O leão da cibersegurança: por que as empresas ainda correm devagar?
Por Arthur Capella |

Imagine uma savana. Há um leão à espreita observando um grupo, ele não vai atacar todos ao mesmo tempo, mas escolher a presa mais vulnerável, a que parece menos preparada, aquela que vacila por um instante. Essa metáfora traduz com precisão o cenário atual da cibersegurança, não é preciso ser invencível para sobreviver, apenas estar mais preparado que o seu concorrente.
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O desafio é que muitas empresas ainda acreditam poder construir defesas impenetráveis. Mas nenhuma fortaleza é perfeita. O verdadeiro diferencial está em reconhecer que a falha é inevitável — e estar pronto para reagir com rapidez e consciência quando ela acontecer. Não se trata de baixar a guarda, mas de equilibrar ambição com realismo: buscar a melhor proteção possível, sem ignorar que resiliência nasce da antecipação e da adaptação.
Em vez de compreender o risco, muitas organizações multiplicam ferramentas, painéis e relatórios. Criam uma sensação de proteção, mas deixam brechas expostas. Do ponto de vista do atacante, ele sempre atacará o ponto de menor resistência — o servidor desatualizado, a conta esquecida, o credencial mal gerenciado.
O equívoco começa na forma como se encara o risco. Durante muito tempo, as áreas de segurança foram vistas como “a turma do não”, aquelas que travavam a inovação, barravam novas ferramentas e limitavam o uso de tecnologia. Hoje, o papel da cibersegurança é o oposto, viabilizar o negócio, entender o que é mais crítico à operação e proteger o que realmente gera valor. O profissional de segurança precisa ter visão de negócio, traduzir siglas e jargões técnicos em uma linguagem de risco compreensível ao board e, principalmente, priorizar o que tem maior impacto potencial.
A armadilha da segurança por acúmulo
Em outras palavras, não se trata de investir em tudo, mas de investir certo. É um erro comum distribuir recursos em soluções desconectadas da realidade operacional, como se acumular tecnologias significasse estar mais seguro. O foco deve ser entender quais ativos são vitais, onde estão as brechas mais prováveis e quais caminhos o atacante percorreria para chegar até eles. Em cibersegurança, como na savana, o ataque raramente ocorre de forma aleatória. Ele segue a lógica do retorno sobre o investimento, o hacker, como o leão, escolhe a vítima mais acessível, aquela cuja defesa exige menos esforço.
A busca pela invulnerabilidade é uma armadilha, pois é impossível proteger tudo, porque não há dinheiro, tempo ou equipe suficientes. O desafio real é estabelecer prioridades. O papel da segurança é justamente equilibrar urgência e importância, protegendo com prioridade o que, se comprometido, trará maior prejuízo ao negócio. Isso vale tanto às empresas privadas quanto às organizações públicas, que hoje concentram volumes crescentes de dados críticos.
Tecnologia sem cultura é defesa vazia
Outro ponto essencial é compreender que tecnologia sozinha não basta. Sem processos e sem pessoas preparadas, qualquer defesa tecnológica se torna ineficaz. Muitos ataques ainda exploram falhas humanas, seja por falta de conscientização, por descuido ou até insatisfação interna. Cibersegurança é, antes de tudo, cultura e ela precisa ser fortalecida continuamente, como se fosse um treino de sobrevivência diante do leão que nunca deixa de rondar.
Com nossa experiência em gestão de vulnerabilidades, trabalhando com o conceito de risk-based security (segurança baseada em risco), aprendemos que em vez de medir o sucesso pelo número de vulnerabilidades encontradas, o importante é compreender quais delas realmente representam ameaça ao negócio. O objetivo é dar visibilidade total ao ambiente digital, avaliar o impacto real de cada falha e orientar as equipes a corrigirem primeiro o que é mais crítico. É uma estratégia de eficiência, entender onde o leão está e se preparar para impedi-lo de avançar.
Essa lógica ajuda as empresas a abandonarem a mentalidade da fortaleza e adotarem uma visão de resiliência. Ao priorizar riscos, manter visibilidade contínua e agir rapidamente sobre as vulnerabilidades mais perigosas, é possível reduzir drasticamente a probabilidade de ser o primeiro alvo. A metáfora do leão, portanto, mais do que uma figura de linguagem, é um alerta estratégico, um chamado à ação em um campo no qual hesitar custa caro. Em cibersegurança, não se trata de ser invencível, mas de ser menos vulnerável do que os outros. Porque quando o ataque vier, e ele virá, a diferença entre ser a presa ou escapar, depende da preparação prévia.
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