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Quinta força fundamental descoberta? Saiba tudo sobre novo experimento com múons

Por| Editado por Patricia Gnipper | 14 de Abril de 2021 às 10h50

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Runbo Chen/Quanta Magazine
Runbo Chen/Quanta Magazine

No dia 7 de abril, cientistas do Laboratório Nacional do Acelerador Fermi (Fermilab) revelaram os primeiros resultados de um estudo iniciado há cerca de quatro anos. Em 2017, um experimento foi iniciado nas instalações do laboratório para estudar uma suposta anomalia em partículas chamadas múons, que estariam se comportando de uma maneira que não é prevista pelo Modelo Padrão da física de partículas. O resultado confirmou a tal anomalia e sinaliza o possível surgimento de uma nova física no horizonte da ciência.

Entretanto, é preciso muita calma nessa hora. Muitos esperam pelo anúncio de uma nova interação fundamental da física quântica, talvez uma nova partícula que explique alguns dos maiores e mais complexos mistérios do universo. Se você já ouviu falar do termo “Teoria de Tudo”, é sobre isso que estamos falando — uma descoberta que a comunidade científica de todo o mundo aguarda há décadas. Por isso, a notícia dos resultados anunciados pelo Fermilab deve ser tratada com muita cautela e até mesmo com certo ceticismo.

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Ainda assim, foi alardeado na mídia sobre a descoberta de uma quinta força fundamenta da natureza. Como não é a primeira vez que cientistas encontram pistas que apontam para uma possível nova força da física, resolvemos investigar e contar a história direitinho. Afinal, trata-se de um tipo de descoberta que pode revolucionar tudo o que sabemos sobre a mecânica quântica, então é preciso entender bem o que está acontecendo no Fermilab.

Mesmo com toda a cautela e certa dose de ceticismo (por parte dos próprios cientistas envolvidos), os resultados revelados são empolgantes e a história merece um destaque maior do que parece. A medição dos músons foi feita pelo Fermilab com precisão sem precedentes e confirma (por enquanto) uma discrepância que coloca uma “pulga atrás da orelha” dos pesquisadores há décadas. Se for confirmado como uma descoberta de fato, talvez se trate, sim, de uma quinta força fundamental da natureza!

Mas o que são múons? Que anomalia é essa? E por que isso é tão importante? Bem, vamos responder cada uma dessas perguntas, pois é possível que ainda ouviremos falar muito sobre esse assunto nos próximos anos.

O que é Múon?

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O múon é uma partícula elementar, ou seja, não há indícios de que ela possua qualquer sub-estrutura, ou que seja formada por partículas ainda menores. Ela é semelhante ao elétron, isto é, tem carga elétrica -1 e um spin de 1⁄2, mas apresenta massa muito maior, aproximadamente em 200 vezes. O decaimento do múon sempre produz pelo menos três partículas, que devem incluir um elétron da mesma carga que o múon e dois neutrinos de diferentes tipos.

Assim como os elétrons, os múons agem como se tivessem um minúsculo ímã interno. Em um campo magnético forte, a direção desse ímã metafórico do múon sofre precessão, ou seja, um movimento vagaroso do eixo de rotação, uma espécie de oscilação como o eixo de um pião ou giroscópio. A força desse ímã interno determina a taxa de precessão do múon em um campo magnético externo e é descrita por um número que os físicos chamam de fator g. Memorize bem esse conceito, pois ele fará toda a diferença para entender essa história toda.

O experimento Muon g -2

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Nos arredores de Batavia, Illinois, está o Fermi National Accelerator Laboratory, ou simplesmente Fermilab, um laboratório nacional do Departamento de Energia dos Estados Unidos especializado em física de partículas de alta energia. Ali, alguns experimentos acontecem para estudar algumas coisas, entre elas o múon — uma partícula elementar semelhante ao elétron, com carga elétrica -1, mas com uma massa 200 vezes maior.

Este experimento, chamado Muon g −2, tem como objetivo medir uma anomalia no momento de dipolo magnético de múons, com alta precisão. Além de ser um teste muito importante para o Modelo Padrão, os cientistas sabem que o Muon g -2 também pode fornecer evidências da existência de partículas inteiramente novas. E pode ser que isso esteja prestes a acontecer, porque os cientistas anunciaram no dia 7 de abril os primeiros resultados da experiência no Fermilab.

As experiências com Muon g-2 ocorrem desde 1959, em diferentes locais. O penúltimo deles foi no Laboratório Nacional de Brookhaven, que terminou em 2001. Enquanto os testes com elétrons estão em grande acordo com os cálculos previsto, o experimento com múons foi um tanto mais complicado, em parte porque essa partícula tem um tempo de vida muito curto, o que dificulta as medições. Mas a equipe de Brookhaven conseguiu realizar a tarefa e detectou uma discrepância entre o valor medido e a previsão do Modelo Padrão. É preciso ressaltar que esse resultado não poderia ser considerado conclusivo.

