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Crítica | O Caderno de Tomy fica distante das emoções para causá-las

Por| 26 de Novembro de 2020 às 20h00

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O cinema argentino não costuma ser apelativo. É quase sempre regado por uma realidade intrínseca, em uma proximidade muito realista e humana com o público. Por mais que algumas histórias possam ser inusitadas, como a do excepcional Um Conto Chinês (coprodução com a Espanha de Sebastián Borensztein, 2011), existe sempre um subtexto que carrega um universo de humanidade.

O Caderno de Tomy, nesse sentido, não carrega nada de inusitado, foge de apelações e não somente se aproxima do espectador com a realidade, mas é o retrato de uma história real. O diretor Carlos Sorin opta por trazer tudo de maneira crua e sem arrodeios. O próprio roteiro, também de Sorin, baseia-se em um fato público e não procura o encher de frases de efeito e diálogos expositivos. Está tudo ali, nu, claro.

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Atenção! Esta crítica contém spoilers sobre o filme!

Em uma panela de pressão

Pode ser complicado, sem o auxílio de uma dramaturgia mais apelativa, a construção de intimidade do que se vê em O Caderno de Tomy para com o público menos empático. A sensação, aliás, é de uma procura justamente pelo contrário. Sorin parece não querer influenciar a experiência em excesso. Não existe qualquer fetiche sobre as dores em vida da protagonista (interpretada por Valeria Bertuccelli) e, muito menos, sobre a dor da morte.

Por essa perspectiva, o diretor parece criar um distanciamento para que as lágrimas sejam evitadas. Essa fuga do melodrama, porém, talvez consiga distanciar as emoções e fazer com que elas (as emoções) não aflorem, tornem-se apáticas — sendo possíveis com mais intensidade apenas para quem, infelizmente, passou por algo parecido.

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Para alcançar esse efeito um tanto quanto dúbio, pode ser evidente que a direção de elenco mirou na sobriedade. Há, a quase todo instante, um vulcão de sentimentos prestes a entrar em erupção, mas a lava permanece contida, presa em um processo de aceitação de sua inatividade. Esteban Lamothe, ator que interpreta o esposo da personagem de Bertuccelli, é quem carrega com mais intensidade essa condição. Com a expressão facial sempre concentrada e gestual direto e rápido, ele é como uma grande tampa a evitar a explosão de toda a pressão.

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Sorin, inclusive, utiliza-se de pouquíssimos planos fechados, evitando closes para manter o distanciamento. Ao mesmo tempo, nos momentos mais delicados, existem investidas rápidas nos rostos dos protagonistas, especialmente quando da presença do pequeno Tomy (Julian Sorin — neto do diretor). Mesmo com pouco tempo em cena, a criança preenche o universo de O Caderno de Tomy com um afeto inocente de quem não entende completamente o que está acontecendo.

Eram todos os sentimentos do mundo

Tudo está tão preso na garganta do filme que uma das cenas mais dolorosas e capazes de extrair lágrimas reprimidas é aquela em que Tomy dorme com a mãe na cama do hospital. Não existe preparação para o momento, não existem falas, não existe nem mesmo uma intromissão direta da trilha sonora de Sergei Grosny (de Tampoco Tan Grandes). Tudo é, assim, uma tentativa de neutralidade, em busca da capacidade de envolvimento do espectador.

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Em meio a tudo isso, há a inserção de um debate tímido sobre eutanásia, algo que talvez não surja mais efeito por causa da passividade proposta por Sorin. A discussão, inclusive, permanece aberta, sem um posicionamento direto, o que pode ser perceptível na breve discussão entre Federico (Lamothe) e a Dra. Silvia (Beatriz Spelzini), esta que discursa muito rapidamente sobre sua escolha em ser médica.

No final das contas, O Caderno de Tomy é um filme acanhado, que não se expõe e nem busca algo além. Por conta disso, pode ser que seus curtos 84 minutos pareçam muito mais para alguns e, para outros — especialmente para os mais sensíveis ao tema —, cause uma comoção verdadeira.

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Acontece que, se o cinema argentino não costuma ser apelativo, aqui temos uma hipérbole disso, porque o conceito da direção é muito perto do desinteresse pelas emoções para alcançar, exatamente, emoções. Por isso, pode ser que o efeito seja emoção nenhuma, mesmo em um filme que, em sua premissa, promete todos os sentimentos do mundo.

O Caderno de Tomy está disponível no catálogo da Netflix.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Canaltech.