de Godzilla, o titã com mais filmes no MonsterVerse, o filme é muito mais sobre o outro lado. Kong é a figura mais explorada pelo roteiro e é através da sua trajetória que entendemos melhor o que está acontecendo. A primeira parte do filme mostra apenas que Godzilla está descontrolado, matando pessoas (o que só deve enganar quem conhece pouco o cânone).

Acreditamos nas boas intenções do titã, porque já sabemos um bocado sobre Godzilla, sobre como ele sempre aparece para manter sua coroa, mas deixando claro que não está muito interessado em ficar esmagando humanos. Kong, por outro lado, estava sozinho e isolado na Ilha da Caveira, sendo posteriormente capturado pelos humanos, que o deixam em cativeiro. Não é uma luta muito justa.

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Rumo a uma das entradas para a Terra Oca, temos a primeira grande batalha do filme, uma luta Godzilla versus Kong que realmente evoca o título do filme. Nessa primeira batalha, entendemos que Kong tem algumas vantagens em terra, enquanto Godzilla tem vantagem dentro da água. Obviedades que são tratadas tão bem pela concepção das cenas de ação, que conseguem nos empolgar mesmo com a consiência de que esse não é o clímax da história.

Esse momento é importante não só por dar a pancadaria que queríamos ver, mas por mostrar as vantagens que Godzilla tem sobre Kong, empurrando o gorila gigante para uma jornada de autodescobrimento, como um lutador que se isola para treinar antes da próxima batalha.

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Round 2

Godzilla vs. Kong mostra que não tem porque enrolar, que tem material de sobra para fazer pancadaria com conteúdo e, assim, essa primeira batalha, apesar de já ser incrível, é apenas uma amostra do que está por vir. Quando Kong é levado à Terra Oca, a franquia dá outro salto, inimaginável em tempos de Nolan-hype: o abandono do realismo. O MonsterVerse não parece preocupado em nos entregar algo que seja cientificamente acurado, mas sim criatividade, imaginação, diversão… Afinal, cinema é muito mais arte do que ciência.

Assim, o MonsterVerse assume a Terra Oca como uma ação de ficção científica fantástica, um reconhecimento maravilhoso do que foi nossa ciência algum dia. A inserção do conspiracionista Bernie Hayes (Brian Tyree Henry) na trama ajuda a diminuir o peso científico do filme e incentiva o exercício filosófico de curiosidade. Além disso, sendo ele o alívio cômico do elenco, seu personagem ainda serve como um alerta de “divirta-se agora, pense melhor depois". É tanta ação, que não há espaço para reflexões muito grandes durante o filme, mas nada impede que reflitamos sobre o que despertou nosso pensamento depois de acabada a projeção.

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A teoria da Terra Oca já foi científica, quando ainda não tinha sido cientificamente refutada. Em seu tempo de glória, a teoria influenciou um dos maiores (senão maior) clássico sci-fi de todos os tempos: Viagem ao Centro da Terra, de Júlio Verne. Godzilla vs. Kong insere com sucesso a ideia de que as ficções científicas do passado podem continuar vivas como elementos fantásticos.

É lá, na Terra Oca, que descobrimos que Kong é, por direito, herdeiro de um trono, portanto King (Rei) Kong de algum modo. Nesse ponto, ainda não entendemos muito bem a treta entre os dois titãs mais amados dos humanos, mas é compreensível que Kong fique irritado com a destruição do que restou de seu reino. Agora munido de um machado fabricado a partir de uma placa capaz de absorver o bafo atômico de Godzilla, Kong finalmente acredita que tem uma chance contra o lagartão.

O que a segunda grande batalha nos revela explica também porque Godzilla deixou Kong vivo no primeiro confronto. O titã rei parece compreender a imaturidade de Kong, ainda muito preocupado com sua vida e pouco atento aos desequilíbrios do planeta. Godzilla aparece muito mais como um sábio protetor do equilíbrio dos assuntos titânicos, como um cowboy solitário dos faroestes, que só aparece quando o vilarejo está ameaçado. Será que sua real função é garantir que os monstros não dominem a superfície e, por isso, o interpretamos erroneamente como um "rei" que não aceita o domínio de outro Alfa?

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A existência de Godzilla remonta há milhares de anos, enquanto Kong era apenas um adolescente há algumas décadas. Kong é incrível, mas ainda não é páreo para Godzilla, que precisa usar a força para que Kong entenda que está travando a batalha errada. Mais afeiçoado aos humanos — uma consequência agridoce da sua captura, Kong acaba finalmente entendendo que precisa reprimir seu impulso de matar Godzilla através do pedido de Jia.

Round 3

Kong perde duas batalhas para Godzilla por sua própria imaturidade, mas em momento algum ele é tratado com inferioridade. As batalhas Godzilla versus Kong têm aquele tom que vimos na franquia Rocky: mesmo que Kong perca, sua luta é tão incrível que ele se torna o vencedor para quem está assistindo. Assim, ele se torna um parceiro digno para o Godzilla.

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Juntos, eles conseguem derrotar o que pode ter sido uma grande surpresa para quem não acompanhou o hype e as especulações sobre o filme: o surgimento do MechaGodzilla, maior que o kaiju no qual é baseado. A batalha final, claro é ainda mais espetacular que as anteriores e também não é surpresa alguma que a dupla Kong-Godzilla venceria o primeiro mecha dos humanos.

