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Como um "sincericídio" do fundador do Alibaba suspendeu o maior IPO da história

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Divulgação / Ant Group
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Já diz um velho - e sábio - ditado: "O peixe morre pela boca". E foi por causa disso que Jack Ma, o lendário fundador do grupo Alibaba, precisou bater em retirada e adiou por tempo indeterminado a Oferta Pública Inicial (IPO, na sigla em inglês) de ações do Ant Group, a gigantesca fintech do Alibaba e considerada a startup mais valiosa do mundo. Apenas no primeiro dia da venda dos papeis da companhia nas bolsas de Xangai e Hong Kong era esperado que ela levantasse US$ 37 bilhões, se tornando o maior IPO da história.

Mas o que Ma disse de tão pesado para fazer com que um evento tão gigantesco fosse adiado a poucos dias de acontecer?

Economia de mercado? Sim. Mas não ofenda o governo

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Segundo uma matéria da agência de notícias Reuters, Jack Ma, no dia 24 de outubro - ou seja, a pouco menos de um mês do IPO do Ant Group - decidiu realizar um ataque público violento contra os bancos e fiscalizadores financeiros da China. Em uma reunião de cúpula realizada em Shangai, ele afirmou "que o sistema regulatório chinês estava sufocando a inovação e deve ser reformado para fomentar o crescimento". Ma disse ainda que os bancos chineses operavam com uma mentalidade de “casa de penhores”.

O detalhe: essas palavras foram ditas diante do establishment financeiro, regulatório e político da China. Grande - ENORME - erro.

Por que? Porque quem conhece o mínimo do modus operandi do governo chinês - dominado pelo Partido Comunista - sabe que eles são bem generosos na hora de investir, mas não são exatamente receptivos com críticas. E isso vale até mesmo para magnatas do porte de Jack Ma.

Logo, é razoável imaginar que, logo após a fala de Ma, muitos presentes na conferência devem até ter concordado e dito: "É...tem de ver isso aí". Mas, na sequência, o que se viu foi uma cadeia de eventos que acabou por torpedear a cotação da Ant Group. Mordidos pelo ataque do executivo, os reguladores chineses e funcionários do Partido Comunista começaram a supervisionar de perto o império financeiro de Ma, culminando com a suspensão do IPO na última terça-feira, dois dias antes da ansiosamente aguardada estreia nos mercados de Xangai e Hong Kong.

A ofensiva estatal

Segundo fontes ouvidas pela Reuters, vários altos funcionários reguladores financeiros do governo chinês ficaram furiosos com as críticas de Ma. A partir daí, os reguladores estaduais começaram a compilar relatórios, incluindo um sobre como a Ant Group havia usado produtos financeiros digitais como o Huabei, um serviço de cartão de crédito virtual, para incentivar os pobres e os jovens a acumular dívidas.

O gabinete geral do Conselho de Estado compilou um outro relatório sobre o sentimento público em relação discurso de Ma e o submeteu a líderes seniores, incluindo o presidente Xi Jinping, disseram as fontes. Alguns resultados desses levantamentos indicaram que o sentimento público era negativo em relação a Ma e suas declarações. Com isso, os principais líderes chineses então se envolveram mais e pediram uma investigação completa das atividades de negócios do Ant Group.

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Outros altos funcionários políticos chineses pediram aos reguladores, incluindo o banco central do país e o principal regulador bancário da China, uma revisão completa dos negócios do Ant Group. Os cães de guarda do sistema financeiro, que há anos queriam controlar o império fintech de Ma, agiram rápido depois de receber instruções por escrito de autoridades, incluindo o vice-premiê Liu He, um conselheiro econômico de confiança do presidente Xi Jinping.

Mesmo antes do discurso de Ma, os reguladores chineses estavam gradualmente aumentando sua supervisão do Ant Group, que em grande parte prosperou como uma plataforma de tecnologia livre de regulamentações bancárias caras, apesar de seu buquê de ofertas financeiras. O escrutínio se intensificou particularmente para o rápido crescimento do negócio de empréstimos ao consumidor online da empresa, uma galinha dos ovos de ouro, que obtém demanda de consumidores e pequenas empresas e a repassa a cerca de 100 bancos para subscrição.

O ataque maciço a uma das maiores fontes de dinheiro do Ant Group

Como parte dos ataques, as autoridades regulatórias se apressaram em publicar um documento de consulta na última segunda-feira (02) para endurecer as regras para os negócios de microcrédito do país. Essa medida afeta diretamente o Ant Group, segundo uma das fontes ouvidas pela Reuters. O projeto exige que os micro-credores financiem pelo menos 30% de qualquer empréstimo que seja feito em conjunto com os bancos. Apenas 2% dos empréstimos que a Ant Group havia facilitado no final de junho estavam em seu balanço patrimonial, mostrou seu prospecto de IPO.