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Dez anos após o encerramento do experimento em Brookhaven, o Fermilab adquiriu o equipamento para continuar o trabalho. Eles reformaram o ímã e quando o ligaram em setembro de 2015, com o objetivo de confirmar ou eliminar aquela discrepância da lista de resultados observacionais de física além do Modelo Padrão. O ímã recebeu seu primeiro feixe de múons no Fermilab no dia 31 de maio de 2017 e a coleta de dados foi planejada para ocorrer até 2020.

Agora, em 7 de abril de 2021, os primeiros resultados do experimento foram revelados e discutidos em um seminário especial. Os dados combinados do Fermilab e do Brookhaven mostram uma diferença entre as observações e a teoria, um resultado muito otimista para os cientistas que tanto buscam por evidências de uma nova física. Entretanto, o nível de “certeza” é de 4,2 sigma, ou seja, existe a probabilidade de um em 40 mil de que o resultado seja um acaso estatístico.

Para que isso seja considerado uma descoberta e não um “acidente” estatístico, é necessário obter 5 sigma, ou uma chance de acaso em 3,5 milhões. Ainda há um bom caminho a percorrer para chegar ao nível de certeza exigido mas ainda assim, esses resultados são evidências o suficiente para continuar os experimentos com o múon.

Como o experimento é feito

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O experimento Muon g-2 envia um feixe de múons para o anel de armazenamento, onde circulam milhares de vezes quase à velocidade da luz. Os detectores que revestem esse anel permitem que os cientistas determinem a velocidade com que os múons estão precessando, ou seja, realizando o movimento de precessão devido à interação com um ímã eletromagnético de 15 metros de diâmetro.

O Fermilab conseguiu não apenas continuar o experimento de seu antecessor, como também produziu o feixe de múons mais intenso dos Estados Unidos. Os pesquisadores sintonizaram e calibraram um campo magnético incrivelmente uniforme e desenvolveram novas técnicas, instrumentação e simulações, testando exaustivamente todo o sistema. Em seu primeiro ano de operação, o experimento do Fermilab coletou mais dados do que todos os experimentos anteriores juntos.

Conforme os múons circulam no ímã do Fermilab, eles interagem com uma espuma quântica de partículas subatômicas, surgindo e desaparecendo. As interações com essas partículas de vida curta afetam o valor do fator g (lembra daquela informação que faria toda a diferença?), fazendo com que a precessão dos múons (aquela oscilação em um eixo) acelere ou desacelere ligeiramente.

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Pois bem, o Modelo Padrão prevê esse movimento anômalo com extrema precisão, mas se a espuma quântica contiver forças adicionais ou partículas não contabilizadas pelo Modelo Padrão, resultaria em uma “torção” ainda maior o fator g do múon. Como explica a física Renee Faatemi, da Universidade de Kentucky, “esta quantidade que medimos reflete as interações do múon com tudo o mais no universo. Mas quando os teóricos calculam a mesma quantidade, usando todas as forças e partículas conhecidas no Modelo Padrão, não obtemos a mesma resposta".

Os valores teóricos aceitos para o múon (com incerteza entre parênteses) são:

  • Fator g: 2,00233183620 (86)
  • Momento magnético anômalo: 0,00116591810 (43)

Os novos resultados experimentais da média mundial anunciados pela colaboração Muon g-2 hoje são:

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  • Fator g: 2,00233184122 (82)
  • Momento magnético anômalo: 0,00116592061 (41)

De acordo com Fatemi, que faz parte do experimento Muon g-2, “esta é uma forte evidência de que o múon é sensível a algo que não está em nossa melhor teoria”. Em outras palavras, o resultado oferece indícios de que o comportamento do múon discorda do Modelo Padrão da física de partículas. Caso isso seja comprovado cientificamente em novas observações, o modelo terá que ser revisto para explicar esse comportamento.

Por que estudar as partículas?

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Há basicamente dois bons motivos para estudarmos as partículas com afinco. Bem, há outros, mas vamos focar nestes: confirmar (ou derrubar) o Modelo Padrão da física das partículas e buscar por uma descoberta que possa ajudar a preencher uma lacuna deixada pela falta de uma mecânica quântica capaz de explicar a gravidade do universo. Não que o Modelo Padrão seja ruim, mas não seria exagero dizer que ele parece um pouco incompleto.

Não é nenhuma novidade que os físicos estão à procura de uma nova teoria capaz de explicar o comportamento das partículas em um mundo regido pela gravidade. É que aproximadamente na mesma época em que Albert Einstein descreveu toda a física do universo através da Teoria da Relatividade Geral, outro físico alemão chamado Max Planck começou a descrever um outro universo, o das partículas tão minúsculas que não podemos vê-las. Essa nova física ficou conhecida como teoria quântica, e mais tarde veio o Modelo Padrão para unificar todas as descobertas quânticas.

Até hoje, o Modelo Padrão da física de partículas é constantemente descrito como “a melhor teoria que temos” sobre as partículas fundamentais que constituem toda a matéria do universo. Isso significa que ela é muito eficaz em nos revelar como as forças e suas partículas mediadoras atuam, mas a descrição também parece sugerir nas entrelinhas que poderia haver alguma teoria ainda melhor: uma “teoria de tudo. Isso porque ainda não fomos capazes de explicar a gravidade no mundo quântico.

