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Tiques nervosos: entenda os sintomas e causas da síndrome de Tourette

Por| Editado por Luciana Zaramela | 29 de Abril de 2021 às 15h30

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drobotdean/Freepik
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Com colaboração de Luciana Zaramela

Você já ouviu falar na Síndrome de Tourette? A condição, que afeta um indivíduo ainda na infância, se trata de um distúrbio neuropsiquiátrico que resulta em tiques nervosos que podem prejudicar a vida pessoal e profissional de um paciente, também trazendo constrangimentos, e que precisa de tratamento para amenizar os sintomas. Para entender melhor do que se trata a síndrome, o Canaltech conversou com quatro profissionais que entendem do assunto, que nos contaram de forma mais profunda como é a condição, quais as diferenças entre os sintomas e quais são os tipos de tratamento.

O que é a Síndrome de Tourette?

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A psicóloga Cristiane Carnavale Bevilacqua, do Fleury Medicina e Saúde, explica que a Síndrome de Tourette é um transtorno que faz parte do Transtorno de Tique, que afeta o movimento motor ou vocal de forma repentina. "Ele é rápido, recorrente e não ritmado. É um transtorno do neurodesenvolvimento. Pode produzir prejuízo social, emocional e profissional do indivíduo", explica a profissional. Já a psiquiatra Marcela Yanagimori, da DaVita Serviços Médicos também explica um pouco sobre o transtorno, revelando que os primeiros sintomas podem começar a aparecer ainda na infância, progredindo com o tempo para depois serem reduzidos ou remitidos na adolescência e no começo da vida adulta.

Yanagimori diz ainda que a taxa de prevalência da Tourette é de três a oito casos a cada mil crianças em idade escolar, sendo os meninos ainda mais afetados do que as meninas. "Em muitos casos associam-se ao Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), Transtorno Obsessivo compulsivo (TOC) e dificuldade de aprendizado, agravando prejuízos sociais, acadêmicos e profissionais. A síndrome tem caráter multicausal, envolvendo fatores genéticos, imunológicos e neurobiológicos", completa a psicóloga.

Sintomas e níveis de gravidade

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As psicólogas explicam que a Síndrome de Tourette conta com sintomas bastante característicos e altamente perceptíveis, como movimentos involuntários, muitas vezes bruscos, emissão de sons, que muitas vezes acabam sendo palavras de insulto e obscenas, contração do rosto, piscar constante de olhos, o ato de tossir ou pigarrear, cheirar objetos e pular, tudo de forma involuntária, como explica Yanagimori. Bevilacqua diz que os sintomas começam a aparecer antes dos 18 anos e podem ser suprimidos, caso o paciente consiga, por tempo indeterminado.

Não existem níveis diferentes da Síndrome de Tourette, mas sim a variação entre os tiques motores e vocais, que são medidos através de uma escala chamada Yale Global Tic Severity Scale (YGTSS), classificada como padrão ouro de avaliação. Para passar pelo teste, o paciente é entrevistado e avaliado sob diferentes contextos, como explica Bevilacqua.

"Ela é dividida em cinco dimensões que levam em conta número, frequência, complexidade, intensidade e interferência dos tiques. A pontuação final estratifica a gravidade em nenhum, mínimo, leve, moderado, acentuado e grave. Uma piora do caso está associada a uma baixa autoestima, prejuízo na vida familiar, aceitação social, funcionamento na escola ou trabalho, depressão grave com ideação suicida, vida restrita devido ao estigma e evitação social, perda de emprego e abandono escolar", explica a médica.

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Bevilacqua explica que existem os sintomas mais simples, com piscadas e tosses, mas também os mais complexos. "Tiques motores complexos compreendem viradas repentinas da cabeça e encolhimento dos ombros, podem ter uma finalidade, como, por exemplo, um sentido sexual ou imitação de movimentos de outra pessoa. O tique vocal complexo pode compreender falas repetidas, como a última palavra escutada (ecolalia), citação de palavras obscenas e inaceitáveis, racistas ou de cunho religioso (coprolalia)", exemplifica.

Marcela nos contou ainda que os tiques acontecem como uma "resposta a desejos premonitórios irresistíveis". "Evidências sugerem que a produção de tiques envolva disfunção na região dos núcleos da base, em particular da transmissão dopaminérgica nos circuitos córtico-estriado-talâmicos. Esses circuitos são responsáveis por mediarem a atividade motora, sensorial, emocional e cognitiva cerebral", revela a psicóloga.

A Síndrome de Tourette é genética?

O Canaltech questionou se a Síndrome de Tourette pode ser desenvolvida ou se ela faz parte da consequência de um fator genético. Yanagimori explica que a probabilidade de casos da síndrome surgirem nas mesmas famílias é grande, e que isso acaba trazendo a conclusão de que ela faz apenas parte de um espectro genético. Porém, há algo para considerar, como explica a profissional, além dos fatores ambientais de cada pessoa.