O que surpreende, no entanto, é a origem do mecha, muito mais apropriado para o público contemporâneo, além de ser uma provável confirmação de outro rumor, agora sobre o futuro do MonsterVerse (que ainda é incerto e depende muito do desempenho de Godzilla vs. Kong aos olhos da Warner Bros. e da Legendary Entertainment).

Seria uma prequela?

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Atenção! Este trecho do texto é puro compartilhamento de especulações e possibilidades.

Nos filmes da Toho, MechaGodzilla é uma criação alienígena feita para iniciar o processo de dominação do planeta. Em uma franquia com monstros e que assume a já refutada teoria da Terra Oca, inserir aliens do nada seria forçar um pouco a barra nesse momento (sobretudo para um público não muito acostumado com esse desdobramento do universo Godzilla).

Durante o esquenta para o lançamento de Godzilla vs. Kong, fizemos a matéria “Godzilla vs. Kong | A cronologia e os filmes que nos trouxeram a este confronto”. Gianfranco Marchi, que colaborou com a matéria, atentou para a possibilidade de a Warner Bros. e a Legendary adicionarem o universo de Círculo de Fogo (dos mesmos estúdios) ao MonsterVerse.

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O que acontece em Godzilla vs. Kong, parece (muito) ser algo nesse sentido. O mecha funciona através de conexões neurais: o que está bem desenvolvido em Círculo de Fogo, ainda é uma tecnologia rudimentar e instável em Godzilla vs. Kong. Além disso, os titãs/kaijus têm uma espécie de telepatia, que se aproxima da ideia de mente compartilhada que vimos em Círculo de Fogo. Somada a isso, a rede de túneis subterrâneos que permitem o surgimento de kaijus por toda a Terra.

Se essa teoria se confirmar, podemos pensar muitas possibilidades incríveis de histórias, que podem envolver o extermínio trágico de Godzilla e Kong, deixando a humanidade sem um protetor e nos empurrando para o desenvolvimento das tecnologias que vimos em Círculo de Fogo, cuja trama parecia preparar um ataque massivo de kaijus no futuro de uma franquia que acabou antes mesmo de se estabilizar.

Detalhes técnicos

De modo geral, Godzilla vs. Kong é um excelente entretenimento e isso fica explicito em cada detalhe, mostrando que, apesar de ser um blockbuster, este é um filme que envolveu o trabalho de muitos artistas apaixonados pelo que fazem.

A trilha sonora é incrível ao ditar o tom de cada momento. Composta por Junkie XL (que fez as trilhas de Deadpool, Mad Max: Estrada da Fúria e Liga da Justiça de Zack Snyder), a trilha sonora de Godzilla vs. Kong é capaz de evocar muita nostalgia (sobretudo através das canções) e atiçar nossa adrenalina, que já está nas alturas com a profusão de ação proposta pelo filme.

É incrível também como a fotografia de Ben Seresin (Guerra Mundial Z), aliada à direção de Adam Wingard (Você é o Próximo), evocam a fotografia, os enquadramentos e ângulos de câmera dos filmes Toho. É sutil, mas quando vistos lutando ao fundo, os titãs e o mecha lembram sutilmente aqueles filmes com pessoas fantasiadas lutando sobre maquetes. Diretor de filmes de terror repletos de homenagens, a reverência aos clássicos é um dos pontos fortes de Wingard.

A fotografia ajuda a estabelecer a ação como gênero de Godzilla vs. Kong e vai além do teal & orange (fotografia ciano e laranja) já tradicional dos blockbusters. Filmes como Drive, Atômica e, principalmente, a franquia John Wick estabeleceram o neon como uma marca estética dos filmes de ação contemporâneos. Os diretores de arte Tom Hammock (Parker) e Owen Paterson (V de Vingança, Matrix) dão uma tremenda mão para a fotografia nesse ponto.

A terceira luta, ambientada em Hong Kong, traz uma versão ainda mais neon dos prédios locais, que evoca a estética dos filmes de ação e ainda nos dá uma atmosfera deliciosamente anacrônica, com uma estética um pouco oitentista e, ao mesmo tempo, um pouco futurista. Inclusive, a escolha da locação é curiosa. Hong Kong é uma ex-colônia britânica cuja sociedade ainda enfrenta conflitos que pedem sua independência da China. Para além das possibilidades de entendimento da política global através de representações cinematográficas, é bastante curioso que o trono de Kong fique exatamente "abaixo" de Hong Kong.

Godzilla vs. Kong faz referências e reverencia o passado, mas também se estabelece como uma franquia consistente e independente. É, ao mesmo tempo, um filme surpreendente e maravilhosamente clichê. Todos os setores pareceram livres para explorar toda gama de coisas que fizessem sentido no filme e, assim, temos referências que vão da clássica imagem de Kong sobre o Empire State até sutis referências visuais a clássicos cult como 2001 - Uma Odisseia no Espaço e Frankenstein. Uma pena não termos tido a oportunidade de lotar nossos cinemas para ver isso tudo acontecer como uma grande experiência coletiva.

*Esta crítica não reflete, necessariamente, a opinião do Canaltech