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Crítica | Lixo Extraordinário e a realidade por trás da obra milionária

Por| 11 de Janeiro de 2021 às 22h00

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Em 2020, foi divulgado pela Netflix que durante o período de quarentena global houve uma alta do interesse em produções documentais no catálogo, principalmente após o lançamento da série A Máfia dos Tigres, focado na vila de Joseph Allen Maldonado-Passage, popularmente conhecido como Joe Exotic. Disponibilizada em março, estima-se que a produção tenha atingido um público de 34,3 milhões de espectadores únicos nos primeiros 10 dias de lançamento.

É curioso que em tempos de tanto negacionismo e incertezas o público que cumpria distanciamento social em casa tenha optado por consumir obras documentais, já que o mais esperado para esse tipo de situação seja justamente o escapismo. Ainda para afirmar que o sucesso de A Máfia dos Tigres não tenha sido uma simples coincidência, em meados de 2020 foi observado uma crescente popularidade d'O Dilema das Redes, que assim como a série sobre Joe Exotic, também esteve no pódio de títulos mais assistidos do ano passado na plataforma.

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Pensando em investir mais nesse tipo de produção, chegou ao catálogo da Netflix na última sexta-feira (8) o documentário Lixo Extraordinário, focado no trabalho do fotógrafo e artista plástico Vik Muniz e que foi pensado como uma jogada comercial focada no exterior do início ao fim, mas graças a equipe cinematográfica por trás do projeto, acabou dando um ar mais humano do que uma simples história com início, meio e fim que poderia facilmente igualar-se a qualquer filme sobre super-heróis.

Vicente José de Oliveira Muniz, ou como prefere ser chamado após anos radicado nos Estados Unidos, Vik Muniz, é um artista plástico brasileiro que em pouco mais de noventa minutos conta a história de toda uma população que leva uma vida ao redor e por causa do lixo no Jardim Gramacho, o maior aterro sanitário da América Latina, localizado no Rio de Janeiro. O projeto tem como único objetivo ser ovacionado pelo público estrangeiro, já que seu formato e narrativa acenam comercialmente para o mercado norte-americano, desde a escolha da cena que abre o documentário (um trecho de uma entrevista com Jô Soares, cujo programa segue o modelo semelhante aos do talk shows dos Estados Unidos), o desenrolar que é narrado em inglês pelo fotógrafo brasileiro (tanto em conversas com seus assessores e parentes, todos brasileiros) e a história de salvador que fica subjetivamente entregue nas entrelinhas.

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Logo nos primeiros minutos o público é apresentado a Vik Muniz e como o artista viu sua carreira saltar de um ponto ao outro quando resolveu criar a série Crianças de Açúcar, retratos de crianças de famílias de baixa renda que cortam canas de açúcar em St. Kitts, no Caribe. O trabalho foi reconhecido internacionalmente após Muniz ter a sacada de trabalhar as fotografias utilizando apenas açúcar, elemento que faz parte do cotidiano dos jovens retratados e que trazem referência tanto à inocência da infância quanto ao material que os submete à pobreza.

Em Lixo Extraordinário, Muniz decide ajudar a comunidade carioca que trabalha no Jardim Gramacho, descritos por eles mesmos como "catadores de materiais recicláveis". Aos 30 minutos de produção, o documentário fisga o público a partir do momento em que se torna uma experiência imersiva, e não vista superficialmente como um filme de caridade. Há muito material e história por trás da obra que dará àquele povo melhores condições de vida. Mérito da diretora Lucy Walker humanizar a narrativa e colocar o "dedo na ferida" quando necessário, acompanhando e contando a história de cada uma das pessoas que trabalha diariamente no meio de materiais que o restante da população descarta.

Além do lixo e da rotina com recicláveis, Lixo Extraordinário explora as relações interpessoais entre os trabalhadores do Jardim Gramacho, aprofundando-se em suas vidas, dificuldades e até mesmo vitórias de quem acumula quase três décadas de experiência no aterro. Em depoimentos com os mais diversos personagens, o espectador é apresentado à mais desconfortável e desesperançosa realidade de uma população inteira que sente cada conquista da maneira mais genuína e sincera.

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Diante de tantas histórias, a montagem das obras de Vik Muniz que acabariam vindo para leilão no final da produção acaba sendo uma mera coadjuvante. Lixo Extraordinário visa apresentar muito mais ao público do que o processo de criação de quatro gigantes retratos feitos a partir de lixo e materiais recicláveis e que, posteriormente, viriam a ser vendidos por valores milionários. O documentário preocupa-se em transmitir através de depoimentos, narrativas e diversos enquadramentos um dia a dia que está longe de ser a realidade de muitas pessoas no Brasil, mas que facilmente é ignorada por boa parte da população.

A experiência, por mais que desconfortável e de se assistir em silêncio, é inigualável; parte do mérito é responsabilidade da edição de Pedro Kos e fotografia de Ernesto Herrmann e Dudu Miranda. Lixo Extraordinário foi lançado há uma década e chegou a ser reconhecido com uma indicação ao Oscar do ano seguinte na categoria documental; Estrelado por Vik Muniz e por toda a população trabalhista do Jardim Gramacho, no Rio de Janeiro, o documentário está disponível na Netflix.