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Metrô de SP é condenado por captar expressões faciais sem consentimento

Por| 30 de Maio de 2023 às 10h00

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Divulgação/Governo de São Paulo
Divulgação/Governo de São Paulo

*em coautoria com Douglas Menezes

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a condenação da Concessionária da Linha Amarela de São Paulo, ViaQuatro, por utilizar tecnologia para captação de imagens de usuários para fins comerciais e publicitários.

O caso data de 2018, quando, em abril daquele ano, a empresa decidiu usar câmeras para ler e interpretar expressões faciais dos usuários do metrô. Após cinco meses, em setembro, a concessionária recebeu uma ordem para cessar a coleta de dados e passou a responder na Justiça pela prática.

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Entenda o caso

O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) propôs ação civil pública contra a concessionária ViaQuatro. A empresa anunciou a instalação de portas de plataformas interativas nas estações Luz, Paulista e Pinheiros, da Linha 4 Amarela, com funcionamento durante todo o horário de operação da linha.

A tecnologia implementada nas portas reconhecia a presença humana e identificava a quantidade de pessoas que passavam e olhavam para a tela, com objetivo de identificar emoção (raiva, alegria, neutralidade), gênero e faixa etária das pessoas posicionadas em frente ao sensor.

O sensor foi posicionado acima de uma propaganda publicitária, possibilitando a captação da emoção do usuário no momento exato da reprodução da propaganda.

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Segundo o Idec, essa prática é uma espécie de “pesquisa de mercado automatizada” que não conta com a ciência do participante, tampouco com a sua autorização ou concordância, permitindo a obtenção de receita com a venda desses dados para terceiros, que podem então direcionar suas estratégias de publicidade a partir das reações identificadas.

Falta de transparência

O autor da ação ressalta que a concessionária não forneceu dados e informações claras previamente à instalação da tecnologia, tampouco sobre o funcionamento das portas interativas.

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Destaca que a comunicação da nova tecnologia se limitou a uma nota à imprensa divulgada poucos dias antes de sua instalação, sem grande divulgação, reproduzida em poucos meios de comunicação especializados.

O autor juntou ao processo matéria publicada no portal CityLab com o seguinte título: “The Metro Stations of São Paulo That Read Your Face”, que contou com uma declaração do presidente da ViaQuatro, que afirma que as portas fazem parte de um projeto experimental com dois anunciantes exclusivos durante um ano: a multinacional LG e a empresa farmacêutica HyperaPharma.

O que pedia o Idec?

Diante dos fatos e provas, o IDEC solicitou a proibição de coleta e tratamento de imagens e dados biométricos tomados, sem prévio consentimento, de usuários das linhas de metrô operadas pela ré, implementados em sete estações da Linha 4-Amarela: Luz, República, Paulista, Fradique Coutinho, Faria Lima, Pinheiros e Butantã.

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Além disso, o instituto requereu concessão de tutela de urgência para que fosse cessada a coleta de dados das portas interativas digitais imediatamente à propositura da ação, devendo a ViaQuatro comprovar o desligamento das câmeras, sob pena de multa diária, o que foi deferido pelo juiz responsável pelo caso em setembro de 2018, antes da decisão definitiva.

Por fim, o IDEC pediu a condenação da concessionária

  1. a não utilizar dados biométricos ou qualquer outro tipo de identificação dos consumidores e usuários do transporte público;
  2. ao pagamento de indenização pela utilização indevida da imagem dos consumidores;
  3. indenização por danos coletivos em valor não inferior a R$ 100 milhões.

Qual foi a defesa?

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Em sua defesa, a concessionária alegou que as portas digitais interativas não captam imagem definidas atribuídas a pessoas identificadas, mas apenas detecta rostos e expressões. Alegou que as portas interativas não faziam reconhecimento facial e apenas detectavam rostos, classificando em categorias de expressões, gênero e biotipos.

Por fim, afirmou que não houve armazenamento de imagens nem tratamento de dados pessoais, uma vez que só coletava dados para fins estatísticos. Defendeu a legalidade das instalações, pois a concessionária do Metrô permite receitas advindas dessa atividade publicitária.

O que decidiu a Justiça de SP?

Para a juíza do caso, Patrícia Martins Conceição, não houve dúvida de que havia equipamentos de gravação com a detecção da imagem dos usuários, bem como captação e reconhecimento de informações como gênero, faixa etária, reação à publicidade veiculada no mesmo equipamento, entre outros, sem conhecimento e consentimento dos usuários, para fins comerciais que beneficiavam a ViaQuatro e a empresa por ela contratada.

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Destacou que “no caso, a possibilidade de reconhecimento facial, a detecção facial, a utilização das imagens captadas dos usuários do metrô, com evidente finalidade comercial, assim como a ausência de prévia autorização ou mera cientificação para captação da imagens, revela conduta bastante reprovável capaz de atingir a moral e os valores coletivos, principalmente considerando o incalculável número de indivíduos que transitam pela plataforma da requerida diariamente, inclusive crianças e adolescentes, cuja imagem goza de maior e notória proteção, nos termos do artigo 17 do ECA.”

Como um dos fundamentos para a condenação da ViaQuatro, a juíza destacou a violação à LGPD (Lei nº 13.709/2018), que estabeleceu proteção especial aos dados pessoais sensíveis. Segundo a lei, só é autorizado o tratamento deste tipo de informação mediante autorização explícita do titular, ou, sem o consentimento do titular, nas situações elencadas no inciso II do artigo 11 da LGPD. Nenhuma das hipóteses se enquadra no caso.

A condenação da ViaQuatro

O caso foi julgado procedente em parte, ou seja, não houve o acolhimento a todos os pedidos, mas ficou determinado que:

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  1. a ViaQuatro deve se abster de captar imagens, sons e quaisquer outros dados pessoais dos consumidores usuários, confirmando a liminar concedida;
  2. caso a concessionária deseje readotar as práticas condenadas no processo, deverá obter o consentimento prévio dos usuários mediante informação clara e específica sobre a captação e tratamento dos dados, com adoção das ferramentas pertinentes; e
  3. que a concessionária seja condenada ao pagamento de indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 100 mil

Ambas as partes recorreram da decisão. Ao analisarem o caso, os desembargadores decidiram manter a condenação da concessionária, bem como aumentar o valor da indenização por danos morais coletivos para R$ 500 mil, revertidos para o Fundo de Despesas de Direitos Difusos (FDD). O caso ainda é discutido em juízo, tendo sido apresentados recursos em segunda instância.

Verifica-se que o problema central foi a ausência de prévio consentimento dos consumidores diante da prática de coleta, utilização e armazenamento dos seus dados pessoais pela plataforma digital implantada pela concessionária nas estações de metrô.

A condenação mantida e a indenização aumentada (até o momento da publicação desse artigo) acenderam o alerta e demonstraram que o assunto tem potencial para mudar muito a nossa vida! Quando o tema é a tecnologia e o seu poder de alcance, agravado pela detecção de risco aos consumidores, é preciso cautela, agilidade, base legal e atenção para o que algumas empresas pretendem fazer a partir dos avanços tecnológicos e qual o benefício para a coletividade.

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Outro ponto que desperta reflexão: se o consentimento tem posição de destaque na escala de importância, é preciso que nós, consumidores, tenhamos a compreensão do que podemos, de fato, autorizar e qual o impacto disso. De um lado há que se ter ética, transparência, clareza e legalidade. De outro, sabedoria e educação para que se possa decidir qual caminho tomar, se o da concordância ou não.