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Crítica | The Undoing não é exatamente sobre descobrir quem é o assassino

Por| 30 de Novembro de 2020 às 11h55

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Divulgação: HBO
Divulgação: HBO

Faltando pouquíssimo tempo para acabar o desastroso ano de 2020, a HBO conseguiu emplacar uma nova série, curta e intensa, que chamou a atenção do público por contar com exatamente o tipo de mistério que gostamos de tentar resolver. No final do mês de outubro estreou a minissérie The Undoing, com Nicole Kidman e Hugh Grant no protagonismo, que conta a história de um terrível crime que abalou a família que parecia perfeita.

Em meio à dissolução da família, desconstrução do vilão no tribunal e privilégios de pessoas ricas e brancas, The Undoing trouxe uma trama repleta de reviravoltas do começo ao fim, e que conseguiu manipular o espectador de uma forma surpreendente. A minissérie chegou ao fim no último domingo (29).

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Atenção: esta crítica contém spoilers de The Undoing e vai contar quem matou Elena Alves!

The Undoing tem todos os clichês possíveis de uma produção de mistério: um casal perfeito, um crime terrível, uma traição, revelações chocantes, coadjuvantes que são uma incógnita e vários suspeitos. Grace Frase (Nicole Kidman) e Jonathan Sachs (Hugh Grant) formam um casal da alta sociedade nova-iorquina, ambos médicos.

Ela, terapeuta de casal e aparentemente bem resolvida, ele, médico oncologista especializado no tratamento de crianças com câncer terminal. Casal perfeito, sem brigas, sem discussões, que se amam. Juntos, têm um filho, Henry Sachs (Noah Jupe), um garoto estudioso, filho único, que toca violino. Tudo parecia incrível, até que a premissa da série finalmente começa a acontecer.

Ao conhecer Elena Alves (Matilda de Angelis), o espectador já começa a suspeitar que ela será o foco da história e que tudo o que vai acontecer será centrado nela. A atriz iniciante, que atua como modelo, interpreta uma mulher mais jovem, casada e mãe de dois filhos, um deles recém-nascido. A sua obsessão por Grace dura pouco tempo, pois foi interrompida pelo seu cruel assassinato.

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O choque da sua morte é igual tanto para nós, que estávamos assistindo, quanto para Grace, que estava nutrindo um sentimento de empatia pela jovem, sem saber que ela era amante do seu marido. Eles se conheceram quando Jonathan cuidava se deu filho com um grave câncer, Miguel (Edan Alexander). Pronto. Descobrimos que o médico não é quem pensávamos que fosse, e como ele desapareceu após o assassinato, se tornou o principal suspeito, com todas as revelações sobre o seu caráter sendo feitas no tribunal, para nós e para Grace ao mesmo tempo.

Mas o que The Undoing faz é tentar desconstruir esse papel de vilão, dado a Jonathan por motivos óbvios. Não tem como ser outra pessoa. Ele tinha um caso extraconjugal com ela, a engravidou, é pai do recém-nascido dela, Elena se tornou obcecada por ele, e ele a queria longe da família. Se você ignorou o aviso acima e não quer saber ainda quem matou Elena Alves, pare por aqui.

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Para que Jonathan deixe de ser um suspeito para quem está assistindo e para a própria família, a série acerta em transformar todos em suspeitos. Primeiro, acreditava-se ter sido Grace, pois foi vista em uma câmera de segurança caminhando pelo local do assassinato momentos depois. Seu álibi foi que ela sempre fazia caminhadas noturnas. Outro possível suspeito, claro, era o seu marido, Fernando Alves (Ismael Cruz Córdova), que passa a série inteira com a mesma expressão de tristeza profunda, mágoa e ódio, mas ele também tinha o seu álibi e não era nem de longe um suspeito possível.

Depois entra na história o pai de Grace, Franklin Renner (Donald Sutherland), um homem bem idoso, lúcido e milionário, disposto a fazer de tudo para proteger a vítima. A candidata mais provável também era Sylvia Steinetz (Lily Rabe), amiga de Grace que estava em tudo, seja em suas opiniões ou apenas de corpo presente em diversos momentos, até no tribunal, sempre parecendo que estava escondendo algo.

No final do quinto e penúltimo episódio, The Undoing apela para um clichê tão forçado que provavelmente ninguém acreditou. O martelo usado para cometer o crime, que havia desaparecido, foi encontrado no case de violino de Henry por Grace. Ao mesmo tempo em que não havia provas de que o garoto poderia ter matado Elena, ele sendo o culpado seria óbvio demais para uma série de mistério. Essa tentativa de nos enganar simplesmente não colou.

