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Crítica Pornhub: Sexo Bilionário | Documentário desliza ao perder o foco

Por  • Editado por Jones Oliveira | 

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Você não consegue criar um império em torno da pornografia sem entrar em algumas polêmicas bastante delicadas. É isso o que o documentário Pornhub: Sexo Bilionário apresenta — ou, pelo menos, tenta. Uma das estreias mais aguardadas de março, a nova produção da Netflix mostra não apenas o surgimento e a ascensão da plataforma, mas também a perseguição feita após as denúncias de que a empresa estaria lucrando com vídeos de violência sexual enviados por seus usuários.

Tenta porque o longa dirigido por Suzanne Hillinger tropeça ao não ter certeza do enquadramento que quer dar à sua narrativa. Na verdade, ele é muito menos sobre essas questões e mais sobre como essas controvérsias expuseram as contradições do site que, no fim das contas, nada mais é do que uma megacorporação como outra qualquer.

Apesar de toda a imagem progressista e descolada que tenta imprimir, o lucro ainda está acima do consumidor, dos produtores de conteúdo e até das vítimas de violência. Assim, a partir do relato de ex-funcionários e produtores de conteúdo — atores e atrizes pornô que ganham a vida fazendo vídeos para a plataforma — ele mostra como o dinheiro sempre foi mais importante do que tudo, inclusive o bom senso.

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E é aí que está o problema. Embora a real temática seja muito mais interessante do que o simples histórico do Pornhub, a falta de clareza e até de foco do documentário afetam a percepção do público sobre o que está sendo contado. Ao não desassociar inteiramente a imagem desses profissionais do site, Sexo Bilionário se torna quase uma bandeira em defesa daquilo que se propôs a denunciar.

Questão de enquadramento

Ao se posicionar ao lado de funcionários e produtores de conteúdo, o documentário tenta apresentar um discurso de “como o capitalismo selvagem fez o Pornhub se arriscar ao nível que prejudicou toda uma categoria de profissionais que dependia dele”. E, mais uma vez, esse é um olhar muito interessante, pois é algo que a gente realmente não imagina em um primeiro momento, ainda mais diante das denúncias e polêmicas que surgiram em torno do site após 2020.

Só que o modo como os fatos são apresentados leva a percepção do público para o lado totalmente oposto. Ao mostrar as denúncias feitas pelo The New York Times e organizações antipornografia sob o ponto de vista desses mesmos produtores de conteúdo, a narrativa transforma o Pornhub em uma espécie de vítima de uma perseguição injusta.

E é nessa corda bamba que o documentário tem dificuldade de se equilibrar. A todo momento, advogados de acusação, jornalistas e membros de organizações de combate à pornografia ou de exploração infantil são apresentados quase como os vilões dessa trama.

Ainda que haja a tentativa de ouvir os dois lados, a forma como isso é apresentado na tela carrega conotações bem diferentes, já que o enquadramento dado pela direção torna esse contraste evidente.

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Todas as falas contra o Pornhub ganham um tom frio e sisudo que afasta o espectador, criando uma imagem quase vilanesca para os envolvidos. São pessoas mais velhas e sérias de terno em seus escritórios, se opondo diametralmente aos jovens sorridentes e carismáticos que vivem da pornografia em casas modernas e atraentes.

Além disso, a própria fotografia ajuda a induzir essa percepção. Para os produtores de conteúdo e demais envolvidos na defesa da indústria do sexo, as cores quentes predominam e isso deixa tudo muito mais amigável. Por outro lado, as críticas são apresentadas sob uma iluminação fria e em salas quase sempre cinzentas e sem vida.

E não precisa ser nenhum estudioso em cinema para sentir a diferença. É algo que parece detalhe, mas que pesa demais na hora de apresentar os fatos e fazer com que a gente enxergue a questão como um todo — ainda mais quando o próprio documentário se propõe a isso.

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No fim, o resultado é que aquela ideia de mostrar os trabalhadores como o elo mais frágil e vulnerável da ânsia capitalista de uma megacorporação como o Pornhub acaba sendo engolido por uma interpretação muito mais simples e maniqueísta, a de que “os engravatados são os vilões com essa visão conservadora”.

Fontes viciadas

Isso é agravado pelo próprio fato de que Sexo Bilionário não consegue equilibrar as fontes ouvidas. Tudo bem que ouvir as vítimas de violência não é uma tarefa simples e nem todas estão disponíveis, mas a impressão que fica é que há um esforço reduzido em apresentar vozes de peso que sejam contra o Pornhub e a indústria do pornô e que até mesmo as que são consultadas acabam sendo questionadas dentro do roteiro.

Isso é bem marcante quando o documentário apresenta o processo que o advogado Mike Bowe apresenta contra o site. Há uma sequência enorme em que os produtores de conteúdo aparecem lendo o texto entregue à Justiça para, em seguida, apontar como todas as acusações são absurdas e são sem sentido. Só que, em momento algum, há espaço para Bowe justificar seu lado.

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E é algo que não faz muito sentido, pois o advogado está presente no longa e chega a falar em outros momentos. Portanto, foi uma exclusão deliberada — o que torna tudo um tanto quanto questionável.

Outro exemplo é Laila Mickelwait. Ela é fundadora do Traffickinghub, um movimento que potencializou as denúncias contra o Pornhub e uma das principais vozes pelo fechamento do site — ou seja, peça-central de tudo o que o documentário tenta apresentar. Só que, em nenhum momento, ela é ouvida.

A ativista é citada diversas vezes e chega a ter suas motivações questionadas por alguns entrevistados, mas não há espaço para que ela apareça e dê sua versão — o que corrobora para a construção de sua imagem enquanto antagonista. Seria o caso de explicar o porquê dessa ausência, mesmo que tenha sido uma decisão da própria Mickelwait.

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O ponto é que todas essas ausências e opções de enquadramento narrativa afetam a percepção. Elas inclinam a balança para um lado e isso fica bastante claro, o que é bastante prejudicial. Ainda que a função de um documentário não seja ser imparcial ou um relato cru dos fatos, esse modo mambembe de conduzir a história incomoda mesmo quem é simpático ao tema.

Tropeços desnecessários

Não dá para negar que Pornhub: Sexo Bilionário tem boas intenções. A partir de um escândalo envolvendo a maior plataforma de entretenimento adulto do mundo, ele tenta mostrar como os produtores de conteúdo foram afetados dos dois lados: tanto pela ação de ativistas antipornografia quanto pelo próprio descaso da empresa.

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O problema é que ele se perde na própria narrativa e se deixa levar pela queda de braço entre a companhia e seus opositores, deixando de lado aquilo que o documentário tinha de melhor. Todo esse lado de como os trabalhadores foram impactados e até abandonados se perde quando eles passam a maior parte do tempo apresentados apenas como defensores do sistema que o longa deveria questionar.

E isso tudo é muito lamentável, pois o tema é realmente interessante. O pornô é algo que atiça nossa curiosidade e olhar para os bastidores dessa indústria é mesmo um terreno fértil para grandes histórias. Só que, para que isso dê certo, é preciso que elas sejam bem contadas — o que não é o caso por aqui.

Pornhub: Sexo Bilionário está no catálogo da Netflix.