Se não podemos ver átomos, como sabemos que são feitos de partículas menores?
Por Daniele Cavalcante • Editado por Patricia Gnipper |
A história do conhecimento humano sobre o átomo tem início na Grécia antiga, quando o filósofo Leucipo propôs que tudo no universo é feito de partículas indivisíveis — daí vem a palavra grega átomo, “algo que não pode ser cortado”. Entretanto, hoje sabemos eles são, sim, divisíveis, porque são formados por coisas ainda menores. Mas como provar isso, se não podemos enxergá-los?
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Bem, na verdade, os cientistas já contam com instrumentos capazes de detectar e mapear átomos, mas, mesmo antes disso, a existência do elétron já havia sido demonstrada por um cientista chamado Joseph John Thomson. Ele realizou, no século XIX, experimentos com tubos de raios catódicos que o levaram a algumas conclusões sobre o elétron, e graças a isso temos hoje a eletricidade.
Os elétrons são partículas minúsculas, com carga negativa que orbitam o núcleo de um átomo em níveis de energia. O núcleo, por sua vez, é formado por partículas positivas chamadas prótons, e partículas sem carga chamadas nêutrons. Estas duas são formadas por coisas muito menores, conhecidas como quarks, enquanto os elétrons são apenas um dos tipos de léptons.
Em outras palavras, podemos dizer que todas as coisas que podemos ver são formadas por quarks e léptons, e a melhor parte é que não precisamos enxergar essas coisas para saber que elas existem. Exemplo disso é o próprio elétron, pois sem ele não haveria eletricidade. Mas antes de entender como a existência dessas partículas fundamentais pode ser comprovada, é interessante saber como os cientistas “enxergam” os átomos.
Como ver os átomos?
A princípio, é impossível enxergar um átomo, e provavelmente nunca conseguiremos fazer isso — ao menos se estivermos falando do fenômeno óptico no qual a luz em determinados comprimentos de onda é refletida nos objetos e chega aos nossos olhos, causando uma sensação que chamamos de “cor”.
O problema é que átomos são tão minúsculos que, se um deles fosse ampliado até a altura de um prédio de 14 andares, seu núcleo ainda teria o tamanho de um grão de sal. Por outro lado, as ondas da luz visível tem comprimentos entre 400 a 760 nanômetros, muito maiores que um átomo: 0,1 nanômetro. Então, a solução é encontrar outras maneiras de “enxergar”, e uma solução muito eficiente é o microscópio de tunelamento.
No início dos anos 1980, Gerd Binnig e Heinrich Rohrer desenvolveram a primeira tecnologia desse tipo, chamada “Microscópio de Tunelamento por Varredura”, ou simplesmente nanoscópio, uma invenção que lhes garantiu o Prêmio Nobel de Física de 1986. Esse equipamento é tão sensível que consegue perceber as elevações que correspondem ao núcleo dos átomos.
Com essa varredura, o microscópio pode coletar informações de uma amostra sólida e mapear a posição e distribuição dos seus átomos, e depois enviar os dados para um computador construir um modelo tridimensional. Essa tecnologia só foi possível graças às descobertas da mecânica quântica feitas no início da década de 1900. Elas mostraram que, em determinadas circunstâncias, os elétrons podem penetrar barreiras sem ter energia suficiente para isso, simplesmente porque há uma “nuvem” de probabilidades para a localização deles.
Para obter esse fenômeno, chamado pelos cientistas de efeito túnel, basta que uma agulha encontre durante sua varredura uma elevação tão pequena como a décima parte do tamanho de um átomo. Quando isso acontece, o elétron que há naquele átomo gera uma corrente elétrica que, por sua vez, diz ao computador para “acender” um ponto na tela. Se a agulha passa por uma lacuna, a corrente diminui e o modelo 3D ganha um “buraco”.
O movimento da agulha continua, como se fosse um toca-discos gerando uma onda sonora para cada ranhura minúscula entre os sulcos gravados no plástico. O resultado é um mapa com protuberâncias e buracos, representando os átomos e os espaços entre eles. O computador amplia o resultado em cerca de 100 milhões de vezes, com dezesseis níveis de cinza ou em 106 tonalidades de cores artificiais para dar volume às estruturas atômicas.
Como ver partículas subatômicas?
A descoberta de partículas como elétrons, prótons, nêutrons, ou mesmo o quark se deu muito antes da invenção do telescópio de tunelamento. Isso foi possível porque alguns cientistas, em vez de tentar enxergar essas partículas, observaram o efeito delas em determinadas circunstâncias.
Elétrons
O primeiro deles a ser descoberto foi o elétron, mas esse foi o resultado de muitos anos de estudo por parte de muitos cientistas que tentavam decifrar a estrutura da matéria. Eles já conheciam a eletricidade e tinham muitas ideias para explicá-la, mas era preciso comprovar pela observação. Então, conduziam experimentos com tubos de vidro com duas placas metálicas — ânodo e cátodo —, uma em cada extremidade, e aplicavam sobre elas altas voltagens. O incômodo surgiu quando a corrente elétrica era indicada no amperímetro mesmo quando o experimento era submetido a alto nível de vácuo.