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A trama conseguiu nos enganar perfeitamente, pois The Undoing não é uma série que, simplesmente, queria mostrar quem era o assassino. Eu sabia quem era, você sabia quem era, todo mundo sabia. O que a trama fez foi nos deixar na dúvida. Estamos errados, não foi ele. Se Jonathan era um médico amoroso, não pode ter sido ele. Foi só um affair, isso não significa que ele é um assassino. Ele cuidava de crianças com câncer terminal, como uma pessoa assim pode matar alguém de forma tão violenta? Nem Grace acreditava nisso. Nem o filho. Nem a sua rígida advogada.

Foi quando a reviravolta que todos esperavam no final, aconteceu, mas ao mesmo tempo não. Sim, Jonathan é o assassino. Estava lá, bem claro, diante de nossos olhos. Nós sabíamos, mas The Undoing nos deu amostras grátis do benefício da dúvida. Fomos tapeados. Para que criar uma série de mistério, que tenta descobrir quem é o criminoso, se for para chegar ao óbvio?

Esse final foi decepcionante para a maioria dos espectadores, basta fazer uma busca pela hashtag da série para conferir os comentários. Foram seis semanas de conspirações a cada episódio que era lançado, peças sendo encaixadas, suspeitos sendo descartados, depois voltando ao radar, tudo isso para nos mostrar o óbvio. Porém, a série não deve ser lembrada dessa forma.

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O grande plot twist está em como Jonathan foi desmascarado. Grace, inconscientemente ou não, desde o começo aceitou estar do lado do marido no tribunal, literalmente segurando a sua mão nos momentos mais críticos, acreditando na sua inocência e fazendo de tudo para que ele não fosse condenado, pensando no filho e no bem da família. Mas no último episódio, convencendo a todos que estava do lado de Jonathan, se voluntariou a depor, e suas declarações só confirmavam o que todos nos já sabíamos. Foi colocada em jogo a sociopatia do acusado, uma vez que ela como terapeuta sabe muito bem do que se trata o problema, e já não havia mais como não incriminá-lo. Por fim, ela nunca acreditou na inocência do marido, mas disfarçou muito bem.

A revelação da culpa pelo assassinato, em imagens, acontece nos momentos finais da série, quando Jonathan, já sabendo que será preso no julgamento final, leva Henry para um passeio de carro como sendo a última oportunidade de estarem juntos, o sequestrando. Nessa hora, Hugh Grant fica irreconhecível. O galã das comédias românticas é visto de outra forma, de maneira repulsiva e com comportamentos assustadores. Enquanto dirige perigosamente, colocando a vida dele e do filho em risco, Jonathan começa a fazer declarações que comprovam a sua culpa e o fato de ele ser um psicopata incapaz de sentir emoções. Em meio a isso, vemos as cenas do momento do assassinato, que são difíceis de assistir.

Após uma cena de sexo violenta e um pouco perturbadora, vemos a outra cara de Jonathan dizendo que vai machucá-la se ela continuar se aproximando da família dele, e momentos depois, de fato, acaba a machucando batendo a sua cabeça contra a parede. Após tentar revidar com um martelo usado em sua galeria de arte, ele percebe a tempo, tira da mão dela e o resto é história. Talvez não houvesse a necessidade de mostrar uma cena tão violenta e cruel, que até é capaz de trazer um sentimento de culpa. Mais uma vez: sabíamos o tempo todo, como foi possível duvidarmos?

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Depois da perseguição policial de carro e helicóptero, o destino de Jonathan seria encerrado com a sua covardia, após uma tentativa de pular da ponte que foi impedida pelo filho. Mas ele não se matou e foi preso. A série acaba por aí, não vemos como ficou a família e nem como foi o julgamento final, mas justamente pela série não ser simplesmente um mistério de quem é o assassino.

A série pode até ser tratada, em um geral, como decepcionante, mas observando as camadas de construção da história, na verdade, é uma ideia fascinante. Talvez, isso se dê ao fato de um elenco incrível, com dois protagonistas que dispensam comentários e com um destaque para Haley Fitzgerald (Noma Dumezweni), advogada que conduziu todo o caso. Mesmo se a trama não se tornar digna de premiações, será conhecida como a série cheia de reviravolta, mas sem ter, de fato, uma reviravolta.

The Undoing está disponível no HBO GO em seis episódios.