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"Dino zumbi" | Brasileiros descobrem dados inéditos sobre doença em dinossauros

Por| 19 de Outubro de 2020 às 19h30

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Reprodução: Hugo Cafasso
Reprodução: Hugo Cafasso

Paleontólogos brasileiros acabam de apresentar os resultados de um estudo que traz detalhes sobre uma doença misteriosa que atingia os dinossauros, com base em uma criatura que viveu no oeste paulista há nada menos que 80 milhões de anos.

Devido à aparência debilitada dos fósseis do dinossauro, ele foi batizado carinhosamente pelos cientistas de "dino zumbi". O animal saurópode, da família dos titanossauros, contava com vários caroços esponjosos no seu osso da perna, como se fossem pequenas lesões, e então a equipe decidiu investigar o que estava acontecendo com essa criatura, mostrando que os últimos dias de vida deste dinossauro não foram nada fáceis.

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A pesquisa

Aline Ghilardi, professora de paleontologia da Universidade do Rio Grande do Norte (UFRN), e Marcelo Fernandes, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), vêm estudando uma coleção de fósseis de dinossauros desde 2006, coletados no noroeste paulista, hoje abrigados no Laboratório de Paleocologia e Paleoicnologia (LPP) da UFSCar. Dentre os fósseis estão restos de dinossauros carnívoros e herbívoros que, lá no Período Cretáceo, tiveram como moradia o que hoje é o estado de São Paulo.

Até que há três anos, em 2017, Ghilardi notou os detalhes do osso da perna do dinossauro, observando algo que nunca havia sido debatido antes. Entre as características do material estavam as lesões, que até pareciam apontar para um câncer nos ossos, mas no ano seguinte, com a colaboração de Tito Aureliano, pesquisador especializado em dinossauros da UFRN, com foco em estudo de tecidos fossilizados, os fósseis começaram a ser analisados em nível microscópico.

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"Se conhece muito pouco sobre doenças do passado, sobretudo ao nível histológico. A maioria das pesquisas deste tipo foca em descrever as amostras ao olho nu ou apenas com o auxílio de radiografias simples e falham ao investigar dentro dos ossos para entender mais sobre o desenvolvimento das doenças. Esta seria uma excelente oportunidade para avançar no conhecimento sobre doenças pré-históricas", dizem os pesquisadores.

Metodologia

O próximo passo do estudo foi fazer um exame de tomografia computadorizada do fóssil na Escola de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), que chegou à conclusão de que o animal sofria de uma doença chamada osteomielite aguda, uma infecção nos ossos que pode provocar a deformação deles. Inclusive, a condição não é exclusiva de animais, acometendo humanos e outras criaturas até os dias de hoje.

Os cientistas contam que a tomografia gerou um modelo 3D do fóssil, sendo a primeira vez que isso ocorreu em fósseis com este tipo de patologia, mostrando que a lesão não era apenas externa e apresentando as lesões salientes, como também atingia a camada mais interna do material. "Considerando como essa doença age em organismos atuais, o dinossauro deve ter sofrido muito até atingir o estado grave que observamos, com a formação destes caroços e feridas abertas expelindo pus pelas pernas, braços e corpo. O aspecto geral lembraria muito o de um dino Zumbi", explica Aureliano.

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Mas a descoberta não se encerrou com o diagnóstico geral da doença. No momento da revisão do artigo, os cientistas envolvidos perceberam a ausência de dados histológicos sobre a condição, ou seja, ainda não era conhecido em nível microscópico. As pesquisas voltaram e Aureliano separou lâminas finas do tecido fossilizado, a fim de estudar a infecção com mais detalhes e também trazer mais respostas.

De acordo com os resultados da análise das lâminas, os pesquisadores descobriram que a inflamação óssea foi além dos caroços: quando a ferida se abriu, bactérias aproveitaram o espaço para colonizá-lo. O dinossauro estudado já era um animal idoso quando morreu, mas os cientistas não acreditaram que isso seria motivo para o seu falecimento, e também não havia qualquer sinal de que a infecção teria sido causada por fraturas ou mordidas de outras criaturas.

Fresia Ricardi Branco, da Unicamp, detectou então, em amostras fossilizadas de tecido, a existência de microfósseis abrigado nos canais vasculares do osso, mostrando mais de 10 microorganismos fossilizados. Foi quando Carolina Nascimento, paleoparasitóloga da UFSCar, foi convidada para analisar a amostra com mais detalhes e trazer novas respostas. A especialista detectou a presença de mais de 70 microorganismos parecidos dentro do osso do animal, chegando à conclusão de que se tratava de um tipo de parasita sanguíneo.

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Graças à insistência no estudo, esta foi a primeira vez que cientistas encontram parasitas preservados dentro de ossos de dinossauros. Antes disso, a maior conquista era de parasitas pré-históricos dentro de insetos preservados em âmbares ou ainda fezes fossilizadas. Os paleontólogos também conduziram uma análise geoquímica na Unicamp, descobrindo que os microorganismos foram fossilizados através de um processo chamado fosfatização, e que a fossilização aconteceu de forma rápida. Por isso, os microorganismos ficaram tão preservados no hospedeiro, nos possibilitando a descobrir o que afligia esse dinossauro milhões de anos atrás.

Conclusões

Ainda não foi possível, no entanto, determinar se os parasitas encontrados nos ossos do titanossauro foram os responsáveis pelo aparecimento das lesões, ou ainda se essas feridas apenas facilitaram a colonização dos parasitas. As análises continuarão sendo feitas tanto por Ghilardi quanto por Nascimento, em um projeto que foi capaz de unir o trabalho em fósseis baseado em histologia, patologia e parasitologia, abrindo caminho para futuros estudos. "Esta descoberta é muito importante para a paleontologia como um todo, pois abre novas perspectivas no estudo de doenças pré-históricas e na compreensão da evolução de enfermidades que existem até hoje", contou Aline ao Canaltech.

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"Isso é excepcional e coloca o Brasil e os pesquisadores brasileiros em uma posição de destaque na paleontologia do mundo. A partir de agora, pesquisadores do mundo todo vão olhar os seus fósseis com outros olhos, por causa de um trabalho produzido aqui. Já fizemos várias análises no parasita, já temos uma identificação e este trabalho deverá ser publicado em breve. Continuaremos analisando fósseis encontrados no mesmo sítio, no oeste paulista, em busca de mais evidências dessa curiosa interação pretérita", completa.

O artigo completo pode ser lido no ScienceDirect.