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Crítica Triângulo da Tristeza | Uma caricatura de uma sociedade já corrompida

Por  • Editado por Jones Oliveira | 

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Diamond Films
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O poder corrompe. Essa é uma máxima já bastante batida e usada à exaustão no cinema, mas que ganha novos contornos em Triângulo da Tristeza, novo filme de Ruben Östlund que chega aos cinemas nesta semana com três indicações ao Oscar — incluindo Melhor Filme e Melhor Diretor. A partir de uma sátira bastante ácida que não tem medo de avançar pelo constrangedor e escatológico, o cineasta expõe os absurdos que não apenas os ricos, mas toda nossa sociedade constrói e reproduz nessa ânsia constante de estar acima dos demais.

E o que mais impressiona é o modo como ele faz isso. Embora seja difícil classificar o longa como uma comédia, ela usa toda a lógica e a estrutura do gênero para passar uma mensagem bastante contundente. O humor está presente do início ao fim da trama, mas não como um recurso para divertir o público — muito pelo contrário. São situações tensas que, de tão absurdas, se tornam engraçadas.

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Triângulo da Tristeza não tem medo de constranger e até soar de mau gosto em alguns momentos em sua missão de apontar o dedo para situações, comportamentos e padrões que não apenas aqueles personagens apresentam, mas o mundo como um todo. Essa viagem catastrófica em um iate de luxo nada mais é do que um passeio pelo horror que nós mesmos nos tornamos e que nos lembra, no fim de tudo, o quanto essa busca incessante por poder é algo que só nos faz naufragar enquanto sociedade.

Uma caricatura do presente

O fato de o filme ser dividido em três partes deixa esse tom de denúncia satírica bem mais evidente, sendo que cada um desses blocos vai focar em um tipo de poder do cotidiano.

A primeira delas é inteiramente focada no casal Carl (Harris Dickinson) e Yaya (Charlbi Dean). Ambos são modelos, embora em níveis diferentes de sucesso. Ele acaba de ser dispensado da agência para a qual trabalhava. Ela, por outro lado, vive o melhor momento da carreira nas passarelas e como influenciadora digital.

Apesar disso, ela não esconde o fato de querer manipular o rapaz e fazê-lo pagar suas contas. Ela deixa claro logo de início o quanto o poder é algo viciante — o que faz com que ela mergulhe de cabeça nesse mundo de aparências em busca de seguidores para construir uma imagem que lhe dê ainda mais controle sobre as pessoas.

É uma situação simples, mas que deixa bem claro o tipo de situação que o filme como um todo vai apresentar — e que funciona como um prólogo para o que está por vir. É a partir dessa segunda parte, quando eles embarcam de fato no tal cruzeiro, é que a gente vê como esses dois não são nada no mundo dos verdadeiramente poderosos.

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Vai ser a bordo desse iate que Triângulo da Tristeza vai abordar os verdadeiros exageros e absurdos que o poder é capaz de criar, principalmente o econômico — distorções da sociedade que são escancaradas a todo momento a partir do microcosmos de um barco.

E são vários os tipos desses poderosos caricatos que dão as caras, do empresário solitário que não se importa em esbanjar dezenas de milhares de dólares para impressionar mulheres ao bilionário russo que não se preocupa com nada — nem com a própria aparência —, pois o dinheiro fez dele um ser que transcendeu a tudo isso.

E o grande acerto do filme está em mostrar como, apesar dessa suposta aura que a riqueza dá a esses indivíduos, todo esse estilo de vida de excessos e aparência é ridículo. Embora se vejam como superiores — mesmo quando fingem uma certa empatia com quem consideram inferiores —, o longa faz questão de frisar o quanto esse exagero oferecido pelo privilégio econômico apenas os descola da realidade e de sua própria humanidade.

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Por isso mesmo, é até difícil chamar esses passageiros de personagens. Eles são, na verdade, grandes caricaturas da nossa sociedade que estão ali apenas para escancarar essa mensagem. O roteiro não se preocupa em momento algum em desenvolvê-los para além da piada que eles são (ou que representam) — e isso está bem longe de ser um demérito. Na verdade, é o que dá mais força a esse humor tão peculiar que Triângulo da Tristeza apresenta.

Algumas dessas caricaturas são bem óbvias, como o casal de simpáticos velhinhos que formaram sua fortuna vendendo bombas e financiando guerras pelo mundo. Mas há vários outros que estão ali com mensagens mais sutis, mas que também são parte dessa distorção que o dinheiro causa. No fim, todos estão corrompidos pela própria soberba baseada em suas contas bancárias.

