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Só os humanos entendem geometria? Neurocientistas buscam a resposta

Por| Editado por Luciana Zaramela | 06 de Abril de 2022 às 08h30

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Olivier Le Moal/Envato
Olivier Le Moal/Envato

Stanislas Dehaene, neurocientista cognitivo do Collège de France, vem estudando as raízes evolutivas do instinto matemático do ser humano. A resposta que ele busca atualmente diz respeito ao que torna o cérebro humano único — em outras palavras, o que nos diferencia dos animais. Para o pesquisador, a nossa intuição geométrica inata pode ser a resposta.

Para investigar essa inclinação a números e formas, ele conduziu experimentos com pessoas de diferentes partes do mundo e níveis de educação formal, além de repetir os testes com babuínos, tentando entender a diferença produzida nos resultados. Os hominídeos gravaram símbolos em rochas há milhares de anos — chegando a 540.000 anos atrás — representando animais, ferramentas, deuses e astros celestes. Com os animais, isso já não é observado.

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Experimentos geométricos

Dehaene, juntamente a seu aluno de pós-graduação Mathias Sablé-Meyer e equipe, publicaram um estudo em 2021 que comparava a habilidade de humanos e babuínos na tarefa de diferenciar formas geométricas. Os sujeitos estudados tinham de distinguir um quadrilátero diferente dos outros em um grupo de seis: os grupos de pessoas incluíam adultos e crianças francesas e adultos da Namíbia rural, sem educação formal. Para todos eles, a tarefa foi mais fácil quando a base ou o topo das formas era regular, com lados paralelos e ângulos retos.

Os pesquisadores chamam isso de "efeito da regularidade geométrica", e a teoria é de que isso seria uma provável assinatura da singularidade humana — apesar de admitirem que a hipótese é frágil. Para os babuínos estudados, a regularidade não fez diferença: estudados na Universidade de Aix-Marseille, eles mostraram uma ótima performance quando tinham de diferenciar imagens não-geométricas, como apontar qual é a maçã em meio a fatias de melancia, mas, com polígonos regulares, a eficiência foi para o ralo.

Primatologistas como Frans de Waal, da Emory University, reconhecem a diferença e o aspecto impressionante dos resultados, mas avisam: testes como esse devem ser feitos com primatas mais próximos a nós também, como os chimpanzés. Frans aponta que uma possibilidade é a de que, no mundo humano, ângulos retos fazem a diferença na vida, enquanto no dos babuínos essa importância inexiste. Os pesquisadores, no entanto, rejeitam essa hipótese.

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A pesquisa também envolveu trabalho com inteligência artificial (IA): os cientistas usaram modelos de rede neural — baseados no entendimento matemático do funcionamento dos neurônios — para tentar replicar os resultados colhidos com os humanos e animais. Inicialmente, os modelos conseguiram reproduzir apenas a performance dos babuínos, falhando no efeito de regularidade humano; mas um modelo alimentado com elementos simbólicos, ou seja, que sabia as propriedades de regularidade geométrica, como linhas paralelas e ângulos retos, pôde replicar os resultados humanos.

Dehaene aponta os desafios que isso põe à inteligência artificial, que progride a cada uma dessas descobertas, mas acredita que o processamento de símbolos é um aspecto que falta a essa tecnologia. Nós, humanos, conseguimos generalizar conhecimentos, enquanto IAs ainda têm dificuldades em enfrentar ambientes diferentes do seu "treinamento".

A linguagem do pensamento

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Indo mais a fundo, Dehaene e Sablé-Meyer partem da ideia de Descartes de que, quando vemos uma figura geométrica, como um triângulo, nossa mente teve a ideia daquilo em algum lugar, ou não a reconheceria. Esse "algum lugar" é o que os cientistas, então, procuram, ou seja, uma explicação de como formas geométricas podem ser codificadas na mente. As IAs também passam por problemas assim: o que fazer quando há apenas o estímulo (output) sem a entrada da informação base (input).

Com base nisso, os pesquisadores começaram fazendo uma linguagem de programação que desenha formas — com a novidade de que ela procura imitar nossa proficiência geométrica. Ela foi alimentada com blocos básicos de construção de desenhos e regras de como fazê-los.

Em seguida, um algoritmo de IA chamado DreamCoder foi utilizado para modelar como a mente pode utilizar uma linguagem de programação para processar formas: o algoritmo busca, ou aprende, o programa mais curto para formar cada forma ou padrão. A teoria é de que a mente opera dessa mesma maneira. Então, o componente humano voltou à pesquisa, e o teste envolveu a habilidade dos sujeitos de processar formas de complexidade variada que a linguagem desenhou.

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Os experimentos envolveram descobrir quanto uma pessoa demora para memorizar formas como uma curva ondulada, comparando com o tempo que se leva para encontrar tal forma entre um grupo de seis outras formas semelhantes. Quanto mais complexo o formato, e mais longo o programa, mais difícil é para o sujeito se lembrar ou diferenciar uma forma das outras. Agora, quem está participando dos testes são os babuínos, com resultados por enquanto desconhecidos.

Indo mais a fundo, Dehaene já tem alguns dados obtidos via ressonância magnética que mostram as regiões do lobo pré-frontal e parietal do cérebro — envolvidas na confecção de figuras geométricas — em atividade junto a regiões associadas com a noção de números nos seres humanos.

Mais importante, essas áreas da "linguagem da geometria" são bem diferentes das regiões clássicas ativadas pela língua fala ou escrita. Enquanto cientistas como Chomsky acreditam que a linguagem seja o que diferencia o ser humano dos animais, Dehaene busca algo mais básico e mais fundamental com sua pesquisa. Ele acredita que a linguagem é apenas um dos aspectos inerentes aos humanos, e que ela tenha surgido não como uma ferramenta de comunicação, mas sim de representação — a habilidade de representar fatos sobre o mundo exterior. Em última instância, é isso que ele e Sablé-Meyer estão tentando descobrir.

Fonte: PNAS, PsyArXiv