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Crítica | Borat 2 mostra que a realidade é mais assustadora que a ficção

Por| 28 de Outubro de 2020 às 08h45

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Divulgação / Amazon Studios
Divulgação / Amazon Studios

Quando se fala em Borat, a primeira coisa que o público pensa é na comédia escrachada e nas cenas absurdas mostradas no primeiro filme, que foi lançado em 2006. Embora de uma forma mais subjetiva, o personagem de Sacha Baron Cohen trouxe em O Segundo Melhor Repórter do Glorioso País Cazaquistão Viaja à América uma série de críticas ao preconceito tão enraizado na cultura norte-americana, e quando surgiram as notícias de que o segundo filme foi gravado em segredo para ser lançado antes do fim do período de votação para as eleições presidenciais dos Estados Unidos, já era esperado que Borat repetiria a dose.

Em um timing perfeito, o segundo longa já adianta no título o quão absurda é a história que está por vir. O Filme Subsequente de Borat: Entregando um Suborno Prodigioso ao Regime Americano para Beneficiar a Nação que já foi Gloriosa do Cazaquistão inicia com o repórter recebendo uma segunda tarefa que incluiria novamente uma viagem aos Estados Unidos, dessa vez, com a missão de aproximar o presidente cazaque de Donald Trump. Logo nos primeiros minutos, Sacha Baron Cohen verbaliza o típico e já ensaiado discurso de todo eleitor republicano, colocando a culpa do "caos norte-americano" nos dois mandatos de Barack Obama até chegar à eleição de Trump, sem deixar de afirmar que o atual presidente tornou "A América Ótima Novamente", o famoso slogan utilizado em sua campanha em 2016.

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Além disso, a língua afiada do personagem já cutuca diversos nomes ligados a Trump logo no início. Ao mencionar o presidente norte-americano, Borat diz que Jair Bolsonaro é um "líder mundial durão", assim como Vladimir Putin, o ditador norte-coreano Kim Jong-un e o rapper Kanye West, que concorre à vice-presidência do candidato Roque de La Fuente Guerra, do Partido Independente Americano.

Com a companhia da filha Sandra Jessica Parker (Maria Bakalova), Borat entrega na primeira meia-hora de filme a sua mais pura essência humorística e escrachada. Agora sendo considerado um ícone da cultura pop, ele precisa se disfarçar para conseguir andar pelas ruas dos Estados Unidos sem ser reconhecido. É graças a presença de Bakalova, inclusive, que o protagonista se vê com um enorme leque nas mãos para criticar os mais absurdos pensamentos internalizados na sociedade estadunidense (e infelizmente ao redor do mundo), como a limitação de atividades praticadas por mulheres, os fanáticos religiosos e o discurso antiaborto e como as redes sociais podem ditar a feminilidade atualmente.

Para se aproximar do presidente dos Estados Unidos, Borat resolve oferecer a filha como um presente para mais próximas figuras do Republicano, escolhendo inicialmente o vice Michael Pence como sua primeira vítima. Após sujeitar Sandra (também chamada de Tutar) a mudanças na aparência, Sacha Cohen disfarça-se de ninguém menos que Donald Trump e invade um comício político, causando um enorme alvoroço entre os eleitores.

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Diversos fatores são válidos de se analisar nessa cena. O comício acontece no início do ano quando o surto de coronavírus ainda não havia tomado conta dos Estados Unidos, mas já era de conhecimento de Donald Trump e de todo o governo norte-americano a gravidade da doença. Pence em seu discurso afirma que "nas últimas semanas havia somente 15 casos de COVID-19 no país", indo contra aos 8 milhões de infectados hoje. O vice de Trump ainda indica tranquilamente que o presidente "está preparado para enfrentar doença."

Correndo contra o relógio e fazendo o máximo para não ser executado pelo Presidente do Cazaquistão, Borat resolve partir para cima do ex-prefeito de Nova York e atual advogado de Donald Trump, Rudy Giuliani. Para não cometer o mesmo erro, o repórter leva a filha a uma clínica de cirurgias plásticas, disposto a desembolsar mais de US$ 20 mil em procedimentos estéticos e enquadrar Tutar dentro dos padrões de beleza estabelecidos pela mídia.

