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Excesso de raios gama no meio da Via Láctea pode ser gerado por matéria escura

Por| Editado por Claudio Yuge | 29 de Março de 2021 às 21h30

T. Linden/Univ. of Chicago
T. Linden/Univ. of Chicago
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No centro da Via Láctea, há um brilho intenso que intriga os astrônomos há cerca de 12 anos. Mesmo que retirássemos toda a luz das estrelas localizadas naquela região, sobraria um excesso de radiação gama — uma das mais energéticas do universo — que os cientistas ainda não podem explicar. Um novo estudo, no entanto, sugere que esse brilho poderia ser vestígios da matéria escura de nossa galáxia.

Descoberto por Lisa Goodenough e Dan Hooper em 2009, o fenômeno conhecido como Excesso de GeV do Centro Galáctico (GCE) já foi alvo de estudos que tentam encontrar a possível origem dos raios gama. A própria dupla que descobriu o GCE sugeriu que a culpada pela luz poderia ser a matéria escura, ou melhor, as WIMPS (da sigla em inglês para Partículas Massivas de Interação Fraca), partículas hipotéticas candidatas a componente da matéria escura.

De acordo com os dois pesquisadores, caso as WIMPS e suas antipartículas colidissem, elas se aniquilariam, explodindo como fogos de artifício, com a diferença que espalhariam outras partículas no lugar das luzes coloridas. Essas partículas incluiriam fótons de raios gama, e isso poderia explicar os dados descobertos em 2009. Essa ideia é atraente porque, se for verdadeira, os cientistas estão diante de um efeito causado diretamente pela matéria escura — que até hoje ainda não pode ser detectada senão através de interações gravitacionais. Entretanto, outros físicos não ficaram muito convencidos com a explicação envolvendo as WIMPS, até porque ninguém sabe se elas realmente existem.

Após muitas outras hipóteses serem apresentadas, um pesquisador chamado Mattia Di Mauro, do Instituto Nacional de Física Nuclear da Itália, trouxe uma nova hipótese que coloca a matéria escura novamente como possível responsável pelo excedente de raios gama no centro da nossa galáxia. Em seu estudo, ele compara os dados do telescópio Fermi (usado por Goodenough e Hopper na descoberda do GCE) dos últimos 11 anos com medições de outras anomalias astronômicas encontrados por um instrumento chamado Pamela, que fica no satélite Resurs-DK No.1. Ele também usou dados do Espectrômetro Magnético Alfa, a bordo da ISS.

Em seu estudo, Di Mauro conseguiu minimizar as incertezas causadas pela radiação de fundo, que pode atrapalhar as leituras da luz que se pretende analisar. Com isso, o pesquisador conseguiu informações mais “puras” sobre o GCE, incluindo a distribuição espacial dos raios gama. O resultado ainda não é capaz de explicar o que causa o GCE, mas pode excluir algumas hipóteses, o que já ajuda bastante na investigação. Di Mauro explica que a distribuição da luz misteriosa não muda em função da energia, então ele descarta a interação entre raios cósmicos e átomos da lista de possíveis causadores dos raios gama.

Segundo o cientista, isso nunca havia sido observado antes, e pode ajudar a identificar a natureza da radiação — mais precisamente, pode fortalecer a explicação que define a matéria escura como fonte da luz. Di Mauro lembra que, de modo geral, os cientistas consideram que as partículas de matéria escura devem ter energias semelhantes, o que estaria em conformidade com a distribuição de radiação do GCE observada. "A análise mostra claramente que o excesso de raios gama está concentrado no centro galáctico, exatamente o que esperaríamos encontrar no coração da Via Láctea se a matéria escura fosse de fato um novo tipo de partícula", disse ele.

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À esquerda está um mapa de raios gama com energias entre 1 e 3,16 GeV detectados no centro galáctico; o vermelho indica maior número. Ao redor, algumas estrelas pulsares foram nomeadas. A remoção de todas as fontes de raios gama conhecidas revela o excesso de emissão (à direita), o que pode ser explicado pela aniquilação de partículas e antipartículas de matéria escura (Imagem: Reprodução/T. Linden/Univ. of Chicago)
À esquerda está um mapa de raios gama com energias entre 1 e 3,16 GeV detectados no centro galáctico; o vermelho indica maior número. Ao redor, algumas estrelas pulsares foram nomeadas. A remoção de todas as fontes de raios gama conhecidas revela o excesso de emissão (à direita), o que pode ser explicado pela aniquilação de partículas e antipartículas de matéria escura (Imagem: Reprodução/T. Linden/Univ. of Chicago)

Ainda não sabemos o que é exatamente a matéria escura, assim como não há nenhuma certeza sobre o tipo de partícula que a compõe. Entretanto, há algumas partículas candidatas — a maioria delas, hipotéticas. Se a matéria escura for feita de uma das partículas ainda não observadas, a explicação de Di Mauro faz sentido. Por outro lado, se os raios gama em excesso forem resultado da presença de matéria escura, o GCE deveria ser encontrado em outros centros galácticos. Di Mauro e seu colega Martin Wolfgang Winkler procuraram a radiação em galáxias esferoidais anãs próximas, e não encontraram nada.

Ainda assim, o resultado negativo permitiu restrições na massa da partícula de matéria escura — ao menos na teoria. De acordo com Di Mauro, essas restrições são compatíveis com o GCE na Via Láctea, embora ainda não seja o suficiente para bater o martelo na questão. Em outras palavras, não podemos ainda dizer que a matéria escura está causando o excesso de raios gama no centro da galáxia, mas o estudo de Di Mauro mantém a matéria escura no conjunto de possibilidades.

Basicamente, tudo está mais ou menos como no início, quando a GCE foi descoberta em 2009: há chances de que a matéria escura seja a responsável, mas não existem evidências que levem a comunidade científica a cogitar essa hipótese com muita seriedade. Até que novos estudos tragam outras pistas, isso resumo o que pode ser dito sobre o assunto. A boa notícia é que a técnica de Di Mauro, capaz de eliminar o ruído de fundo, pode ajudar a realizar no futuro observações mais precisas com instrumentos mais sensíveis.

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Fonte: ScienceAlert