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Ao mesmo tempo, Ruben Östlund faz questão de nos lembrar que, apesar de toda essa aura de inalcançáveis que esses indivíduos acreditam ter, o dinheiro não impede que eles sejam humanos como qualquer um. E, para deixar isso bem claro, o filme faz questão de deixar todo mundo nadando literalmente na própria bosta para deixar esse discurso mais do que claro.

Sem medo de se tornar de mau gosto, ele mostra que, na dor de barriga, todo mundo é igual nessa terra. E, a partir disso, o roteiro passa a subverter essa lógica de que o poder econômico os torna invulneráveis às mazelas da vida cotidiana.

Tudo pertence a quem tudo produz

É diante dessa subversão que Triângulo da Tristeza traz o ápice de sua tese. É a partir do naufrágio do iate que o filme escancara que, no fim das contas, o poder econômico não serve de absolutamente nada diante da vida. O dinheiro não vai fazê-lo aprender a nadar ou tirá-lo do meio do oceano, tampouco serve de algo quando você está preso em uma ilha deserta.

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É nessa situação de náufrago que o longa traz seu discurso mais interessante: o da luta de classes. Os pensamentos marxistas perpassam o filme como um todo — sendo bem evidente na loucura do capitão Smith (Woody Harrelson), que dá uma aula sobre o assunto em meio ao naufrágio —, mas se torna mais evidente quando o grupo tenta sobreviver na selva.

Acostumados a sempre serem servidos, esses ricaços se tornam completos inúteis diante de uma situação de necessidade real. Sem saber como se abrigar ou arranjar comida, eles passam a depender da única pessoa apta para isso — a camareira do navio. E é quando esse conceito quase utópico que a gente viu nas aulas de História e Sociologia ganha forma.

Abigail (Dolly De Leon) sabe pescar, caçar e construir as ferramentas necessárias para que eles não morram de fome. Só que ela tem total consciência de classe e entende que, enquanto ela era apenas uma criada invisível no mundo de antes, agora é ela quem detém os meios de manter todo mundo vivo — e, assim, assume o comando dessa nova sociedade de ilhados.

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Trata-se de um exemplo bem prático desse conceito que é tão debatido de forma quase abstrata no meio acadêmico. Triângulo da Tristeza torna a ideia concreta e faz com que ela funcione perfeitamente tanto como forma de ilustrar o pensamento como também para gerar esse humor de incômodo que marca a película como um todo. Afinal, em que medida nós somos tão inúteis quanto todos ali?

Ao mesmo tempo, o filme não cai na armadilha de abraçar um discurso panfletário de centro acadêmico. Ainda que deixe evidente o poder vindo das relações de trabalho, essa tomada de poder da classe trabalhadora não vem sem crítica.

Fazendo uma alusão à própria União Soviética que vira centro do debate a bordo do iate, Abigail também é corrompida pelo poder que ela conquista. Depois de passar uma vida sendo pisada por gente como os demais durante sua vida toda, ela finalmente inverteu o jogo e gosta dessa influência que possui. E, assim como todos eles, passa a jogar de modo a manter seus próprios privilégios.

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A bordo com desconhecidos

Esse discurso bastante denso envolto em uma roupagem quase insana só funciona graças ao excelente trabalho de Ruben Östlund de dirigir um elenco tão variado e, ao mesmo tempo, desconhecido de forma que essa loucura faça sentido. Sem um nome de peso no elenco — Harrelson é o único ator mais conhecido e, mesmo assim, aparece relativamente pouco nas quase 2h30 de filme —, trata-se muito mais de um trabalho de direção do que de grandes atuações.

Até porque, como dito, ninguém ali é um personagem que exija muita profundidade. Ao mesmo tempo, fazer com que essas caricaturas funcionem não é tarefa simples e o diretor mostra por que foi indicado ao Oscar ao coordenar essa Torre de Babel de forma tão eficiente.

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Afinal, é um trabalho realmente digno de nota fazer uma sequência de quase 10 minutos com pessoas evacuando por todos os lugares possíveis sem soar desnecessário ou apenas nojento. Não que a coisa toda seja menos grotesca, mas faz parte da mensagem que Triângulo da Tristeza constrói.

No fim das contas, todo mundo ali faz parte do que há de pior em nossa sociedade — todos já são podres e imundos, contaminados por esse poder que julgam ter. A mosca que o tempo todo passeia pela tela o tempo todo é o maior sinal disso. E o mérito Östlund é tornar tudo isso valoroso e não apenas uma piada de mau gosto.

Triângulo da Tristeza estreia no Brasil no dia 16 de fevereiro e você pode já pode garantir seu ingresso pelo Ingresso.com