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Crítica | Alita: Anjo de Combate – de mãos atadas

Por| 15 de Fevereiro de 2019 às 19h00

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Fox Film do Brasil
Fox Film do Brasil

Qual poderia ser o resultado da união entre o responsável por O Exterminador do Futuro (1984), Titanic (1997) e Avatar (2009) e o sujeito à frente de Um Drink no Inferno (1996), Pequenos Espiões (2001) e Sin City: A Cidade do Pecado (2005)? Seria um filme híbrido grandioso e altamente tecnológico, repleto de sangue, situações inusitadas, protagonistas ingênuos e vilões sem qualquer noção de caráter? E se a base dessa receita rocambolesca fosse um mangá cyberpunk pós-apocalíptico escrito por Yukito Kishiro, um mangaká que é fã de Bruce Lee?

Cuidado! Daqui em diante esta crítica pode conter spoilers.

Liberdade sem liberdade e violência sem violência

Alita: Anjo de Combate é um caso claro de como as expectativas trabalham contra o espectador. Se a história de Kishiro poderia ter encontrado uma espécie de refúgio promissor na união entre James Cameron e Robert Rodriguez, ela também poderia ter descoberto um buraco negro – um poço de incompatibilidades: Enquanto Cameron quase sempre teve à sua disposição um orçamento pomposo, construindo filmes grandiosos e com algum grau de avanço tecnológico para o cinema, Rodriguez é um amante dos filmes B que sempre procurou traçar caminhos alternativos para suas aventuras (vide Machete, codirigido por Ethan Maniques, de 2010).

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Acaba que, no final das contas, o resultado não pende para nenhum dos lados. Alita: Anjo de Combate parece amarrar um cineasta ao outro de uma forma que eles só podem desenhar com os pés. Cameron, que deixou a direção do projeto para se dedicar às sequências de Avatar, dá a impressão que assumiu a produção sem deixar o colega com as liberdades criativas necessárias a um diretor minimamente autoral. Essa sensação pode ser causada especialmente nas cenas mais violentas que, pelas mãos de Rodriguez, seriam violentas de fato, mas não passam de coreografias de bom gosto. Fica claro, igualmente, quando há alguma morte violenta de alguém humano (como um corpo partido ao meio) e o sangue parece se negar a aparecer – algo inusitado dentro da filmografia do texano (excluindo-se, claro, Pequenos Espiões e suas sequências).

Alita e a sua ligação com o próprio filme

Felizmente, como um bom blockbuster, Alita: Anjo de Combate não foge de pequenos debates (por mais que nunca os aprofunde). Nesse sentido, a subtrama sobre a brutalização das massas, onde se encaixam os esportes corporativos, é muito bem-vinda como metáfora para uma realidade que parece cada vez mais desafeta do conhecimento. Também é bem encaixada as relações de classes (algo que talvez seja um dos principais motes do mangá), especialmente na figura do jovem Hugo (Keean Johnson, de Heritage Falls) e, novamente superficialmente, as balelas da meritocracia.

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Assim – visto que se trata de uma ficção científica que tenta tocar em assuntos intelectuais (como normalmente se dá) através da busca por acessos fáceis –, a produção cai em um limbo: falta memória para Alita do mesmo modo que falta profundidade ao filme. Em certos momentos, os personagens conversam com o roteiro (de Rodriguez e Cameron – e Laeta Kalogridisse, do excepcional Ilha do Medo) se desmanchando em inutilidades para explicar aos espectadores o que já está muito claro. Algo como “Você é muito forte então?” soa como uma reafirmação desnecessária para que o público entenda a força da ciborgue que dá nome ao filme. Duvidando da capacidade justamente intelectual dos seus alvos, Alita: Anjo de Combate sofre do mesmo mal que Avatar: a falta de um texto rico sabotando a tecnologia fascinante. 

Portanto, o visual é absolutamente deslumbrante – o que é comum para uma produção guiada por Cameron e sua Lightstorm Entertainment. O desenho de produção de Caylah Eddleblute e Steve Joyner (ambos de Sin City: A Dama Fatal, de 2014) faz com que cada detalhe revele o ambiente como sendo de uma hostilidade amena. É como se o perigo fosse iminente, mas, ao mesmo tempo, isso transmitisse certa calma. Essa fundamentação parece consciente de que o filme, estufado de cenas de ação, precisava que cada sequência menos nervosa pudesse trazer alguma paz para seus personagens e, especialmente, para o público.

Alheia aos problemas, a atriz Rosa Salazar (de Bird Box) carrega o peso de ser a personagem mais complexa com muita competência, conseguindo facilmente deixar os oscarizados Christoph Waltz (que atuou, curiosamente, para Grandes Olhos), Jennifer Connelly (de Homem-Aranha: De Volta ao Lar) e Mahershala Ali (de Green Book: O Guia) em segundo plano. A Alita de Salazar – um símbolo claro de empoderamento feminino – é muito mais expressiva do que seus olhos enormes poderiam ressaltar. O simples ato de a ver observando todo aquele mundo intrigante é emocionalmente satisfatório, como se fosse possível ajudá-la a encontrar ao menos lapsos de memória pela mise-en-scène.

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Os bons desenhistas incompatíveis

Enfim, Alita: Anjo de Combate é um filme que acerta em cheio com seus pontos mais comerciais e que, infelizmente, tropeça onde poderia se enriquecer e se tornar verdadeiramente relevante. Apesar de ser emotivo, de ter um humor bem dosado e de ser erguido sob um visual que faz justiça aos melhores filmes do gênero, ele (o filme) tende a saturar de impactos sensoriais (o que é perdoável para um universo com cinco séculos a mais que o atual) e sofre com um enredo clichê e com provocações tímidas.

No resultado, fica faltando a vivacidade de Rodriguez ou a potência comunicativa de Cameron. Parece que, de mãos atadas, ambos começaram a desenhar e os desenhos encontraram-se na metade: duas partes incompletas e diferentes que, juntas, formam um todo que só não é apático porque foi traçado por profissionais experientes e habilidosos.