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Crítica | A Ligação traz uma experiência desorientadora das melhores

Por| 30 de Novembro de 2020 às 19h10

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A Ligação, de algum modo, surge com alguns elementos experimentais. Ao mesmo tempo em que segue regras de um suspense clássico, apresentando e desenvolvendo sua protagonista — além do mundo que a cerca —, o filme coreano insere elementos de terror que criam uma experiência desorientadora. A compreensão do todo, então, fica em segundo plano durante o primeiro ato.

Ainda, há um flerte com a ficção científica que pode lembrar um dos grandes filmes de terror do nosso século: Kairo (de Kiyoshi Kurosawa, 2001). Embora tenham formas e ritmos diferentes, ambos trabalham com a integração entre gêneros aliada a uma escolha de planos quase que cirúrgica, procurando manter a tensão por meio de escolhas conscientes e formais — o que se prova pela quase nula utilização de câmera na mão.

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Atenção! Esta crítica contém spoilers sobre o filme!

Efeito borboleta temporal e fincheriano

Existe uma relação entre passado e futuro que é trágica em A Ligação. A vantagem possuída por Seo-yeon (Park Shin-Hye) é estar duas décadas à frente de Young-sook (Jong-seo Jun), mas a relação entre tempo e espaço criada pelo estreante em longas-metragens Chung-Hyun Lee vai muito além. O diretor, que também é o roteirista, parece comprometido a demonstrar o quanto crenças e escolhas podem interferir no curso das suas personagens e, partindo desse micro, ter suas similaridades com o mundo.

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Para tanto, ele aposta no dito formalismo na decupagem dos seus planos que pode lembrar, além de Kurosawa, David Fincher (de Garota Exemplar e do prestes a estrear Mank, 2014 e 2020 respectivamente). Este, que além de tratar suas escolhas de planos com uma objetividade extrema utiliza a computação gráfica de um modo orgânico, tem em A Ligação uma espécie de uma versão do seu trabalho — claro que sem a mesma vivência.

Criaturas contraditórias

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Dentro do contexto técnico, está o tratamento temático dado por Chung-Hyun. É verdade, nesse sentido, que o filme se sustenta sem qualquer relação com a realidade. O suspense construído tem uma dinâmica única e nunca deixa de crescer. Ainda assim, pode ser interessante absorver intenções ou interpretações subjetivas. O roteirista e diretor acaba criando um leque de possibilidades que vão de como lidamos com as sensações mais improváveis a como o tempo pode influenciar a vida.

Por essa perspectiva, fica a cargo do espectador pensar ou não em como o que se faz hoje acaba influenciando a vida de outras pessoas. Isso está relacionado tanto às pequenas coisas quanto aos grandes feitos. Escolhas têm consequências que deságuam na imprevisibilidade da vida. Essa dinâmica, fundamentada entre Seo-yeon e Young-sook é cada vez mais urgente, como se Chung-Hyun tentasse acender uma luz de alerta.

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Aliás, é na percepção de que o passado tem uma força absurda sobre o presente que A Ligação consegue se tornar atemporal. Por mais que possamos, nesse caso, pensar e reestabelecer nosso entendimento sobre o que ficou para trás, vendar o que foi erguido e buscar um futuro sem ligações com o que passou é algo impossível. Enquanto o filme estabelece esse rumo com a realidade, a ficção de suspense que reúne sci-fi e horror cresce vertiginosamente até o auge revelador — que pode ser controverso.

É nessa revelação mais importante e, talvez, desagradável, que a força das quase duas horas pode perder um pouco do efeito. Mas é provável que isso aconteça porque, afinal, não há saída convincente o suficiente. Por outro lado, o universo é tão bem arquitetado que, caso não se esteja à procura de entender cada detalhe, a experiência proposta é das mais ricas e interessantes do ano.

A Ligação, enfim, é tão fortemente amarrado pelas vias do tempo que ele mesmo é, claramente, inspirado em uma coprodução de alguns anos atrás entre o Reino Unido e Porto Rico chamada The Caller (de Matthew Parkhill, 2011) — que, certamente, teve suas inspirações próprias. No final das contas, tudo está ligado mesmo. Somos protagonistas de um mundo que vai sendo devorado por um presente que não sabe que será passado e quer construir um futuro sem olhar para trás. O ser humano é a criatura mais contraditória.

A Ligação está disponível no catálogo da Netflix.

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*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Canaltech.