Emanuela Orlandi: A história real da Garota Desaparecida do Vaticano
Por Diandra Guedes • Editado por Jones Oliveira |

A Netflix lançou em outubro o documentário investigativo A Garota Desaparecida do Vaticano, ou Vatican Girl como está sendo chamado em inglês. Dirigido pelo vencedor do Emmy Mark Lewis, a minissérie tem quatro episódios e se debruça sobre o desaparecimento de Emanuela Orlandi, caso que ficou conhecido como "o mistério não resolvido mais famoso da Itália".
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Na produção, Lewis, que também dirigiu a série Don't Fuck With The Cats, aborda o caso que aconteceu em 1983 e até hoje continua sem solução, embora várias teorias tenham sido criadas e vários suspeitos tenham sido apontados, entre eles a máfia italiana, a máfia turca, terroristas internacionais e até pontífices do próprio Vaticano.
O começo de tudo
Nascida em 1968, Emanuela era uma adolescente de 15 anos, filha de um funcionário do Vaticano e que, por isso, morava com sua família em um apartamento gratuito dentro das dependências da cidade-estado. Ela tinha aulas de flauta três vezes por semana e na quarta-feira do dia 22 de junho de 1983 desapareceu após a aula de música.
Desesperados, os pais de Emanuela ligaram para o diretor da escola, que disse não ter informações sobre a garota. Nos dias que se seguiram, a família recebeu alguns telefonemas afirmando ter visto uma jovem com as mesmas características da menina, mas se chamando Barbara.
De acordo com os telefonemas, Barbara disse que estava fugindo de casa, mas que voltaria para o casamento da irmã. Ela ainda disse que iria vender produtos cosméticos para se sustentar.
Sem mais notícias e sem nenhuma evidência que comprovasse que Barbara fosse realmente Emanuela, no dia 30 de junho, as buscas se intensificaram e Roma foi coberta com três mil cartazes exibindo a fotografia da garota.
No domingo, 3 de julho, o Papa João Paulo II apelou aos responsáveis pelo desaparecimento de Emanuela. Era a primeira vez que o Vaticano se pronunciava e confirmava a hipótese de sequestro.
O grupo de terroristas turcos
Entre as diversas teorias que rondam o caso ainda sem solução, uma delas é de que Emanuela foi sequestrada para ser trocada por Mehmet Ali Agca, um turco que atirou no Papa João Paulo II em maio de 1981.
A família recebeu uma série de telefonemas anônimos da suposta organização criminosa afirmando estar com a garota e, em 8 de julho, um homem com suposto sotaque do Oriente Médio ligou para um dos colegas de classe da vítima dizendo que a adolescente estava em suas mãos e que eles tinham 20 dias para fazer a troca por Agca.
O homem também exigiu uma linha telefônica direta com o Secretário de Estado Agostino Casaroli. A linha foi instalada em 18 de julho e um total de 16 ligações telefônicas foram feitas por "The American" (um homem desconhecido com sotaque estadunidense) de diferentes cabines telefônicas públicas.
O desfecho foi inconclusivo e, anos depois, durante uma entrevista feita na prisão, Agca afirmou que Emanuela havia sido sequestrada pelos Lobos Cinzentos, uma organização turca da juventude ultranacionalista e neofascista. De acordo com ele, a menina estava viva, fora de perigo e vivendo em um convento de clausura.
Quando questionado se tinha provas do que estava dizendo, ele se contentou em dizer que havia feito algumas deduções lógicas.
O escândalo do Vaticano
Quando o sequestro de Emanuela explodiu, muitas outras teorias, além daquela da máfia turca, começaram aparecer, mas a grande questão era descobrir se o Vaticano realmente tinha algum envolvimento com o sumiço da garota.
Uma amiga de Emanuela contou recentemente que, antes de ser raptada, a adolescente estava incomodada com algo e apresentando um comportamento atípico. Ela teria confessado à amiga que estava sendo importunada de forma sexual por um cardeal que era aliado ao Papa.
