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Crítica | A Irresistível Face do Mal e um assassino do nosso lado

Por| 25 de Julho de 2019 às 09h34

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Crítica | A Irresistível Face do Mal e um assassino do nosso lado
Crítica | A Irresistível Face do Mal e um assassino do nosso lado

Para quem conhece a história de Ted Bundy ou pelo menos já ouviu falar sobre os crimes de um dos serial killers mais notórios dos Estados Unidos, quiçá do mundo, os primeiros minutos de A Irresistível Face do Mal já demonstram estarmos diante de algo bem diferente. O personagem central, interpretado por Zac Efron, parece passar longe do assassino bárbaro, que tinha a violência contra mulheres como preferência e conquistou a mídia tanto por seu carisma quanto pelo apelo mórbido de seus atos.

Sua primeira conquista, entretanto, é Liz Kendall (Lily Collins), e é por meio do olhar dela que veremos toda a saga de Bundy em Ted Bundy – A Irresistível Face do Mal. O filme é baseado no livro escrito pela ex-namorada do assassino, mas, mais do que isso, é um olhar que deixa claro, logo nos primeiros minutos, assumir um determinado foco. E longe das imagens macabras que podem ser facilmente encontradas na internet, das descrições viscerais de crimes no primeiro julgamento televisionado da história americana e da atenção midiática, a mensagem é clara: Bundy é um monstro, mas outros como ele podem estar do seu lado, até mesmo enquanto você lê este texto.

O pouco destaque aos crimes em si é uma característica que chama a atenção em um filme dessa característica e um trunfo tanto do roteiro de Michael Werwie, em seu primeiro longa nesse posto, quanto da direção de Joe Berlinger (de documentários como Metallica: Some Kind of Monster e Conversations with a Killer, sobre o próprio Bundy). Durante quase toda a projeção, temos um foco íntimo e pessoal sobre a história de um homem claramente transtornado, mas cujo carisma sobrepõe até mesmo o bom senso e o protocolo do mundo jurídico.

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A característica inusitada do filme também se estende a seu lançamento, principalmente no Brasil: internacionalmente ele é distribuído pela Netflix, mas chega aos cinemas nacionais nesta quinta-feira (25) pelas mãos da Paris Filmes. O longa é daqueles feitos para ser assistido no streaming, com o celular na mão e eventuais pesquisas sobre as bizarrices de um caso notório. Ao mesmo tempo, assistir à produção sem esse suporte, no escuro literalmente, enaltece um de seus traços mais interessantes, tão surreal quanto os próprios crimes.

Talvez pelo background de Berlinger, com uma carreira quase que integralmente composta por documentários, ou pela história suculenta e diferente que tenta apresentar de maneira direta e sem juizos, Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal é um filme sobre um serial killer bárbaro, violento e manipulador, cujo total de vítimas ultrapassa as três dezenas. Mas você poderia até acreditar nas histórias, na cara de bom moço e na suposta inocência dele se não soubesse a história real por trás de tudo.

Perverso, malvado e vil (?) 

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Caso você não conheça, é importante deixar uma coisa clara: Bundy é, sim, um assassino de mais de 30 mulheres, incluindo uma criança de 12 anos. Ele violentava, barbarizava e gerava um pânico inversamente proporcional a seu caráter interessante e sedutor, ao ponto de caravanas de garotas seguirem para o tribunal do júri e darem entrevistas se dizendo apaixonadas por ele, convencidas de que alguém de tal caráter jamais poderia cometer crimes dessa categoria.

Ele saia da casa de Liz para matar, viajava para estados vizinhos para assassinar e, mesmo depois de preso, fugiu algumas vezes e continuou cometendo crimes. As vítimas eram encontradas com partes faltando, marcas de mordidas, estrangulamentos e sinais de violência sexual. Ted Bundy não é alguém que mereça romantização, e A Irresistível Face do Mal, apesar do péssimo título de seu lançamento nacional, não faz isso.

As palavras do juíz Edward Cowart, que presidiu o juri que condenou o serial killer à morte, cabem muito melhor: ele é alguém extremamente perverso, chocantemente mal e vil. Um desperdício de humanidade, nos termos reais usados por ele e uma referência ao aspecto fascinante de Bundy, transportado para as telas de forma brilhante, enquanto Berlinger abusa de closes e longos diálogos para mostrar a eloquência e a confiança de alguém digno de palavras tão pesadas.

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O serial killer chegou até mesmo a assumir as rédeas de sua defesa e, como mostram o filme e reportagens da época, soava como alguém plenamente convicto de sua inocência, uma vítima de uma armação terrível que acabou por colocá-lo no corredor da morte. Bundy apenas confessou os assassinatos dias antes de fritar na cadeira elétrica e, ainda assim, acredita-se que ele não contou essa história na íntegra. Ele manipulava a todos, alguns mais e outros menos, e o espectador pode se ver como mais um destes.

Existem, logicamente, alguns elementos deixados convenientemente de lado como forma de garantir isso, como o fato de Liz ter denunciado Bundy algumas vezes por violência doméstica ou os depoimentos de sobreviventes, amplamente explorados na mídia e elemento fundamental na história de contrastes que permeou a prisão e o julgamento do serial killer. Nesse sentido, fica clara a intenção de colocar o espectador na mesma posição da opinião pública da época, mas contando a história de outro viés.

Outros momentos soam esquisitos, como a aparição repentina da mãe de Bundy, Eleanor, ou o vai-vém gerado pela relação mal explorada entre ele e Carole Ann (Scodelario), que assumiu o papel de namorada, suporte moral e fantoche externo do serial killer durante seu histórico julgamento. Nos momentos em que Liz sai do centro da trama, a atenção parece se voltar totalmente sobre o próprio assassino, enquanto estes elementos claramente importantes acabam sendo deixados à margem.

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Histórias de assassinos existem aos montes e a própria Netflix, distribuidora original do longa, possui o documentário de Berlinger focado em Bundy e todo o barbarismo de seus assassinatos. Chega a soar curioso como as duas obras podem ser até mesmo complementares, com o longa baseado em na história real apresentando uma perspectiva diferente e acessória, ao mesmo tempo em que não massageia a sangrenta realidade dos fatos.

O maior desafio de Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal acaba sendo não se deixar enganar, seja pela perspectiva que beira a glamourização e bebe diretamente da fonte da época, seja pela perspectiva torta de alguém que conviveu de perto com o assassino e chega até mesmo a chamar de próprias algumas responsabilidades sobre o comportamento alheio.

Mais do que tudo isso, o filme torna difícil olhar para o lado e pensar se, de repente, não podemos estar sendo tão ingênuos quanto Liz. Mas, pensando de novo, será que ela realmente caiu na trama de alguém manipulador ou, como toda história, as pessoas também têm mais de um lado, que podem ser demonstrados de forma individual?

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Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal também traz Jim Parsons (The Big Bang Theory), Angela Sarafyan (Westworld) e Haley Joel Osment (O Sexto Sentido) no elenco. Olho vivo, ainda, para a ponta de James Hetfield, do Metallica, no papel de um dos xerifes envolvidos no caso.