Como a astronomia ajuda cientistas a entenderem o que há no centro da Terra?
Por Daniele Cavalcante |
A Terra é um planeta rochoso com muitos mistérios em seu interior, mas não é fácil entrar nas camadas mais profundas do nosso planeta para estudá-las diretamente. É até irônico: podemos ver algumas das galáxias mais distantes do universo, estudar a composição de planetas que orbitam outras estrelas, mas não conseguimos sequer olhar para o núcleo da nossa própria rocha espacial. Ainda assim, os cientistas sabem o que há por lá. Mas como?
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Para saber do que é feito o interior do nosso planeta, os pesquisadores recorrem às pistas deixadas pelos fenômenos geológicos, como abalos sísmicos de terremotos e erupções vulcânicas. Meteoritos que caem por aqui também oferecem boas pistas, o que também é uma ironia. Graças a pistas como estas, os cientistas sabem que existem quatro camadas principais da Terra: crosta, manto, núcleo externo e núcleo interno, além das zonas de transição entre essas camadas.
Na crosta terrestre, está o mundo que conhecemos e podemos analisar relativamente bem. Ela consiste nas placas tectônicas, que variam em espessura, desde 4 km até ultrapassar os 60 km. Abaixo dela, está o manto, uma camada de rocha que constitui 84% do volume da Terra, dividida entre manto superior e manto inferior.
Mais abaixo, há um núcleo externo de ferro líquido em movimento em torno de um núcleo interno de ferro sólido, ambos com um pouco de níquel. Juntos, essas camadas têm cerca de 70% o tamanho da lua e chegam a uma temperatura quase tão elevada quando à superfície do Sol. Isso ocorre graças à pressão das camadas superiores sobre o núcleo. Ok, talvez você já tenha lido sobre isso em algum lugar, como livros didáticos, mas como sabemos que as coisas são assim?
Entre as grandes aliadas dos geólogos estão as placas tectônicas. Lembre-se que elas constituem a crosta terrestre, e também que elas se movem, pois estão sobre o magma. Às vezes, se chocam umas nas outras, causando terremotos. As ondas sísmicas desencadeadas nesses eventos são captadas pelos cientistas, e assim eles sabem quando e onde ocorreu um terremoto, mesmo que em outro continente. Isso é feito há alguns séculos, mas foi em 1889 que os cientistas descobriram como usar essas ondas para entender nosso planeta.
Para resumir, os cientistas deduziram que, se terremotos enviam vibrações ao solo por todo o planeta, podendo ser detectados até em outros continentes, é possível que possam também revelar um pouco sobre o interior do planeta. E foi exatamente isso o que eles constataram. Nem mesmo raios-X podem ir tão longe a ponto de analisar o interior da Terra, mas as ondas sísmicas podem. Assim, cientistas começaram a usar sismômetros para registrar as vibrações que podem oferecer um vislumbre do que está abaixo da crosta.
Depois, eles coletam todos esses dados, interpretam, e criam modelagens de computador para tentar fazer simulações do que está no interior da Terra. E não tem problema se faltarem terremotos, pois os cientistas também começaram a simular a atividade sísmica com canhões de ar e explosões. Isso acabou revelando que o interior da Terra tem camadas diferentes, algumas delas mais propensas a reverberar as ondas sísmicas do que outras, e os geólogos puderam até mesmo dizer a densidade dessas camadas.
Certo, mas como isso nos ajuda a saber o que realmente constitui essas camadas? É aí que entram os estudiosos de minerais. Se podemos saber a densidade dessas camadas e o modo como elas reverberam as ondas sísmicas, já temos algumas pistas para saber do que elas são feitas, ou pelo menos descartar um monte de opções. Mas essas não são as únicas pistas.
Voltamos a uma das ironias dessa história: um dos melhores meios de entender nosso planeta é olhar para fora dele. É que a astronomia ajuda os cientistas a entenderem quais são os prováveis blocos de construção da Terra e, com isso, restringir quais componentes podem estar presentes ou não em seu interior. É aí que entram os meteoritos. Se a Terra nasceu no Sistema Solar, ela contém elementos que foram forjados no Sol — essa grande fornalha cósmica na qual elementos leves são fundidos em elementos mais pesados.
O próprio Sol nasceu de uma nuvem de gás e poeira, e dessa nuvem também surgiram pedrinhas que se aglutinaram em pedras cada vez maiores, até se formarem os planetas rochosos. E os asteroides! Por isso, quando um meteorito cai na Terra, é certo que ele contém os mesmos elementos que existem por aqui. Em outras palavras, a distribuição dos elementos na Terra deve corresponder aos elementos encontrados nos meteoritos e no próprio Sol.
Se sabemos quais são esses elementos — e sabemos, pois estudamos o Sistema Solar há algum tempo, e analisamos a própria composição do Sol através dos comprimentos de ondas da luz refletida nos elementos que já conhecemos — significa que temos os “ingredientes” para fazer um planeta. Isso ocorre porque as reações químicas dentro das estrelas produzem os elementos que compõem planetas como a Terra.
Até aqui já temos um quebra-cabeças e tanto! As coisas podem ser um pouco mais complexas que isso, mas já dá uma boa ideia de como os geólogos e astrônomos usam o conhecimento de cada área para entender melhor a Terra, certo? Essas pistas dão uma noção muito boa dos principais elementos da composição do nosso planeta, mas há muito mais. Por exemplo, as rochas vulcânicas que trouxeram pedaços do manto para a crosta terrestre.
Com todas essas informações, os físicos especialistas em minerais descobrem como esses elementos presentes na Terra devem ser distribuídos nos modelos de computador para que coincidam com os dados sismológicos coletados. Foi assim que eles descobriram que o núcleo interno do planeta é composto de ferro sólido, e faz sentido, já que o ferro é o elemento predominante no Sol e nos meteoritos, e não outro elemento pesado.
Bem, a ciência exige verificação, e por isso os cientistas também encontraram meios de simular as condições impostas sobre os elementos que compõe o interior da Terra. O problema é que não podemos viajar nas profundezas do mundo para verificar se as terias estão corretas, mas se os cientistas podem imitar e simular, é bem provável que eles estejam bem próximos da realidade. E, por enquanto, isso é o suficiente.
Fonte: Discover Magazine