No documentário da Netflix, A Garota Desaparecida do Vaticano, a mulher não se identifica e aparece com o rosto escurecido, mas confirma que Emanuela lhe disse que teria "um segredo a confessar" pouco antes de ser sequestrada. Emocionada, a fonte disse que nunca havia revelado essa informação por medo de repressália.
O diretor da minissérie comentou o assunto, falando como é difícil para uma pessoa religiosa admitir a ideia de que há crimes de importunação sexual dentro da Igreja Católica:
“A ideia de que havia pedofilia na Igreja foi um assunto tabu por tanto tempo. E isso é ainda pior – não é apenas pedofilia dentro da Igreja Católica, é em solo do Vaticano. Acho que foi um lugar muito assustador para ela ir.”
O motivo do sequestro
Não é apenas a amiga de Emanuela que acredita no envolvimento do Vaticano no caso. Uma segunda teoria sugere que a gangue Magliana (organização criminosa italiana com sede em Roma) sequestrou a adolescente para pressionar o Vaticano a devolver o dinheiro que eles haviam emprestado para financiar secretamente o Solidariedade — sindicato que na época lutava contra o comunismo na terra natal do papa, a Polônia.
O Instituto do Vaticano para as Obras da Religião, também conhecido como Banco do Vaticano, foi acusado de enviar dinheiro para o Solidariedade.
O jornalista italiano, Andrea Purgatori, que acompanhou as investigações desde o início, disse que a gangue Magliana pode ter usado o "segredo sexual" como forma de chantagear a Igreja.
Ele disse que Emanuela pode ter sido “um bode expiatório” e que o Vaticano não fez nada para salvá-la porque não queria que seu segredo fosse revelado. O jornalista investigativo especialista no caso, Emiliano Fittipaldi, também acredita na mesma teoria:
"Se fosse uma questão de dinheiro, teria sido melhor sequestrar um cardeal ou um eclesiásticos proeminente. Por que sequestrar essa garota e não um cardeal?A única explicação para mim é que ela tinha um grande segredo que poderia ter criado um enorme escândalo [para o Vaticano]."
O que pensa a família
Além dos jornalistas e pesquisadores acreditarem na teoria de que o Vaticano queria encobrir um escândalo sexual, a família de Emanuela Orlandi, a garota desaparecida do Vaticano, também corrobora com a ideia.
Pietro Orlandi, o irmão da vítima, garante que ele e seus familiares nunca deixarão de buscar por ela e que sua mãe de 92 anos deveria ter o direito de pelo menos colocar flores em seu túmulo.
"O Vaticano sabe a verdade. Já faz muito tempo. Nós nunca vamos parar de procurá-la.”
O que diz o Vaticano
O Vaticano não se pronunciou sobre o assunto e se recusou a conceder entrevistas para a minissérie da Netflix. A família, no entanto, teve esperanças de que o Papa Francisco se pronunciasse sobre o caso quando foi escolhido em 2013, mas ele se limitou a dizer que Emanuela estava no céu. Tal declaração deixou Pietro com menos esperanças ainda:
“Arrepiou-me o sangue ouvir o Papa dizer que Emanuela estava morta. Não sabemos se ela está viva ou morta porque não há provas. Mas para um chefe de Estado dizer que Emanuela estava morta significava que ele sabia mais do que nós.”
O caso da garota desaparecida do Vaticano segue sem solução até hoje.
Como é A Garota Desaparecida do Vaticano?
Dividido em quatro episódios, a minisssérie da Netflix A Garota Desaparecida do Vaticano aborda uma sucessão de teorias e pistas que levam a diferentes hipóteses. Para isso, o diretor Emmy Mark Lewis entrevistou uma diversidade de personagens entre amigos, familiares e jornalistas especialistas no caso.
Em entrevista à imprensa dos Estados Unidos, Mark Lewis afirmou que a série será menos traumática do a premiada Don't Fuck With Cats e que espera que o público compreenda melhor o que é o Vaticano.
Vale lembrar que a produção foi gravada em Roma durante a quarenta da covid-19, o que permitiu que a equipe filmasse em uma cidade vazia após o toque de recolher.
Todos os episódios de A Garota Desaparecida do Vaticano já estão disponíveis na Netflix.