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Os principais participantes dessa prática na indústria chinesa, incluindo o Ant Group e Lufax Holding Ltd, uma plataforma online de gestão de fortunas, estavam cientes dos detalhes do rascunho semanas antes de seu lançamento ao público, disseram duas fontes. A Lufax, que arrecadou US $ 2,4 bilhões em um IPO de Nova York no mês passado, informou aos investidores que os reguladores exigiram que os principais micro-credores online fornecessem cerca de 20% a 30% de qualquer empréstimo que financiassem em conjunto com bancos, de acordo com dois investidores que aderiram ao roadshow da fintech. A Lufax não quis comentar devido às restrições do período de silêncio após o IPO.

Por sua vez, os executivos da Ant Group não mencionaram as possíveis mudanças regulatórias durante suas duas principais chamadas com investidores globais durante seu roadshow na semana passada, disseram outros investidores. A porta-voz da Ant disse que a empresa não tinha conhecimento dos detalhes do rascunho das regras de microcrédito online até sua publicação na segunda-feira.

Após a publicação do documento de consulta sobre microcrédito, Ma e os dois principais executivos do Ant foram convocados para uma rara reunião conjunta com quatro órgãos reguladores. Eles foram informados de que a empresa, notadamente seu negócio de empréstimos ao consumidor, enfrentaria um escrutínio mais severo sobre questões como adequação de capital e índices de alavancagem.

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Os reguladores ficaram surpresos com a escala e o modelo de risco da divisão de empréstimos da Ant Group, cujos detalhes foram divulgados nos documentos relacionados ao IPO desde o final de agosto. A unidade, que inclui duas provedoras de empréstimos de curto prazo, a Huabei e a Jiebei, contribuiu com cerca de 40% da receita do grupo no primeiro semestre do ano.

Um dia depois da reunião de Ma com os órgãos estatais, a bolsa de valores de Xangai disse que havia suspendido o IPO da Ant Group, citando uma "mudança significativa" no ambiente regulatório, levando a empresa a também congelar o IPO de Hong Kong de sua listagem dupla.

O órgão que supervisiona a indústria de valores mobiliários da China disse posteriormente que as recentes mudanças regulatórias poderiam ter um "grande impacto" na estrutura de negócios e no modelo de lucro da Ant Group. Ele afirmou que a suspensão do IPO foi uma medida responsável tanto para os investidores, quanto para os mercados.

Após o anúncio do adiamento do IPO, o Ant Group divulgou um comunicado no qual se compromete a “abraçar” a regulamentação do país asiático.

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Acabou a vista grossa

A suspensão do IPO do Ant Group é o ápice do que tem sido uma relação gradualmente azeda nos últimos anos entre o império corporativo de Ma e os reguladores chineses.

Em anos anteriores, a maioria dos reguladores havia deixado o bilionário em paz, em parte, por causa de seus laços estreitos com alguns altos funcionários do governo chinês, mas também por seu sucesso no mundo da Tecnologia ser motivo de orgulho nacional. Afinal, ele construiu o império digital do grupo Alibaba praticamente do zero.

Quando o Banco Popular da China (PBOC) tentou regular os negócios de pagamento e gestão de fortunas do Ant Group há cerca de cinco anos, Ma contornou a instituição depois de não conseguir chegar a um consenso com as autoridades regulatórias e fez lobby junto ao governo central. Posteriormente, o PBOC abandonou esses planos de regulamentação.

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Mas com seu discurso de 24 de outubro, Ma avaliou mal a mudança de prioridades de Pequim, de acordo com uma fonte reguladora sênior. Ele acreditou que poderia desafiar o sistema financeiro e ainda manter o apoio da liderança central. Erro de cálculo. O quadro geral é que um dos principais objetivos do governo este ano é fortalecer o setor financeiro do país e restringir a supervisão regulatória, para evitar riscos sistêmicos em uma economia atingida por uma pandemia.

Ingenuidade ou arrogância?

Embora Ma possa não ter percebido o impacto que suas palavras teriam, pessoas próximas a ele ficaram perplexas ao saber com antecedência sobre o tom do discurso que ele planejava proferir. Eles sugeriram que o executivo, de 56 anos, suavizasse seus comentários, já que alguns dos reguladores financeiros mais importantes da China deveriam comparecer. Mas ele se recusou a ceder, acreditando que deveria ser capaz de dizer o que queria, disseram as fontes a Reuters.

Foi um erro de cálculo crasso. E que vai sair bem caro.

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Isso porque o IPO do Ant Group teria adicionado, pelo menos, US $ 27 bilhões ao patrimônio líquido de Jack Ma. Agora, as chances da oferta pública de ações voltar a curto prazo são pequenas, de acordo com fontes ouvidas pela Reuters. Isso porque os reguladores tendem a apertar ainda mais o escrutínio sobre a fintech. A oferta de ações da companhia nas bolsas de Xangai e Pequim não deve ocorrer, pelo menos, nos próximos meses, disseram dois especialistas.

Sim, o peixe morre pela boca.

Fonte: Reuters