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Por que Hiroshima é habitável e Chernobyl não?

Por| Editado por Patricia Gnipper | 26 de Abril de 2021 às 12h15

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Maikel/Flickr
Maikel/Flickr

A madrugada de 26 de abril de 1986 ficou marcada na história como palco do pior desastre nuclear que já ocorreu: foi naquele dia que explodiu o reator nº 4 da Usina Nuclear de Chernobyl, que hoje faz parte do território da Ucrânia, causando a morte de trabalhadores e liberando materiais radioativos que se espalharam pela Europa. Hoje, 35 anos após o acidente, ainda não é seguro viver por lá — ao contrário da cidade de Hiroshima, que foi atingida por uma bomba atômica em 1945. Mas, afinal, por que Hiroshima é habitável e Chernobyl não?

Cerca de 40 anos antes do acidente na usina, o mundo havia testemunhado o poder destrutivo das bombas atômicas: em 6 de agosto de 1945, os Estados Unidos liberaram a bomba de urânio, apelidada de “Little Boy”, sobre Hiroshima. Segundo estimativas da Radiation Effects Research Foundation, que levam em conta as mortes pela força e calor das explosões e pela exposição à radiação, mais de 100 mil pessoas morreram em Hiroshima; depois, o ataque foi repetido em Nagasaki e matou mais 80 mil pessoas. Os sobreviventes dos bombardeios tiveram que conviver com as sequelas e o trauma — eles foram chamados de “hibakusha”, termo usado para se referir àqueles que foram afetados pelas bombas.

Já no caso de Chernobyl, falhas humanas somadas a erros de projeto ocasionaram outra tragédia: no dia do acidente, os operadores da usina nuclear iam aproveitar uma manutenção de rotina para testar se o reator poderia ser resfriado mesmo se faltasse energia na usina. Para isso, eles desligaram os geradores de emergência e, depois, reduziram a potência do reator. O problema, contudo, é que a estrutura apresentou comportamento instável que foi seguida de um pico de energia. Com isso, iniciou-se uma reação em cadeia que causou uma série de explosões na parte interna do reator.

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Enquanto isso, com o superaquecimento causado pela explosão, o urânio que ficava no interior do reator derreteu e escapou das barreiras de proteção. Na ocasião, o acidente causou a morte de funcionários que trabalhavam na usina e exigiu os esforços de milhares de soviéticos para tentar conter o incêndio e o espalhamento da radiação — e, embora os níveis radioativos continuem altos demais para que seja possível viver na cidade de Pripyat, que ficava a 3 km da usina, a região continua um dos destinos turísticos mais populares do mundo.

Por que Hiroshima é habitável e Chernobyl não?

Pripyat foi evacuada às pressas nas horas seguintes após o acidente e, hoje, a antiga cidade faz parte de uma zona de exclusão que se estende por 2,8 mil quilômetros quadrados em torno da usina. Atualmente, Pripyat é uma cidade fantasma: prédios, vilarejos e outras construções seguem abandonadas, e os pertences dos civis ficaram para trás. Mesmo com o risco, alguns moradores decidiram, por conta própria, voltar para suas casas.

Para grande parte dos especialistas, o cenário é um só: as áreas que fazem parte da zona de exclusão de Chernobyl continuam bastante contaminadas com isótopos radioativos, como o césio-137, estrôncio-90 e iodo-131. Portanto, mesmo que turistas sigam se aventurando para explorar o local por breves períodos e com várias restrições, viver por lá não é nada seguro — mas, enquanto isso, Hiroshima hoje é como qualquer outra grande cidade japonesa, com moradores e turistas que viajam para lá normalmente.

Para entender o que há por trás de cenários tão diferentes nessas cidades, é preciso levar em conta alguns fatores. O primeiro deles é a quantidade de material radioativo que foi usado em cada caso: com a explosão, o reator 4 liberou pelo menos sete toneladas de material radioativo para a atmosfera. Em comparação, a bomba Little Boy tinha cerca de 60 kg de urânio enriquecido em seu interior; deste total, uma quantidade mínima foi usada durante a reação que arrasou Hiroshima.

Além disso, é importante lembrar que as bombas liberadas no Japão foram detonadas ainda no ar, quando estavam a cerca de 500 m acima da superfície. Por isso, parte dos detritos radioativos foram dispersados pela nuvem em forma de cogumelo que se formou e não chegaram a cair no solo — mas, logo depois da explosão, uma parte do material nuclear foi para a atmosfera e se misturou com o calor dos incêndios causados pelo ataque, o que criou uma chuva negra e tóxica. Essa chuva de água radioativa era capaz de manchar a pele e até a estrutura de construções, e envenenou quem ingeriu a água contaminada.

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Já no caso de Chernobyl, o reator derreteu e liberou urânio, o que desencadeou a ativação de nêutrons. Trata-se de um processo em que a radiação dessas partículas induz também a radioatividade em outros materiais. Este é o único jeito comum de tornar radioativo um material que seja estável, e resultou na contaminação do solo. Hiroshima escapou deste efeito devido à altitude da detonação da bomba, mas o césio-137 e outros isótopos continuam impregnados no solo próximo da antiga usina — prova disso é a chamada Floresta Vermelha, a 10 km da usina, onde os níveis deles foram registrados 20 vezes acima da contaminação de Hiroshima e Nagasaki.

