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Crítica Eu, Capitão | Uma odisseia de tragédias e fantasia

Por| Editado por Durval Ramos | 26 de Fevereiro de 2024 às 20h05

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Divulgação/Pandora Filmes
Divulgação/Pandora Filmes

Eu, Capitão, longa-metragem italiano indicado ao Oscar 2024 de Melhor Filme Internacional é um soco no estômago. Dirigido por Matteo Garrone (Pinóquio) e vencedor do Leão de Prata do Festival de Cinema de Veneza, o título é uma produção bastante bonita e dolorosamente real sobre a complicada jornada feita por migrantes africanos em direção à Europa.

Coprodução entre a Itália, Bélgica e França, o filme foi escrito por Massimo Gaudioso, Massimo Ceccherini, Andrea Tagliaferri e Matteo Garrone com base em uma ideia do próprio diretor. Inspirado pela história de cinco meninos que fizeram a travessia, Garrone buscou retratar os perigos enfrentados pelas pessoas que tem de lidar com a fome, o frio, a exploração, a tortura e o sofrimento devido à promessa de uma vida melhor.

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O tema, embora seja um problema humanitário persistente — de acordo com a ONU, entre 2014 e 2022, mais de 25 mil pessoas morreram tentando fazer a travessia do Mar Mediterrâneo para a Europa —, ganha em Eu, Capitão um retrato cru e visceral, nem sempre captado por outras produções ficcionais do cinema e da televisão.

Sem poupar o espectador, mas também sem pender para o sensacionalismo, o filme mostra a jornada realizada por dois jovens senegaleses que tomam a decisão de partir para o velho continente, sem imaginar o que os espera. Enganados pela própria inocência, eles descobrem da maneira mais dura possível o quanto suas vidas são frágeis, se apegando à fantasia e à esperança para sobreviver.

Pelas areias e pelo mar

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Eu, Capitão segue os passos de Seydou, um adolescente muito apegado à família e às tradições culturais, que nasceu e cresceu no Senegal. Apaixonado por música e fascinado por compor e cantar suas próprias canções, ele e o primo Moussa sonham em ser cantores na Europa, onde poderão “aparecer em programas de TV e dar autógrafos para garotos brancos”.

O sonho de mudar de vida faz com que os Seydou e Moussa decidam então viajar ilegalmente para a Itália, fazendo uma travessia primeiro pelo Deserto do Saara e, mais tarde, pelo Mar Mediterrâneo. Sem se despedir de seus familiares, os garotos partem inicialmente de ônibus do Senegal, traçando uma rota que deve passar pelo Níger, pela Líbia e finalmente chegar à Itália.

No caminho, porém, os primos são confrontados com situações extremamente perigosas, que mostram por que essas rotas de migração são tão mortais. Entre as muitas adversidades estão, por exemplo, as caminhadas intermináveis pelo Saara escaldante, a corrupção de policiais nas fronteiras dos países africanos, a exploração e tortura praticada pelas máfias do deserto e as condições subumanas das embarcações da travessia.

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Situações de terror que se misturam ao pavor de nunca mais reverem sua família e, depois que se separam ao longo do percurso, de morrerem sozinhos antes de concluírem a jornada.

Também é sobre a origem

Embora Eu, Capitão fale muito sobre o destino dos personagens e da idealização inocente que Seydou (Seydou Sarr) e Moussa (Moustapha Fall) fazem da Europa, o filme se debruça também sobre a origem dos garotos. Afinal, ao longo da história, é evidente como as raízes dos protagonistas os unem a outros migrantes e como as lembranças que eles têm de casa são a verdadeira razão pela qual se mantêm esperançosos mesmo em meio a tragédia.

Isso fica cada vez mais evidente ao longo do caminho, quando os garotos percebem o senso de comunidade que aflora em situações como essa. Embora já fossem bastante ligados aos costumes locais — tendo, inclusive, “pedido permissão para seus ancestrais” para irem embora do Senegal —, Seydou e Moussa parecem só perceber a real força de seu povo conforme descobrem o mundo.

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No decorrer da trama, eles cuidam e são cuidados por outros senegaleses, compartilham das mesmas dores e medos que veem em seu olhar e passam a se ver quase como uma unidade, lutando por cada uma das vidas que aparecem em seu caminho.

Uma fotografia linda e fantasiosa

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Todo esse clima de sofrimento do filme, no entanto, é quebrado por algumas cenas de pura fantasia, que aparecem esporadicamente na trama e formam um bonito e poderoso contraste com a dura realidade do que está sendo mostrado.

Saídas diretamente dos sonhos de Seydou, essas imagens aparecem nos momentos em que o garoto se refugia em seus pensamentos e imagina situações que o levam para longe daquela tragédia.

Entre esses devaneios estão, por exemplo, uma mulher que morreu de cansaço no deserto, mas agora flutua guiada pelo garoto ou, até mesmo, um mensageiro que leva notícias tranquilizadoras para sua família, fazendo assim com que sua mãe fique com o coração mais aliviado. Fotografias oníricas completamente opostas às da realidade do menino, mas igualmente impressionantes, por outros motivos.

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Intenso, poético e por vezes sonhador, Eu, Capitão é um filme que explora um dos temas mais trágicos que ainda temos em nosso mundo, o da crise migratória. Contado aqui com base nas histórias daqueles que realmente viveram isso na pele, ele cria uma ficção muito próxima da realidade, que soa tocante e assustadora quase que na mesma medida.

Além de um importante instrumento de conscientização, o longa-metragem funciona por si só como uma excelente ficção, que prende o espectador, emociona e o arrebata para uma verdadeira odisseia.