São nesses tipos de cena que Borat extrai o discurso negacionista e intolerante norte-americano para criticar e satirizar de uma forma quase didática. Assim como numa história de ficção qualquer, Tutar acaba descobrindo sozinha as suas capacidades e direitos como mulher, enquanto, por outro lado, o personagem de Sacha Cohen precisa lidar com as consequências das mentiras de caráter conservador que ensinou para a filha durante a vida inteira.

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É necessário elogiar o desempenho de Maria Bakalova também. A atriz é responsável por protagonizar a maioria das cenas da sequência, como por exemplo, o momento em que decide invadir um encontro de eleitoras do Partido Republicano. Ao interromper uma fala de outra integrante do grupo que afirmava que declínio do conservadorismo nos Estados Unidos é grande fator responsável pela queda da taxa de natalidade entre as famílias, Tutar resolve discursar a uma plateia composta 100% por mulheres brancas e de terceira idade sobre os benefícios do prazer feminino, que mesmo em 2020 ainda é considerado um tabu em diversos países.

Borat ainda abre espaço diversas vezes para criticar o "emburrecimento da população", que decide descreditar os portais jornalísticos e acreditar em informações publicadas no Facebook, citando, por exemplo, que o Holocausto nunca aconteceu. Ainda aproveitando esse assunto, Sacha Cohen se "disfarça de judeu" na mais estereotipada forma e decide tirar a própria vida indo a uma sinagoga para segundo ele "esperar o próximo tiroteio em massa."

Mesmo sem verbalizar uma única palavra, Borat ainda encontra espaço para criticar o armamento da população estadunidense, tão defendido por Donald Trump e reafirmado por Jair Bolsonaro em seus planos de governo. Antes de se encontrar com dois eleitores do Partido Republicano, Sacha Cohen caminha pelas ruas vazias até ser informado do período de quarentena por conta da pandemia de COVID-19.

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Ao se infiltrar na casa dos eleitores, Borat inicia (e incentiva) os mais absurdos discursos praticados pelos republicanos. Desde culpar afirmar que "coronavírus é invenção de liberal" quanto reproduzir a especulação de que a Família Clinton possui um programa de tráfico de crianças, destinado a matá-las e beber seu sangue. São nesses minutos que Borat resolve abordar talvez o mais sério problema na eleição de Donald Trump em 2016, a criação e popularização do QAnon e suas teorias conspiracionistas contra celebridades e políticos do Partido Democrata.

O Filme Subsequente de Borat: Entregando um Suborno Prodigioso ao Regime Americano para Beneficiar a Nação que já foi Gloriosa do Cazaquistão pode não possuir o mesmo humor escrachado do primeiro filme, mas diverte tanto quanto. Mas o grande diferencial do anterior é justamente a quantidade de vezes que o protagonista coloca o dedo na ferida e no orgulho norte-americano, criticando diversas vezes os mais conservadores pensamentos tal como o tráfico de crianças, que os usuários do QAnon juram tanto defender.

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Borat ainda encontra margem para criar os mais absurdos pensamentos e teorias (em formato de crítica social, é claro) como se culpar pela proliferação do novo coronavírus e ainda comparecer a uma marcha pró-Trump e anti-isolamento. Como se não bastasse, o filme acabou flagrando um ato de assédio sexual de Rudy Giuliani nas cenas finais, que já acusou Sacha Cohen de manipular as imagens. Além disso, o filme deu uns minutinhos de participação especial para Tom Hanks, primeira celebridade que foi infectada com o novo coronavírus e um dos principais alvos de teorias conspiracionistas do QAnon e fortaleceu a mensagem para a população comparecer às urnas norte-americanas esse ano.

Repleto de comédia, sátira e desmascarando o falso moralismo norte-americano Borat entretém na medida certa, além de irritar os "críticos da lacração" e cumprir o mais perfeito timing de lançamento. O filme está disponível no catálogo do Prime Video.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Canaltech.