O que a radiação pode causar

Hoje, as grandes matrizes energéticas de que dispomos atuam com processos químicos e físicos — este último é o caso da fusão e da fissão nuclear, que são capazes de produzir enormes quantidades de energia a partir de processos subatômicos. Em linhas gerais, a fusão ocorre quando duas partículas subatômicas se unem para formar uma partícula nova e mais pesada. Esse processo requer muita energia, resulta em quantidades ainda maiores e é o que acontece no Sol e nas outras estrelas.

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Já a fissão é o processo em que um nêutron é disparado para um átomo instável. Esse átomo é forçado a entrar em um estado de excitação, que faz com que ele se separe em outros menores e libere uma enorme quantidade de energia enquanto faz isso; assim, esse processo continua em uma reação em cadeia. Geralmente, o urânio e o plutônio são usados para as reações de fissão, porque podem iniciar o processo com mais facilidade e proporcionam melhor controle.

Em Chernobyl, a explosão inicial matou dois funcionários da usina, e quase 30 bombeiros e trabalhadores que atuavam na limpeza dos destroços morreram nos três primeiros meses pelos efeitos da síndrome aguda da radiação, que ocorre quando o organismo é exposto a altos níveis de radiação. Após o acidente, foram registrados pelo menos 1.800 casos de câncer de tireoide em crianças que tinham entre 0 e 14 anos quando tudo aconteceu, uma taxa muito mais elevada que o normal.

Os altos níveis de radiação que ainda ocorrem lá podem ser extremamente prejudiciais tanto para humanos quanto para outros seres vivos. Além de o material radioativo em Chernobyl ser instável, ele está constantemente emitindo partículas e ondas altamente energéticas, que são capazes de destruir facilmente as estruturas celulares e de produzir compostos químicos quando atacam o maquinário delas.

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Claro, as células conseguem substituir a maior parte das suas estruturas se for necessário, mas isso não se aplica ao DNA: doses mais altas de radiação podem alterar essa molécula, enquanto doses menores causam mutações responsáveis por alterar as funções celulares. Isso pode desencadear a multiplicação descontrolada de células, que se espalham para outras partes do corpo, causando o câncer.

E os animais e plantas em Chernobyl?

O impacto inicial do acidente foi intenso: uma floresta de pinheiros próxima recebeu tanta radiação que morreu imediatamente, e as folhas adquiriram coloração vermelha, o que resultou no apelido de "Floresta Vermelha". Poucos animais sobreviveram ao pico de radiação e, devido ao tempo que alguns compostos radioativos levam para decair e desaparecer, era esperado que a região ficasse sem seres vivos por séculos. Contudo, não é isso que vemos atualmente, já que há animais e plantas vivendo na zona de exclusão.

Como as células e sistemas dos organismos dos animais são extremamente específicos e inflexíveis, os efeitos que descrevemos (e outros) podem ser fatais. Mesmo assim, é possível observar ursos marrons, bisões, lobos, cavalos e diversas outras espécies de animais vivendo por lá sem apresentar tantas consequências da radiação. Um estudo que investigou os anfíbios em Chernobyl detectou populações abundantes por lá e sinais que podem sugerir a ocorrência de respostas adaptativas ao ambiente radioativo, como sapos de pele mais escura do que aqueles que vivem fora da região.

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As plantas, enquanto isso, se mostram ainda mais resilientes às condições — todas, exceto as que eram mais vulneráveis e expostas, sobreviveram ao ocorrido, tanto que três anos foram suficientes para a recuperação daquelas que viviam nas áreas mais radioativas da zona de exclusão. Muito disso se deve à capacidade adaptativa delas: como não consegue se mover, a vegetação precisa se adaptar ao ambiente e, portanto, às condições dele.

Elas conseguem substituir células mortas e tecidos com muito mais facilidade do que os animais, e mesmo que surjam tumores, as paredes que envolvem as células as protegem da multiplicação descontrolada. Hoje, algumas plantas presentes na região parecem estar usando alguns mecanismos para proteger o DNA e deixá-lo mais resistente, junto de sistemas de reparação prontos para "consertá-lo" se for necessário. É possível que isso ocorra porque, quando os primeiros vegetais estavam evoluindo, o ambiente tinha muito mais radiação do que tem hoje, então elas podem estar voltando para adaptações parecidas com as daquela época.

No fim das contas, embora haja seres vivos dominando a região abandonada, é difícil dizer quando os arredores de Chernobyl poderão abrigar moradores outra vez, porque as estimativas são variadas: alguns especialistas estimam que seriam necessários pelo menos 180 anos para a anulação dos efeitos radioativos, enquanto outros propõem que ainda vai levar 20 mil anos para que a zona próxima da antiga usina seja habitável novamente.

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Fonte: Gizmodo, The Guardian, BBC (1, 2), National Geographic, The Conversation, Energy, Columbia, Ufpel