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Crítica | Quando a Vida Acontece é menos cruel do que a vida real

Por| 18 de Novembro de 2020 às 14h50

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Netflix
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Pode causar uma sensação bem diferente assistir ao Quando a Vida Acontece. Isso porque o filme austríaco tem uma forma muito europeia de ser, ou melhor: muito austríaca. Ao mesmo tempo em que, aparentemente, pouco ou nada acontece de fato, existe um universo de pequenas possibilidades na condução da diretora Ulrike Kofler (estreante em longas-metragens). Cada olhar e cada gesto estão carregados de intenções.

Nesse sentido, o cinema de um dos maiores cineastas vivos da Áustria, Michael Haneke, pode parecer uma referência. Por outro lado, essa intenção hanekiana pode ser uma pedra no sapato, visto que, talvez, o filme precise de uma boa dose de paciência do público para que possa ser apreciado por inteiro.

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Atenção! Esta crítica contém spoilers sobre o filme!

A dualidade da grama mais verde

Existe, pouco a pouco, uma exposição de uma relação que tende a se desintegrar com o tempo. Alice (Lavinia Wilson) e Niklas (Elyas M'Barek) formam um casal cansado da luta para ter um filho e que, sem querer, acaba conhecendo vizinhos de férias supostamente perfeitos. A partir de então, as conversas, que passam a ser cada vez mais diretas, acompanham a intensidade das ações, estas que dão a impressão de criarem um abismo cada vez maior entre os protagonistas.

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Se os momentos românticos eram, apesar de tudo, mais frequentes — como quando Niklas abraça Alice por trás sem esperar nada em troca —, logo cada acontecimento amoroso em potencial dá lugar à frustração. O espaço entre eles (Alice e Niklas) vai aumentando como sendo uma espécie de tique-taque dramático, o relógio de uma relação que acelera para o futuro enquanto a pilha tende a acabar e interromper o processo.

Tudo está alinhado ao conceito de dualidade que, aqui, é evidenciado pela grama mais verde ao lado. É interessante, por essa perspectiva, como a perfeição dos vizinhos (interpretados por Anna Unterberger e Lukas Spisser) acompanha outra crise, esta sendo familiar, com os filhos. Enquanto a pequena Denise (Iva Höpperger) procura atenção em Alice, criando uma ligação que é exposta pela despedida melancólica pela janela da personagem de Wilson, David (Fedor Teyml) é o adolescente que não tem ligação suficiente com os pais para diluir seus hormônios.

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A vida real e o equívoco

O dualismo de Quando a Vida Acontece pode, a certo ponto, cansar e se tornar óbvio demais. A conversa sobre aborto tem pouca ou nenhuma profundidade e a conclusão mais evidente — de que nem sempre a grama mais verde ao lado é imune a problemas — são pouco inspiradas. A violência nada gratuita que parecia brotar e se desenvolver desde o início chega a uma conclusão sem tanto peso, de repente, procurando deixar tudo soar como uma poética vida real.

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O problema é que a dita vida real pode ser muito mais pesada e mais cruel do que a ficção. O que Kofler faz é minimizar os danos e guiar, de maneira morna, o roteiro adaptado por ela e Sandra Bohle (de Maikäfer flieg) — a partir de um conto de Peter Stamm. Ela (Kofler) até tem sua forma própria, utilizando-se sempre de planos médios para ressaltar aquele mundo e não a confusão mental dos seus personagens. Não existe apelação algumas de closes ou de elementos mais urgentemente (ou apelativamente) imersíveis.

No final das contas, é justamente isso que resulta em um filme de imersão controlada ou evitada. Pode ser criada alguma ligação com o público, mas esta vem do roteiro ou do texto de Stamm. A tentativa de subjugar a forma a favor da história de Quando a Vida Acontece pode dar uma sensação de mais do mesmo ao filme ou, na melhor das hipóteses, levar a uma comparação com o cinema de Haneke — mas somente como referência implícita, porque, no fim, é uma analogia que não deve passar de um equívoco.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Canaltech.