As duas teorias já foram comprovadas inúmeras vezes, mas elas são incompatíveis — a gravidade da matéria não faz muito sentido quando falamos de partículas, ou melhor, não existe uma partícula que explique a gravidade. Ao falarmos nas forças fundamentais da natureza, costumamos citar quatro delas: a força forte, a força fraca o eletromagnetismo e a gravidade, mas esta última não é exatamente uma força, como Newton afirmava ser. A mecânica quântica pode explicar todos os fenômenos do universo através de partículas mediadoras, exceto a gravidade.

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Quase um século já se passou desde a postulação dessas duas teorias e muito já se aprendeu sobre cada uma delas através de observações e evidências, mas os físicos ainda estão à procura de uma descoberta capaz de conciliar as melhores explicações que temos sobre o universo. É aí que entra a busca por uma nova partícula, ou uma nova força da física. Nessa busca, é possível que apareçam outras interações quânticas que os cientistas nem sequer imaginavam.

O que o resultado do Fermilab significa?

O Modelo Padrão descreve cada partícula que conhecemos e como essas partículas interagem entre si por meio das seguintes forças fundamentais:

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  • Eletromagnetismo (responsável pela luz, eletricidade, ímãs)
  • A força nuclear forte (responsável por manter tudo unido)
  • A força nuclear fraca (responsável pela radioatividade)

Para cada uma dessas forças, existe uma partícula intermediadora. Fótons são as partículas intermediadoras das forças eletromagnéticas, assim como os gluons são as da força forte e os bósons pesados são os da força fraca. Contudo, nada disso explica a gravidade conforme a descrição de Einstein na Teoria da Relatividade Geral. Isso significa que faltam peças no Modelo Padrão. Na verdade, os físicos esperam descobrir uma ou mais novas forças fundamentais.

Se de fato os múons apresentam um comportamento inesperado, pode ser que isso seja causado por uma força desconhecida — quem sabe uma quinta força fundamental. E o que isso tudo tem a ver com a unificação do Modelo Padrão com a Relatividade Geral? É que a descoberta de uma nova força (caso seja confirmada) pode abrir as portas para uma física completamente nova, talvez ampla o suficiente para resolver alguns desses mistérios atuais. Na pior das hipóteses, será a prova de que ainda há coisas para se descobrir no mundo quântico.

Ainda há muito por vir

Essa não é a primeira vez que cientistas encontram pistas de uma nova força fundamental da natureza. Em maio de 2016, por exemplo, Attila Krasznahorkay e seus colegas publicaram um artigo sobre um isótopo de berílio-8 que gerava elétrons e pósitrons que se afastavam a um ângulo de 140 graus, diferente do esperado. Não demorou para que a ideia de um novo tipo de bóson fundamental surgisse, porque essas características não coincidiam com as de outras forças fundamentais.

Mais tarde, em 2019, a mesma equipe repetiu o experimento, mas com outro átomo, o hélio. Mais uma vez, encontraram de novo esse comportamento, embora com um ângulo de separação de elétrons e pósitrons diferente. Mais tarde, em março deste ano, uma equipe de físicos no acelerador de partículas da Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN) encontrou evidências de um decaimento de um tipo de quarks em múons ou elétrons em proporções não previstas pela teoria, o que poderia ser explicado por uma quinta força fundamental.

Como mencionamos antes, provavelmente ainda ouviremos falar muito sobre o experimento do Muon g -2, porque estes dados dizem respeito apenas à primeira “corrida” de múons ao redor do anel de armazenamento. "Até agora, analisamos menos de 6% dos dados que o experimento irá eventualmente coletar, disse Chris Polly, um dos porta-vozes do experimento. “Embora esses primeiros resultados nos digam que há uma diferença intrigante com o Modelo Padrão, aprenderemos muito mais nos próximos anos”, concluiu.

Este não foi um trabalho solitário: mais de 200 cientistas de 35 instituições em sete países trabalharam em colaboração no experimento, e foram capazes de analisar o movimento de mais de 8 bilhões de múons só durante primeira corrida ao redor do anel. "Após os 20 anos que se passaram desde que o experimento de Brookhaven terminou, é muito gratificante finalmente estar resolvendo este mistério", disse Polly.

Para o vice-diretor da pesquisa Joe Lykken, "determinar o comportamento sutil dos múons é uma conquista notável que guiará a busca pela física além do Modelo Padrão nos próximos anos. Este é um momento empolgante para a pesquisa em física de partículas e o Fermilab está na vanguarda”, delcara. Por fim, Maggie Aderin-Pocock, co-apresentadora do programa de TV Sky at Night da BBC disse que "essa descoberta tem o potencial de virar a física de ponta-cabeça. Ainda temos uma série de mistérios que permanecem sem solução. E isso pode nos dar as respostas-chave para resolver esses mistérios".

Fonte: FermilabBBC, Space Daily