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Crítica | El Presidente é um retrato tragicômico da corrupção na Fifa

Por| 18 de Junho de 2020 às 08h30

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Divulgação/Amazon Prime Video
Divulgação/Amazon Prime Video

O futebol é o esporte mais popular do mundo e move paixões em todos os continentes, mas nem só de entusiasmo, craques e torcedores fanáticos vive o mundo da bola. Esse universo (quase paralelo) movimenta volumes incontáveis de dinheiro e acaba por dar poder excessivo a quem o controla dos bastidores, bem longe dos olhos da torcida e holofotes dos principais estádios do planeta.

E é sobre isso que trata a série El Presidente, programa original do Amazon Prime Video que conta a história do escândalo conhecido como Fifagate, de 2015. O caso descobriu um esquema de corrupção de US$ 150 milhões em negociações de transmissões de jogos entre seleções e levou para a cadeia figuras da Fifa e de associações nacionais e regionais de futebol, condenados por fraude, suborno e lavagem de dinheiro.

Na ficção, El Presidente consegue retratar de maneira fiel todo o absurdo dos bastidores do futebol mundial. A série chega a ter momentos pitorescos e que são o puro suco da cartolagem, especialmente na América do Sul, deixando em vários momentos a dúvida: isso aconteceu mesmo ou é romantização? Tudo aqui é muito verossímil.

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Tragicomédia sul-americana

Criada pelo vencedor do Oscar Armando Bó, El Presidente acompanha a vida de Sergio Jadué (Andrés Parra), presidente de um pequeno clube chileno que entra meio de gaiato numa eleição para presidência da Associação Nacional de Futebol Profissional do Chile (ANFP) e vence.

O que parecia ser um salto repentino rumo à glória, porém, vai se esfarelando conforme Jadué acessa as reservadíssimas instâncias do poder no futebol sul-americano e mundial. Aos poucos, o chileno vai “entendendo o jogo” e se vê envolto em uma rede de corrupção e malandragens milionárias, até que se torna o pivô do Fifagate.

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Apesar do tema sério e de ser bem didática, quase até óbvia em determinados momentos, El Presidente nunca é sisuda ou professoral demais. Um de seus trunfos para realizar tal feito está no uso da narração em off de Julio Grondona (Luis Margani), o capo do futebol argentino e um dos cartolas mais poderosos do mundo nas últimas quatro décadas.

O curioso é que ele narra os eventos depois de morto, porque a série começa justamente durante o velório do homem que comandou a Associação do Futebol Argentino (AFA) entre 1979 até a sua morte, em 2014. Esse narrador onisciente agrega dinamismo e informação à história com inserções quase sempre didáticas, que situam o espectador e lembram a narrativa usada por Adam McKay em A Grande Aposta e Vice.

Por vezes, pode até parecer explicativo demais, mas isso, assim como algumas cenas meio óbvias e até forçadas, parecem ter um objetivo claro: contextualizar e destacar como os “donos da bola” na, América do Sul e no mundo, são homens velhos e ricos que vivem como verdadeiros monarcas, cheios de regalias e negociatas por baixo dos panos, e distantes da realidade do futebol e da vida no continente.

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Atuações impecáveis

O grande destaque de El Presidente, porém, não está na excelente maneira como a história é contada nem na bizarrice dos fatos ali apresentados, mas na atuação brilhante e impecável de Andrés Parra. Ele encarna Jadué de forma sublime, exibindo sempre um ar de deslocamento que pareceu acompanhar o jovem cartola chileno durante toda a sua curta mas estrondosa passagem na Conmebol e na ANFP.

Espécie de peixe fora d’água tanto na confederação local quanto na regional, Jadué nunca parece exatamente confortável nesses cenários — mesmo com uma espécie de treinamento para atuar sob pressão, ele não se encaixa. Talvez essa "vocação" para uma certa estranheza, também transportada para a série, tenha sido a semente de tudo o que aconteceu em sua vida de cartola. Isso fica claro na série desde o primeiro episódio até o desfecho da história.

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A escolha de Parra, ator colombiano que já havia chamado atenção por representar na telinha outros dois personagens históricos latino-americanos (Hugo Chávez e Pablo Escobar), garantiu à série o tom certo entre drama e comédia. Engraçada na medida, sem cair para a galhofa e até mesmo sem tentar fazer comédia propriamente dita, a atuação de Parra se mostra em completa sintonia com a proposta de El Presidente.

Apesar dos figurões da bola que aparecem na série, como Grondona, os brasileiros e ex-presidentes da CBF Ricardo Teixeira e José Maria Marín e o suíço Joseph Blatter, ex-presidente da Fifa, quem divide de fato o protagonismo com Jadué são a sua esposa Nené (Pauline Gaitán) e a agente do FBI Rosário (Karla Souza).

As duas principais coadjuvantes da série são responsáveis por encorpar o personagem principal, dando profundidade a diferentes facetas de Jadué, e são cruciais para a evolução do protagonista dentro da trama. Elas seguram as pontas também em diferentes momentos, criando os dois núcleos mais reveladores da personalidade do então presidente da ANFP.

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O desafio de contar uma história real

Transpor para a ficção fatos já conhecidos de ao menos boa parte do público não é simples, afinal a ideia não é documentar tudo — ou, ao menos, não apenas isso. Nesse ponto, El Presidente também é um primor, pois intercala momentos do presente e do passado para expor sua visão dos fatos e, com isso, deixa lacunas que vão sendo preenchidas ao longo dos episódios, prendendo a atenção de quem a assiste.

É como se o miolo da história fosse o mais interessante, aquilo pelo qual estamos todos diante da tela aguardando ansiosamente. O fio condutor de tudo deixa um saldo bem positivo, porque o seriado conta o que se propõe a contar sem muita gordura nem sem deixar de lado o compromisso de ser uma boa peça de entretenimento.

El Presidente, portanto, é uma mistura de futebol, belíssimas atuações e bastidores de uma história suja contada de um jeito cômico. Ela tem potencial de agradar mesmo quem não é grande fã de futebol e sua história deve irritar (para não usar um palavrão) aqueles que constantemente veem o seu esporte favorito ser vilipendiado por cartolas e empresários corruptos.