Banalização da privacidade: este app paga para você vender sua voz para IAs
Por Lillian Sibila Dala Costa • Editado por Jones Oliveira |

O Neon Mobile é um aplicativo de premissa simples, mas que ganhou extrema popularidade e acabou entrando em controvérsias recentemente. Ele grava suas ligações telefônicas e paga pelos áudios gerados, vendendo esses dados para empresas de inteligência artificial, presumivelmente para uso em treinamento das IAs. Na última quarta-feira (24), o app alcançou o 2º lugar na App Store, loja da Apple, na seção de redes sociais.
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Segundo seu site oficial, são pagos US$ 0,30 (cerca de R$ 1,60) por minuto caso o usuário ligue para outro cliente Neon, chegando a um máximo de US$ 30 por dia (cerca de R$ 160). Em seus termos de serviço, o app afirma gravar tudo das conversas telefônicas, mas só mantém o lado do usuário caso a outra pessoa não seja usuária Neon.
Apesar do princípio aparentemente positivo de que o próprio usuário é quem decide o que fazer com seus dados, o caso têm levantado discussões sobre ética e privacidade.
Seus dados, privacidade e ética
A política de privacidade da Neon, ao ser lida, já pode levantar algumas sobrancelhas no que diz respeito ao que pode ser feito com os dados dos usuários. Confira um trecho, em tradução livre:
"Ao submeter gravações ou outras informações ao serviço, você cede à Neon Mobile o direito e a licença (com o direito de sublicenciar sob múltiplas modalidades) mundial, exclusiva, irrevogável, transferível e livre de royalties de vender, usar, guardar, transferir, exibir publicamente, performar publicamente (incluindo por meios de transmissão digital de áudio), comunicar ao público, reproduzir, modificar com propósito de formatar para exibição, criar trabalhos derivados como autorizado nesses termos, e distribuir suas Gravações, completas ou em parte, em qualquer formato de mídia e em qualquer canal midiático, em cada instância conhecida agora ou desenvolvida no futuro".
Já é possível notar o escopo do acesso aos seus dados, esticando o entendimento do que a Neon diz que faz com seus dados e o que pode fazer com eles. Nos Estados Unidos, a atividade é legal, já que o ato de não gravar o outro lado da conversa evita cair em leis contra escutas telefônicas. Em diversos estados e em outros países do mundo, é necessário o consentimento de ambas as partes para gravar uma conversa em sua totalidade.
A Neon afirma remover os nomes, e-mails e números de telefone dos usuários antes de vender seus dados, mas não deixa claro como os parceiros a quem vende irão usar esses dados. Treinamento de voz de IAs pode ser feito, com sua voz integrando inteligências artificiais ou sendo modificada e usada em golpes, por exemplo. Mesmo que a companhia não tenha intenções maliciosas, os parceiros que compram seus dados podem usá-los maliciosamente, ou mesmo acabar vazando essas informações através de hackers.
É evidente que muitos usuários estão dispostos a vender sua privacidade por ninharia, a despeito do custo que isso gera para si mesmos e para a sociedade. Há apenas alguns anos, em 2019, o Facebook se envolveu em um escândalo por conta do pagamento a adolescentes para baixarem um app que os espionava. Agências e prestadores de serviço já foram alvo de polêmicas por vender dados de usuários comercialmente, como o caso da Cambridge Analytica.
Com a popularidade alta de um aplicativo de venda dos próprios dados, pode-se argumentar que a escolha é do próprio usuário, mas é difícil saber se as pessoas realmente estão cientes do quanto estão compartilhando — e o quanto estão pondo sua privacidade e a de seus próximos em risco por conta disso. Pergunte-se o seguinte: você revelaria suas conversas privadas com amigos e parceiros românticos ao vivo, para todo o mundo ouvir? Mostraria isso para seus pais? Caso não, porque venderia esses dados por centavos?
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Fonte: TechCrunch