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Entregador de iFood pode subir até o apartamento? Veja o que diz a Justiça

Por| 04 de Abril de 2023 às 10h00

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Norma Mortenson/Pexels
Norma Mortenson/Pexels

*Escrito em coautoria com Roberta Paiva

Recentemente, um vídeo de uma cliente discutindo com um entregador do iFood viralizou, rendendo muita discussão e reflexão sobre os possíveis desdobramentos do desejo de que moradores tenham suas entregas no conforto das suas portas.

De fato, o assunto deu pano para manga e rendeu até o banimento da usuária da plataforma, como noticiou o Canaltech.

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Resolvemos trazer o assunto para nossa coluna com enfoque no interesse do condomínio, ou seja, da coletividade, lembrando que há norma própria que regulamenta os direitos e deveres de todos que vivem e/ou transitam numa comunidade condominial: sua convenção ou regimento interno.

E antes de que os moradores saiam batendo boca com porteiros, síndicos e entregadores exigindo supostos direitos, é importante entender as regras aplicáveis nessa relação triangular (e até quadrangular), onde figuram os residentes do condomínio, o condomínio (representado pelo síndico), os entregadores e os aplicativos de entrega.

Para nortear essa relação temos a convenção, o regimento do condomínio, as regras (termos de uso) dos aplicativos e o Código de Defesa do Consumidor (CDC). Os regramentos aplicáveis às relações existentes devem ser compatibilizados entre si, com técnica e bom senso.

O que diz o iFood?

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Muitas confusões e até mesmo brigas ocorrem pela crença de alguns clientes de que o entregador teria o dever de subir até o apartamento e finalizar a entrega em mãos. Porém, conforme esclareceu o iFood, essa obrigação não existe. O app recomenda que a entrega seja feita fora das áreas privativas por questão de segurança.

Logo, não é obrigação do entregador deixar a encomenda na porta do usuário. O aplicativo sequer poderia assumir tal dever em seu regulamento, já que pode enfrentar proibição de assim agir junto a condomínios cujas regras próprias não admitam que entregadores se dirijam aos apartamentos.

O que diz o Rappi?

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O aplicativo Rappi, por exemplo, permite que o cliente solicite a entrega na porta do apartamento, porém, evidentemente, essa permissão deve guardar compatibilidade com as regras do condomínio no qual o consumidor mora.

O que diz o Código de Defesa do Consumidor?

A importância do CDC nessa situação é para que a informação sobre o serviço seja a mais clara e completa possível, inclusive com a informação aplicável sobre a entrega. Logo, a nosso ver, o aplicativo não pode prometer algo que esbarrará em regramento próprio do condomínio, que é soberano com relação à contratação privada feita por morador.

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O que dizem as normas condominiais?

Chegamos às convenções e regimentos internos dos condomínios, ou até mesmo à decisão externada em assembleia de moradores onde houve convocação específica para se deliberar sobre esse assunto. É preciso examinar as regras de cada condomínio isoladamente para identificar possíveis restrições à circulação de entregadores e prestadores nas áreas comuns. Também pode haver limitação ou a imposição de determinadas regras para o recebimento de encomendas.

É importante destacar que, no caso de omissão da convenção ou do regulamento interno do condomínio, o assunto deve ser tratado com muito cuidado por envolver tema sensível à coletividade: sua segurança!

Sem contar que o síndico pode expedir regras de segurança e circulação, dentro de um contexto maior de interesse para a proteção do grupo, detalhando e prevendo medidas, horários e até a forma e local de entrega das compras, se for o caso, como no caso de condomínios que têm espaço reservado para isso no portão próprio ou até mesmo gaiolas para colocação das entregas. Evidentemente é interessante que o assunto seja votado em assembleia por se relacionar à rotina dos moradores.

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Então, antes de sair bradando aos quatro ventos que não existe restrição condominial à circulação de terceiros para a realização de entregas e que, portanto, a subida do entregador seria certa, é importante ir com calma, já que é interesse de todos regular esse tipo de assunto que tantos desdobramentos pode gerar para o condomínio.

Como a Justiça lida com a situação?

Para ilustrar, trazemos abaixo alguns julgados do Tribunal de Justiça de São Paulo a respeito do assunto.

Neste primeiro caso, uma moradora ingressou com ação contra o condomínio e perdeu. Isso porque o tribunal entendeu que a vontade do condomínio é soberana e que a mulher só poderia permitir a entrada dos entregadores mediante autorização expressa do condomínio:

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Apelação – Ação de obrigação de fazer cumulada com indenização por danos morais – Condomínio edilício – Entrada de entregadores de delivery proibida – Aplicação de multa – Regularidade – Danos morais não configurados – Improcedência mantida. A vontade do condomínio como um todo é soberana. Logo, não pode a autora permitir a entrada de entregadores no condomínio sem que lhe houvesse sido concedida autorização expressa, que somente pode ser concedida pelo próprio condomínio. - Não se vislumbra qualquer irregularidade ou abusividade do condomínio ao aplicar a multa ante à infração cometida, tampouco ao impedir a entrada dos entregadores que a autora insiste em permitir, pois, enquanto moradora do condomínio, deve obedecer a todas as regras, assim como os demais moradores. - O dano moral passível de indenização é aquele que se caracteriza pela ofensa à integridade mental e moral da vítima e não por meros aborrecimentos por ela enfrentados. Não ficou demonstrada a alegada humilhação sofrida em razão do cumprimento da norma condominial, tampouco em razão dos alegados xingamentos proferidos em face de seu filho, pois "ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio" (art. 18, do CPC), sendo certo que o dano moral diz respeito ao foro íntimo do indivíduo. Tenha-se que não se pode perder de vista a finalidade do dano moral: reparar a dor, vexame ou humilhação que fuja da normalidade, impondo sofrimento exacerbado à vítima, causando-lhe sérios transtornos de ordem psicológica, o que não se vislumbra no presente caso. Apelação desprovida, com observação. (TJSP; Apelação Cível 1016166-92.2020.8.26.0001; Relator (a): Lino Machado; Órgão Julgador: 30ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional I - Santana - 9ª Vara Cível; Data do Julgamento: 27/03/2021; Data de Registro: 27/03/2021)

No segundo caso, um condômino, também inconformado com a proibição do condomínio, ingressou com ação para que não fosse impedida a entrada de pessoas em seu apartamento para a realização de entrega. O morador também perdeu a ação.

AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER PRETENSÃO DE CONDÔMINO VISANDO QUE O REQUERIDO SE ABSTENHA DE IMPEDIR A ENTRADA DE PESSOAS DESDE QUE AUTORIZADAS POR ELE VIA INTERFONE DE SUBIREM AO SEU APARTAMENTO INDEPENDENTE DE SER, OU NÃO, ENTREGADOR - PROIBIÇÃO DELIBERADA EM ASSEMBLÉIA CONDOMINIAL E EXPRESSA NO REGIMENTO INTERNO DO CONDOMÍNIO - DECISÃO BEM FUNDAMENTADA - RATIFICAÇÃO NOS TERMOS DO ARTIGO 252 DO REGIMENTO INTERNO DESTE E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA-IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. (TJSP; Apelação Cível 0021682-91.2011.8.26.0562; Relator (a): Cesar Luiz de Almeida; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santos - 5ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 01/10/2014; Data de Registro: 02/10/2014)

E, por fim, trazemos um exemplo do que pode ocorrer nas relações entre entregadores e consumidor, considerando a entrega em condomínio:

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PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS - RESPONSABILIDADE CIVIL - FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS - LEGITIMIDADE PASSIVA DA RÉ - PRELIMINAR REJEITADA - ENTREGADOR CADASTRADO NA PLATAFORMA DIGITAL DA EMPRESA RÉ - RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA RÉ PELOS DANOS CAUSADOS AO CONDOMÍNIO AUTOR, EQUIPARADO A CONSUMIDOR NO CASO - ENTREGADOR CADASTRADO NO APLICATIVO 'IFOOD' QUE DESTRÓI EQUIPAMENTO DE INTERFONE/BIOMETRIA DO CONDOMÍNIO POR NÃO CONSEGUIR EFETUAR DE PRONTO A ENTREGA DA ENCOMENDA AO MORADOR - DETERMINAÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES MANTIDA - RECURSO NÃO PROVIDO. Considerando ser incontroverso o ato ilícito causado por entregador parceiro cadastrado no aplicativo da ré, que destruiu equipamento de interfone/biometria do edifício autor ao não conseguir realizar a entrega do produto adquirido através da plataforma da empresa ré, de rigor o reconhecimento da responsabilidade objetiva do aplicativo da ré, com fulcro no art. 14 do CDC, que decorre do risco da atividade, devendo suportar os danos materiais levados a efeito pelo entregador, razão pela qual, se mantém a condenação atinente ao ressarcimento dos danos materiais demonstrados. (TJSP; Apelação Cível 1029410-48.2021.8.26.0100; Relator (a): Paulo Ayrosa; Órgão Julgador: 31ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 25ª Vara Cível; Data do Julgamento: 10/06/2022; Data de Registro: 10/06/2022)

É claro que não se pode generalizar, porém, mostra-se acertada a cautela adotada pelos condomínios, em geral, como também a recomendação do iFood. Isso porque, conforme se verifica no caso real acima, o aplicativo foi condenado a responder pelos danos causados por entregador ao equipamento do condomínio.

Esse caso nos permite ir além e pensar, inclusive, na divisão de responsabilidade entre o aplicativo de entrega e o condômino responsável pela autorização de entrada de entregador em sua unidade, para situações problemáticas que venham a ocorrer nas áreas comuns ou mesmo privativas que tenham sido acessadas pelo entregador.

Logo, não se mostra sem razão a existência de certa restrição de acesso nos condomínios. Exceções pontuais ou mesmo permanentes que envolvam condições especiais de algum morador podem e devem ser tratadas com sensatez, excepcionalidade e como forma de facilitar o dia a dia desse morador, integrando sua rotina, mediante regras próprias. Porém, não se pode generalizar para todo e qualquer caso.