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"Um fator que pode estar associado a etiologia dos tiques envolve um processo autoimune, no qual o indivíduo contrai uma infecção estreptocócica levando a formação de anticorpos neuronais que reagem com tecidos do sistema nervoso central e geram os sintomas de tiques e distúrbios do movimento", diz. Bevilacqua conta também outras condições que podem contribuir para o surgimento do transtorno são "complicações obstétricas, idade avançada do pai, baixo peso ao nascer ou tabagismo materno".

É possível tratar a Síndrome de Tourette? Como?

Conversamos também com o médico Eduardo Perin, psiquiatra pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) pelo Ambulatório de Ansiedade do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP). O profissional conta que é importante se atentar não somente à gravidade da síndrome em si, mas em como os seus sintomas afetam a pessoa na questão social e de sofrimento pessoal. "É o principal critério para saber se o paciente precise se medicar ou não", pontua.

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Perin diz que existem dois tipos de medicamento para o tratamento da condição: os antipsicóticos e os alfa 2 adrenérgicos, que reduzem a pressão arterial. Além das medicações, segundo o psiquiatra, é possível tratar a Síndrome de Tourette com a terapia comportamental, que vai ter o intuito principal de amenizar os tiques. Casos mais graves e que não respondam aos tratamentos podem ainda passar por uma cirurgia, como explica o médico, que consiste em um marcapasso implantado no cérebro que libera sinais elétricos que inibem a transmissão elétrica dos neurônios.

O psiquiatra Dr. Luiz Scocca, membro da Associação Americana de Psiquiatria, também conversou com o Canaltech e destacou que não há cura para a Síndrome de Tourette, mas sim um controle que torne a pessoa capaz de realizar as suas atividades sem muitos empecilhos. O médico também ressalta a importância da terapia cognitivo-comportamental (TCC). "Ela ensina aos pacientes caminhos para ganhar controle sobre os tiques. Ela não cura, mas pode reduzir significativamente o número de tiques, a severidade na qual eles acontecem, seus impactos na vida da pessoa, sejam eles motores ou vocais", explica.

Yanagimori também explica que o tratamento da Tourette precisa ser feito de acordo com o impacto que a síndrome provoca no paciente, e que casos leves podem não precisar de ajuda médica. Já os casos mais graves, que são considerados aqueles que provocam problemas sociais e emocionais, precisam de intervenção psicossocial, farmacológica e escolar. 

"O tratamento farmacológico é realizado com o uso de medicações das classes dos antipsicóticos e agentes noradrenérgicos. Existem outras medicações em estudo como a tetrabenazina, o topiramato e o tetra-hidrocanabinol (THC). Um procedimento envolvendo estimulação cerebral profunda, vem sendo estudado para casos mais graves", diz a profissional.

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Scocca revela também que é importante avaliar outros distúrbios que possam surgir com a Tourette, como ansiedade, TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo), além do abuso de álcool, anestésicos, entre outras substâncias, incluindo drogas recreativas. "Essas outras condições também têm que ser tratadas, cada uma contando com dificuldades e tratamentos específicos", completa.

THC

O Canaltech conversou ainda com a biomédica Bárbara Arranz, empresária e pesquisadora da cannabis para fins medicinais, que revelou como o THC vem sendo usado para o tratamento dos sintomas mais graves da Síndrome de Tourette. Arranz explica que o primeiro passo a seguir antes de buscar este tipo de tratamento é tentar entender o que é a planta e quais são as suas funções no organismo.

"É importante entender como funciona a parte bioquímica da planta, o que ela vai te trazer, o que ela é, quais são as moléculas presentes, até onde nós vamos", conta, pontuando ainda que é preciso buscar um profissional adequado para este tipo de tratamento e sempre considerar o que diz a lei brasileira. A biomédica revela que a cannabis conta com mais de 60 compostos, entre eles o THC (tetra-hidrocanabinol), que é o psicoativo mais abundante. "Em todos os estudos que a gente tem, até hoje, falando sobre a Tourette e cannabis, os resultados veem através do THC. Existem vários ensaios clínicos em que as pessoas usaram o Sativex, um fármaco rico na substância", explica.

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No organismo, quando há a interação com o THC, nossos mediadores químicos são regulados. "Então, obviamente, se começa a regular a serotonina, adrenalina e dopamina, você tem um reajuste da parte química do seu organismo", pontua a biomédica, dizendo então que o THC vai trazer benefícios importantes como melhoria no sono, uma vez que quem tem Tourette tem o sono prejudicado, por exemplo. Então, tudo o que está em falta no cérebro acaba sendo melhorado, isso falando do THC em forma de óleo.

O uso da cannabis para o tratamento da Síndrome de Tourette, então, segundo a biomédica, não traz os efeitos secundários graves que os medicamentos alopáticos trazem. "Vem demonstrando excelentes resultados positivos, principalmente utilizando a molécula THC. Ela trabalha a parte dos espasmos musculares, a cognitiva, a regulação dos mediadores químicos", exemplifica. Eduardo Perin também fala sobre o uso da cannabis, dizendo que vem observando ótimos resultados do tratamento com a substância em seus pacientes, e que a cada vez mais novas evidências científicas surgem comprovando a eficácia e segurança do THC.