Organoides criados em laboratório podem explicar como e por que a COVID-19 mata
Por Natalie Rosa |
Pesquisadores do National Emerging Infectious Diseases Laboratories (NEIDL), localizado em Boston, nos Estados Unidos, fizeram experimentos com o novo coronavírus, injetando-o em "bolhas" de células que imitam órgãos humanos, o que é chamado de organoide. O objetivo desse estudo é identificar os efeitos do SARS-CoV-2 no organismo e como cada corpo reage a ele, trazendo soluções para possíveis tratamentos.
Atualmente, os virologistas vêm trabalhando com dados computacionais ou com o vírus modificado, o que pode não mostrar como o vírus real, no caso o novo coronavírus, vai fazer com cada tipo de célula humana. Segundo declaração da microbiologista do NEIDL, Elke Mühlberger, essas táticas não são úteis enquanto é preciso descobrir a resposta do hospedeiro.
Os organoides são minitecidos complexos criados a partir de células-tronco que podem se multiplicar, sempre se auto-organizando, criando pequenos aglomerados que passam a cumprir funções de um órgão real. Por contarem com uma composição celular básica, podem ser transformados em pequenos intestinos com delicadas ranhuras, bolhas cerebrais que emitem ondas e, até mesmo, estruturas que são bem semelhantes a embriões reais.
Quando surgiu o surto de Zika, os organoides começaram a ser usados em testes, com os cientistas infectando pequenos cérebros em laboratórios. Foi descoberto, então, que o vírus tinha como preferência neurônios ainda jovens e em crescimento, solucionando então o fato de que a doença transmitida pelos mosquitos provocava a microcefalia em alguns recém-nascidos.
A medida também vem ajudando os pesquisadores a estudar vírus de animais que não foram muito bem analisados por serem difíceis de crescer em laboratório. No mês passado, cientistas de Hong Kong cultivaram pequenos intestinos de morcegos da espécie ferradura, que abrigam vários vírus e já foram apontados como a fonte da contaminação do novo coronavírus.
Pequenos pulmões
Os mini-órgãos criados no laboratório de Boston contam com tecidos pulmonares, alguns deles se encaixando com partes de alvéolos, pequenos sacos de ar que são inchados e trocam o oxigênio do pulmão e que, em casos graves de COVID-19, ficam sobrecarregados. "Eu nunca vi nada parecido. Para mim, o mais surpreendente é ver o grau em que (o vírus) provoca danos severos aos pulmões de alguns pacientes. Não é como o Ebola, quando todos ficam doentes", relata Finn Hawkins, que comanda um dos laboratórios de organoides.
Hawkings comenta mais sobre a gravidade da COVID-19, dizendo que grande parte dos pacientes acaba entrando em óbito simplesmente pela falta de capacidade de respirar. "Seus marcadores sobem; eles precisam de oxigênio. A piora repentina é algo que eu nunca havia visto antes", completa. Segundo o cientista, o uso dos organoides vai ajudar a responder quais células deixam o vírus invadir o corpo e quais são as responsáveis por desencadear os efeitos devastadores da nova doença.
Uma equipe de cientistas da Carolina do Norte, também nos Estados Unidos, formou camadas de fatias de células humanas das vias aéreas que crescem entre o ar e o líquido, a fim de descobrir quais são as células mais suscetíveis. Foi determinado, então, quais células ciliadas apresentavam níveis mais altos de ACE2 — receptor no qual o novo coronavírus se "agarra". Sendo assim, o nariz foi apontado como principal porta de entrada para o vírus.
A segunda questão a ser desvendada em laboratórios com os organoides envolve determinar como as células reagem à infecção. Hawkins diz haver a suspeita de que o vírus esteja desencadeando algo no organismo da pessoa infectada, e muitos médicos acreditam que a causa das mortes acontece quando há danos nos alvéolos. Segundo os especialistas, o problema deve estar nas células tipo 2, responsáveis por criar uma substância chamada de surfactante pulmonar, que reduz a tensão superficial que permite aos sacos de ar continuarem abertos.
"Observando as autópsias, percebe-se que as células do tipo 2 estão muito danificadas. Sabemos que eles foram infectados pelo vírus. Esse é o tipo de célula-chave para entender o que está matando esses pacientes. Você fica com os alvéolos completamente fechados e é isso o que causa problemas com a oxigenação. Quando um paciente acaba precisando de ventilação, é muito desafiador entregar a pressão exata para resgatar pulmões doentes e com vazamentos", relata Hawkins.
Jessia Huang, do laboratório da Universidade de Boston, fabrica células tipo 2 com a ajuda de organoides e as envia para todo o mundo para estudo. Células alveolares de pacientes não são fáceis de cultivar, mas o laboratório conseguiu realizar o feito criando um organoide chamado de alveolosfera. Uma vez infectadas artificialmente pelo novo coronavírus, depois de poucos dias as células ficam com seus núcleos fragmentados. "Nós achamos que o vírus mata as células diretamente, mas na verdade não sabemos", conta Mühlberger.
A cientista diz que, graças aos experimentos com organoides, será possível ter uma clareza maior sobre quais medicamentos poderão evitar que o vírus continue se reproduzindo.
Fonte: Technology Review