Para descobrir o motivo disso, o físico e químico W. Crookes reproduziu o experimento, mas em um tubo curvo. Ao aplicar altas voltagens nos eletrodos em vácuo, ele percebeu que uma determinada região do tubo apresentava uma luminescência esverdeada, o que ele julgou ser produzido por algum tipo de radiação do cátodo — foi assim que as tais radiações ganharam o nome de “raios catódicos”. Mas ainda não havia respostas conclusivas sobre o fenômeno.
Foi só em 1897, 22 anos após a descoberta dos raios catódicos, que J. J. Thomson realizou novas experiências capazes de comprovar que eles eram formados por partículas que possuem carga negativa. Além disso, ele demonstrou que os raios poderiam ser desviados mediante a aplicação de campo elétrico, confirmando assim a natureza da carga elétrica das partículas. Ele ainda tentou determinar o valor da carga e a massa dos elétrons, mas não conseguiu nada, exceto medir a razão entre a carga e a massa do elétron.
Prótons
O próton foi a segunda partícula subatômica descoberta, mas começou a ser estudada por volta de 1886, um pouco antes de Thomson descobrir o elétron. Eugen Goldstein usava a já famosa ampola de Crookes e seus raios catódicos em experimentos, fazendo furos na placa de cátodo da ampola. Com isso, ele observou feixes luminosos atravessaram em sentido contrário aos raios catódicos, evidenciando a existência de outra partícula.
Ao se aprofundar nos estudos, ele decidiu colocar um campo elétrico na ampola de Crookes para estudar se os próximos raios teriam carga positiva ou negativa, e o resultado foi determinante: eles eram atraídos pelo campo negativo. Ou seja, eram carregados com carga positiva. Goldstein descobriu então que as novas partículas eram resultado de uma colisão entre as moléculas de H2 com os elétrons.
Mais tarde, Ernest Rutherford observou os raios de Goldstein tinham a menor carga positiva estudada até então, e chamou a partícula de próton, que significa “primário” em grego, porque se pensava que não haveria nada a ser encontrado que fosse ainda mais fundamental. Com experimentos, cientistas ao longo do próximo século reuniram muitas informações sobre o próton e o elétron.
Nêutrons
Foi o mesmo Rutherford quem previu a existência de uma terceira partícula, dessa vez sem carga elétrica, ou seja, neutra. Ele cogitou que uma ligação entre um próton e um elétron formaria essa partícula que, embora neutra, teria massa igual à do próton. Isso só foi confirmado em 1932, quando o físico inglês James Chadwick usou a conservação da quantidade de movimento em um determinado experimento — ele fez com que feixes de partículas alfa se colidissem com uma amostra de berílio.
Dessa colisão, apareceu um tipo de radiação que levaram muitos cientistas a cogitar que se fossem raios gama, mas a matemática discordava. É nesse momento que os cientistas precisam tanto da pesquisa observacional, quanto das previsões e matemáticas das teorias que se mostraram ao longo do tempo eficácia em explicar o universo. Nesse caso, todo o trabalho de cientistas como Rutherford — e muitos outros — foi útil para demonstrar que aquela radiação era a já prevista partícula de carga neutra.
Para comprovar isso, Chadwick mediu a massa dessas partículas — lembra que Rutherford previu que elas teriam massa igual à do próton? —, e o resultado não apenas confirmou a existência dos nêutrons, como garantiu a Chadwick o Prêmio Nobel da Física. Por algumas décadas, pensava-se que essas partículas eram, finalmente, as coisas mais fundamentais da matéria, mas logo surgiria uma nova física que só poderia ser explicada se a matemática contasse com partículas “dentro” dos prótons e nêutrons.
Partículas fundamentais
Com o estudo das radiações nucleares e de colisões entre partículas capazes de separá-las dos átomos, se tornou necessário explicar como prótons e nêutrons permaneciam unidos. É que os núcleos atômicos de elementos como o urânio, formado por 92 prótons e 143 nêutrons, se partem com muita facilidade. Mais que isso, eles se reorganizam e formam outros átomos, de outros elementos.
Isso é muito bizarro, se pensarmos bem no assunto, mas ainda há outros efeitos. Por exemplo, quando o núcleo se quebra — ou seja, prótons e nêutrons se soltam —, é liberada uma grande quantidade de energia, e é por isso que temos usinas e bombas nucleares. Para entender esses fenômenos, foi necessário ir além das partículas já conhecidas e descobrir coisas como quarks e múons.
Mais uma vez, tais partículas foram previstas por cientistas para mais tarde serem confirmadas por experimentos e muita matemática. Cada vez mais, pesquisadores se depararam com coisas que precisavam de explicações, e uma nova teoria foi desenvolvida: o Modelo Padrão de partículas. Até o momento, ele é o mais bem sucedido modelo para explicar a matéria visível do universo.
O Modelo Padrão foi confirmado em todos os experimentos, muitos deles apenas possíveis com gigantescos aceleradores de partículas. A mais recente grande descoberta foi o Bóson de Higgs, previsto pelo Modelo Padrão e observado no LHC, o maior acelerador de partículas do mundo. Ainda há muito para se descobrir, como a partícula constituinte da matéria escura do universo, mas o sucesso da ciência até o momento nos mostra que, talvez, não demore muito até que mais esse mistério seja desvendado.
Fonte: Instituto de Física/USP, Jornal da USP, RECEN/UNICENTRO, HyperPhysics